A ONG Filha do Sol atua no litoral do Piauí com foco em justiça climática e equidade de gênero, desenvolvendo projetos que unem sustentabilidade, educação ambiental e protagonismo feminino.
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O Piauí, situado no semiárido nordestino, abriga uma rica diversidade ecológica que inclui os biomas Cerrado, Caatinga e os valiosos manguezais costeiros. No entanto, essa biodiversidade está sob crescente ameaça devido às mudanças climáticas. Os manguezais e a linha litorânea do estado figuram entre os ecossistemas mais vulneráveis à crise climática, sofrendo com a elevação do nível do mar, a erosão costeira e a salinização dos recursos hídricos. Essas mudanças não impactam apenas a fauna e a flora, mas comprometem diretamente a vida de comunidades tradicionais que dependem desses ecossistemas para sua subsistência. Essas condições caracterizam o nordeste brasileiro como um “hotspot” climático, termo utilizado para descrever regiões de alta biodiversidade que enfrentam severos processos de degradação ambiental.
Em resposta às vulnerabilidades ambientais que afetam a região, surge a Filha do Sol, como uma organização de ação climática pensada e liderada por mulheres nordestinas, centrada no reconhecimento e fortalecimento do protagonismo feminino na regeneração de ecossistemas, na mitigação dos efeitos provocados pela crise climática e na promoção da justiça climática. Fundada por Dra. Flávia Neves Maia, Rhavena Madeira e Rebeca Viana, a ONG se posiciona como uma organização aliada, conectando o global ao local e fazendo com que os recursos fluam na forma de conhecimento, conexões e doações para quem está na linha de frente, segurando o impacto mais forte da crise climática: as mulheres, especialmente as de ascendência negra e indígena.
Ativa principalmente no Delta do Parnaíba – o maior delta em mar aberto das Américas – a iniciativa atua diretamente com mulheres líderes de projetos e comunidades, que impactam milhares de famílias que vivem da pesca artesanal, agricultura e extrativismo de baixo impacto.
Essas comunidades enfrentam não só os impactos diretos da crise climática, como a degradação dos manguezais e a perda de fontes de água doce, mas também desafios estruturais impostos pelo turismo predatório e pela urbanização desordenada. Para a Filha do Sol, preservar esses ecossistemas é um compromisso que vai além das fronteiras locais, é uma ação essencial para o equilíbrio climático global. A organização combina sensibilização social, conhecimento técnico e experiência no setor público e privado para construir soluções que sejam sustentáveis, inclusivas e efetivas a longo prazo.
“Viemos morar no litoral há quatro anos. Chegamos aqui durante a pandemia e, ao mesmo tempo em que nos encantamos com a beleza do litoral e a força das comunidades, nos assustamos com o turismo predatório, a urbanização insustentável e a ausência de discussões sobre a crise climática no contexto local.[…]Era como se a mudança do clima acontecesse apenas em outros lugares, e não aqui.[…]Unimos, então, nosso amor pela nossa terra e nosso compromisso com as comunidades. A Filha do Sol nasce a partir desse território, não de um conceito abstrato ou de uma agenda externa de clima, mas da vivência e do desejo de cuidar desse lugar que habitamos todos os dias”, diz Dra Flávia ao nos relatar sobre a relação como o litoral piauiense e as comunidades locais influenciou a concepção da Filha do Sol.
Indo mais a fundo, a valorização do território também foi ponto de partida para o nome da ONG. “O nome da organização começa como uma homenagem ao Piauí e ao seu hino. É um ato político de reconhecer a relação dessa terra com o Sol. O calor é um fator definidor da nossa identidade, tanto que está no nosso hino.[…]Depois tivemos uma conversa com Ailton Krenak, que nos lembrou do simbolismo desse nome. Em guarani, a própria palavra “Guarani” significa “Filhos do Sol””.
Soluções locais para um desafio global
A força colaborativa está no centro da metodologia da Filha do Sol, que se fundamenta na valorização dos saberes locais e na construção coletiva de respostas à crise climática. Esse
trabalho se divide em uma série de programas voltados para a capacitação e empoderamento de mulheres em comunidades costeiras e pequenas ilhas do Piauí e Maranhão.
Atualmente o principal programa da ONG é a Escola Climática Feminina, centrada na educação ambiental, identificando lideranças femininas locais e dando suporte às ações já existentes, trazendo conhecimento, conexões e doações. É um trabalho que parte do fortalecimento dessas mulheres na linha de frente para que possam continuar conduzindo e expandindo seus trabalhos. Através dessa trilha de aprendizado a iniciativa capacitou 30 mulheres do Delta do Parnaíba para desenvolver projetos de restauração ecológica, agrofloresta e gestão de resíduos, promovendo não apenas a preservação dos ecossistemas, mas também autonomia financeira e liderança política.
Em vez de impor soluções externas, a organização investe no fortalecimento das capacidades locais, permitindo que as comunidades protejam seus territórios e desenvolvam economias regenerativas. “Quando desenhamos um projeto com uma comunidade, é essencial que a conversa sobre o clima tenha a cara e a voz dos problemas que essa comunidade já enfrenta. Começamos pelos problemas locais e, só depois, conectamos isso com indicadores de mitigação e adaptação climática. Dessa forma, garantimos que as necessidades da comunidade venham primeiro, e não uma agenda externa ou uma solução importada. Nosso trabalho é garantir que as comunidades tenham soluções verdadeiramente sustentáveis, fortalecendo seus territórios e seu futuro”, reforça Dra Flávia Neves Maia.
Essa abordagem se faz presente na atuação da ONG na Reserva Extrativista do Delta do Parnaíba (RESEX) e na Reserva Extrativista de Cururupu (RESEX Cururupu), territórios ricos em biodiversidade e lares de milhares de famílias que vivem da pesca artesanal e da coleta sustentável de recursos naturais. Outro programa, o Clima e Território, fortalece organizações comunitárias na defesa do território, impulsiona redes de mulheres ativistas e viabiliza projetos de regeneração ambiental, como o replantio e monitoramento dos manguezais, agroflorestas e quintais produtivos. Além disso, a iniciativa fortalece ações de advocacy e capacitação, garantindo que essas populações tenham voz ativa na formulação de políticas públicas e no acesso a recursos para adaptação climática.
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Gênero e clima: uma intersecção fundamental
Em um cenário de extrema desigualdade no acesso a financiamento climático – onde 90% dos recursos vão para organizações lideradas por pessoas brancas, 80% para instituições comandadas por homens e apenas 0,2% chegam a mulheres do Sul Global, segundo pesquisa realizada em 2021 pela Women In Dev –, a Filha do Sol se posiciona como uma força de transformação, garantindo que o conhecimento e a resistência dessas lideranças sejam reconhecidos, fortalecidos e ampliados.
“É muito gratificante ver o impacto do nosso trabalho nas mulheres e nos projetos que elas lideram. Um retorno que a gente recebe constantemente é que essas mulheres já tinham seus projetos, já sabiam o que queriam fazer para expandir, mas faltava o recurso e o conhecimento específico para perceberem que seus projetos não estavam isolados e que, no fim, elas não estavam sozinhas, mas sim fazendo parte de uma rede muito grande de mulheres”, conta Dra Flávia, ao compartilhar as mudanças que percebem na vida das mulheres impactadas pelos projetos da ONG.
O impacto na vida das mulheres locais também é perceptível através do relato de Chayene Rafaela, liderança negra e participante da Escola Climática Feminina: “Ajudar as pessoas, fazer a diferença em nossa comunidade, essas são coisas que eu sempre quis fazer, mas não achava que fosse possível. A Filha do Sol me permite sonhar alto e está me dando ferramentas para planejar melhor meu impacto”. Chayene se tornou influenciadora digital e tem um papel muito forte de incidência política, abordando os problemas da crise climática em Barra Grande e outras comunidades do município de Cajueiro da Praia. Também apontando os papéis dos governos locais, estaduais e nacionais nessa pauta.
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Pensar futuros a partir do território
Já são mais de 10 comunidades diretamente beneficiadas, mais de 100 mulheres mobilizadas, 30 mulheres capacitadas e 300 mil hectares de ecossistemas protegidos. Mas, muito além dos números, o impacto provocado por esse movimento é perceptível na sensibilização e fortalecimento de redes que garantem a autonomia das comunidades para proteger seus territórios, regenerar ecossistemas e construir futuros mais justos e inclusivos.
Ao unir conhecimento técnico, ancestralidade e uma forte mobilização comunitária, a Filha do Sol reforça que a justiça climática precisa ser construída com um olhar sensível às experiências e vivências das populações mais impactadas pela crise climática, sempre com a perspectiva de gênero e raça. Ao refletir sobre os próximos passos, Dra Flávia conta que desejam “seguir conectando as agendas locais com debates globais e mostrar que somos todos Filhas e Filhos do Sol, responsáveis por solucionar a crise climática. E que não existe uma solução única para esse problema, e a Filha do Sol quer continuar destacando essas nuances, trazendo as mulheres para o centro das decisões e soluções nesse tema.”
Se esse movimento por transformação, impulsionado pela Filha do Sol, inspirou você, saiba que ainda há muito a ser feito e você pode ser parte dessa transformação. Clique aqui para conhecer mais sobre o projeto e descobrir como contribuir.
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Hidelgann Araújo é um estrategista de comunicação e mobilizador do terceiro setor, premiado pelo Anthem Awards e com o selo de Direitos Humanos da Prefeitura de São Paulo. Sua paixão pela criatividade e articulação de comunidades e histórias se traduz em uma trajetória que reflete a comunicação como uma ferramenta para gerar impacto social. Já colaborou com Canal Futura, Co.liga, Greenpeace, Politize!, SOMA+ e UNICEF, fortalecendo a sinergia do coletivo e valorizando a pluralidade como base para a inovação.
Hidelgann faz parte da Rede Impacta Nordeste.