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Cultura, Clima e Juventudes: Encontro nacional reúne lideranças periféricas no Maranhão rumo à COP30

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Enquanto os holofotes do palco climático se voltam ao debate internacional sobre a Amazônia, no Maranhão, vozes jovens se reuniram para lembrar ao país que justiça climática também se constrói a partir das margens durante o Encontro Norte-Nordeste da Rede de Confluência Periférica, promovido pelo PerifaConnection. Como membro da coalizão a partir da iniciativa Ruma, trago a visão sobre o entrelace de cultura, gênero, raça e território.

O PerifaConnection é uma plataforma nacional que conecta jovens lideranças das periferias brasileiras para disputar narrativas, ocupar espaços políticos e fortalecer agendas coletivas.

Nossa jornada pela Ilha do Amor percorreu territórios que fortaleceram nossas trocas, demonstrando a cultura como ponte entre nossos saberes e abrindo caminhos para o enfrentamento ao racismo rumo à 30º Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, a COP30.

Cultura e economia criativa como motor de mudança social

O cruzamento entre a cultura e a participação cidadã cria um solo fértil para que as raízes da nossa comunidade sejam fortalecidas. Desse modo, é possível vislumbrar estratégias e soluções para as dores comuns, sem deixar de lado particularidades de cada território.

Chegada ao Quilombo Liberdade. (Créditos: @victordsgni @malheriosfilme @pedrooncreative)

Essa jornada começou no Quilombo Liberdade, parte de um complexo de cinco bairros reconhecido pela Fundação Cultural Palmares (Governo Federal) como primeiro quilombo urbano do país, também considerado o maior da América Latina. Nesse processo, percorremos alguns de seus diversos pontos de cultura.

Nossa visita passou por espaços como o Boi de Leonardo, o Terreiro Ilê Ashé Ogum Sogbô, a Produtora Novo Quilombo e o Grêmio Libertos da Noite. (Foto: arquivo pessoal)

É importante destacar que a cultura não apenas o povo, mas também estruturou a luta por políticas públicas, garantindo um centro que repassa práticas de economia criativa, liderança e educação. Apesar disso, é preciso questionar o papel das mulheres neste processo e a necessidade de reconhecimento de suas trajetórias.

Gênero, raça e juventudes no centro do debate

Ao caminhar pelos corredores do Convento das Mercês, no centro histórico da cidade, me deparei com a exposição “Mestre Cantadores: Vozes Ancestrais” que homenageia aqueles que entoam versos e conduzem a cartografia social do território. Mas o que me chamou a atenção foi a presença maioritariamente de homens, algo que, na verdade, é histórico devido às raízes do Bumba meu Boi.

Então, se a cultura e gênero são centrais no impacto social, por que essa combinação não é vista em espaço de reconhecimento institucionais como a academia e o setor público? O PerifaConnection é dirigido em maioria por mulheres jovens e negras. Nas organizações presentes no encontro o padrão se repete, somando a participação de mulheres, parte de povos originários e tradicionais.

O Encontro ocorreu entre os dias 29 a 31 de agosto, passando por espaços históricos de São Luís. (Foto: arquivo pessoal)

Esse cenário só reforça a urgência de considerar as intersecções entre impacto social, gênero e raça na construção de políticas feitas pelo estado e de processos de descentralização de fundos de organizações filantrópicas.

Trago esses dois pontos, pois mulheres não-brancas ainda não têm sua relevância reconhecida no mercado tradicional, onde as coisas avançam mais rápido com ritmo acelerado no trânsito de informações, imagine no terceiro setor, ainda em consolidação e disputa. Por isso, o fortalecimento da voz de mulheres a partir de expressões culturais já lideradas por elas é um caminho para virar esse jogo para a nova geração.

Trocas geracionais e celebração das juventudes

Aprender com os mais velhos é sempre revigorante, mas também é necessário ser visto como um movimento estratégico para nós juventudes ativistas. É nesse diálogo onde podemos aprender com erros e acertos do que vieram antes de nós. Durante o segundo dia de encontro, visitamos o Coroadinho, uma das maiores favelas do Brasil, repousando na Casa das Pretas, espaço criado pelo Coletivo Mulheres Negras da Periferia e uma referência de cultura popular e resistência.

Ju Coroadinho, fundadora do Coletivo e também uma das diretoras do PerifaConnection  trouxe sua experiência que entrelaça trocas geracionais, cultura e ancestralidade. A entrada da Casa traz um mural de Ju com a sua avó, que apoiou e inspirou a sua iniciativa. (Foto: arquivo pessoal)

Seguindo com as discussões dos painéis do evento, o diálogo geracional foi liderado por grandes nomes do ativismo nortista e nordestino, mulheres (mais uma vez presentes) que reforçaram o Norte-Nordeste como berço de grandes mobilizações, ainda que a narrativa centro-sul se estabeleça como origem dessas lutas. Na verdade, os nossos territórios são verdadeiros laboratórios de soluções para justiça social e climática.

Na mesa “Norte e Nordeste tudo pra mim: confluências e resistências ao apagamento das regiões mais periféricas do país” estiveram presentes Karina Penha, Severiá Maria Idioriê, Joana Maria, Neucirene Almeida e Josanira da Luz. (Foto: arquivo pessoal)

Seguido de um painel de jovens agentes de cultura, mais uma vez a coalizão reforçou a sua narrativa e comprometimento de fortalecimento de elos entre os territórios periféricos a partir da cultura para além do cerne da palavra, agregando aldeias, florestas, terreiros e rios.

Em clima de periferia rumo à COP30

O encontro também foi espaço para a Pré-COP das Periferias, onde vivenciamos trocas entre territórios periféricos, trazendo os aprendizados e vivências dos últimos dias. Dentre as contribuições, a do participante Henrique Kumaruara do Coletivo Jovem Tapajônico de Santarém (PA) deu ênfase à visão sobre a relação entre cultura e clima.

“No debate de sobre clima e cultura a gente sempre vê cultura como entretenimento para a pauta climática e não como instrumento decisório e de tomada de decisões nos espaços”, destacou Henrique. (Foto: arquivo pessoal)

A programação costurou atividades artísticas de coletivos do estado e debates sobre racismo estrutural que resultarão na segunda edição da Agenda Política de Periferias no Combate ao Racismo Ambiental, documento que conecta juventudes periféricas aos debates sobre clima, meio ambiente e justiça climática, em diálogo com a COP30.

Com homenagem à Nêgo Bispo o evento se encerra. Celebramos o pensador quilombola que se consolidou como referência do debate de raça e território, afirmamos nosso compromisso de ampliar esta confluência. Nós seguimos, com novas articulações que nascem em São Luís e nos guiam para a luta contra o racismo ambiental e pela justiça pelo Norte e Nordeste.

Oficina de cacuriá com o grupo Balaio de Rosas (Foto: arquivo pessoal)

Para mim, foi um presente estar em coletivo e saber que não ando só e que nossa luta ecoará para além dos pavilhões da COP.

Sabrina Cabral, é ativista e criadora do blog @sanydapeste, onde aborda temas como meio ambiente, direitos humanos e educação para a juventude periférica do Nordeste. Graduanda em Engenharia Civil na UFC e bolsista do programa Bolsa Jovem da Prefeitura de Fortaleza e BID, é engajada em temas como sustentabilidade, economia criativa e design. É fundadora da iniciativa Ruma, com o objetivo de apoiar o desenvolvimento sustentável a partir das juventudes do Nordeste, conquistando bolsas de desenvolvimento de projetos no MIT e se tornado Representante Juvenil em iniciativas da ONU na América Latina e Caribe, como o acampamento Juventudes Ya! do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA).

Sabrina faz parte da Rede Impacta Nordeste de Jovens Lideranças.