Estamos cada dia mais envolvidos em um mundo pluralista, interconectado, ambíguo e onde tudo se move inexoravelmente. Parece que, para sobreviver às pressões do século 21, vamos ter de cantarolar a música de Beto Guedes, quando ele diz:
“Vamos precisar de todo mundo, um mais um é sempre mais que dois
Pra melhor juntar as nossas forças é só repartir melhor o pão
Recriar o paraíso agora para merecer quem vem depois”
Ou vamos repensar a lógica a partir do pensamento de Lupasco, Nishida e Matte Blanco (2001) quando escreveram: “Devemos fazer um esforço consciente para viver a contradição e a incerteza se quisermos sobreviver em um mundo que se tornou excessivamente complexo”.
Extremismo
Sempre que reflito sobre este mundo contemporâneo, vejo que se estabeleceu uma relação de extremos. Extremos de tudo, até de extremismos. Tudo é muito intenso correndo como um trem desgovernado rumo a um futuro, mas preso num pensamento binário.
Estamos consumindo mais do que a terra pode engravidar!
A humanidade prosperou em muitas questões, mas esse “progresso” não tem sido suficiente para fazer parar essa insanidade. A transposição de muitos obstáculos é impedida pela imensa ignorância coletiva sobre os macroproblemas que nos afligem.
O que está faltando para a humanidade perceber que algo de profundamente equivocado está acontecendo no mundo?
Caminho do propósito
Estudando os conceitos do Capitalismo Consciente, creio que falta um dos principais pilares desse movimento: Propósito Maior.
A palavra propósito, na sua raiz etimológica, vem do Latim proponere, que significa “colocar à frente”. E “colocar à frente”, é pôr em algum lugar, é “expor à vista”. Nesse contexto, o que precisa ser “exposto à vista”?
Colocar à frente será nos expor ao diálogo como um instrumento de entendimento universal para construir futuros possíveis?
Expor à vista será ouvir mais pontos de vistas diversos para estabelecer perspectivas plurais?
Um novo mundo surgirá quando as pessoas colocarem à frente de seus interesses individuais, propósitos universais. Quando isso acontecer, o universo irá conspirar a nosso favor nos colocando novamente em estado de fluxo com a vida.
Ter um Propósito Maior
Para ilustrar melhor o que seria um Propósito Maior, trago um exemplo que pode nos inspirar a criar novas narrativas para o momento em que estamos vivendo. Paul Polman, que foi CEO da Unilever, um executivo que construiu um império e levou a sua empresa a ser considerada uma “empresa que cura”, declarou o seu propósito de forma muito assertiva: “tornar a vida sustentável, uma rotina”.
Neste sentido, ele colocou a sua responsabilidade à frente dos próprios interesses empresariais e expôs à vista uma aspiração de cura a partir de uma forma nova de fazer negócios. Uma de suas declarações mais marcantes foi:
“Precisamos devolver a sanidade a este mundo e colocar o bem maior antes do interesse próprio. Precisamos lutar bravamente para criar um ambiente com foco de longo prazo e nos afastar do imediatismo.”
Ao contrário de empresas que colocaram como seu Propósito Maior a excelência segundo a métrica do desempenho financeiro. Todas às vezes que esse propósito é declarado, a humanidade se fragiliza.
Muhammad Yunus, que ganhou o Prêmio Nobel, fez uma poderosa reflexão quando disse:
“Não é porque pessoas ruins estão dirigindo a máquina: é basicamente porque a máquina é considerada dessa forma. O sistema não é elaborado para ter qualquer responsabilidade moral. Essa máquina transforma as pessoas em robôs focados em dinheiro. As escolas de administração competem para produzir guerreiros para o mercado.”
Neste artigo, Propósito Maior significa, para mim, que “se o mundo todo tem de pensar fora da caixa, talvez seja a caixa que precisa de conserto” (Malcoln Gladwel). Este conserto, a meu ver, deveria começar ao som de um propósito maior.
Telma Delmondes é Conselheira na Filial Regional do Capitalismo Consciente no Nordeste, Diretora-executiva da Gesthum-Gestão para uma Cultura Humanizada, Mentora de Desenvolvimento de Lideranças e Humanização de Organizações.