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Dados, justiça e futuro: Triplo Fórum faz do Ceará palco de novas narrativas do Sul Global

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Enquanto o Norte dita regras e rotula países como “em desenvolvimento”, o Sul Global já movimenta dois terços do PIB mundial. Essa mudança de perspectiva foi o tom de abertura do Triplo Fórum Internacional da Governança do Sul Global em Fortaleza (CE), um espaço de diálogo e construção de soluções entre os povos mais impactos injustiça climática e social. Sabrina Cabral, membro da Rede Impacta Nordeste, teve a oportunidade de contribuir com o evento e traz as experiências e aprendizados neste artigo.

Organizado pelo IBGE, em parceria do Governo do Estado do Ceará, o Triplo Fórum Internacional ocorreu entre os dias 11 e 13 de junho, em Fortaleza (CE), contando com a participação de representantes de governos, universidades, organizações multilaterais e centros de pesquisa.

Com apoio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e demais parceiros, o Fórum reuniu os países do BRICS, do Mercosul e da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).

O Fórum contou com a participação presencial de mais de 2 mil pessoas, vindas de 30 países, no Centro de Eventos do Ceará.

Com uma programação composta por plenárias, oficinas e sessões de negociação, o evento abordou temas como igualdade de gênero, soberania, desenvolvimento urbano, deficiências e juventudes foram debatidos dentro e fora das sessões de negociação. Continue lendo para saber o que aconteceu por lá.

O dado é nosso: como os números moldam (ou apagam) a nossa história

Você já parou para pensar que, se os dados são mal coletados, a política pública pode não chegar até você?

Essa reflexão me atravessou de diversas maneiras ao longo do Fórum, com destaque para a mesa de multilateralismo compartilhada entre o IBGE e a Universidade Estadual do Ceará, que trouxe importância da cooperação entre os países dos três blocos presentes no evento para a reivindicação de agendas comuns para o desenvolvimento.

Erros e incoerências nos censos afetam principalmente municípios menores, que acabam sendo invisibilizados na distribuição de recursos. Essa situação não é muito diferente do que ocorre com os países do Sul nos espaços de poder internacionais. Por isso, a luta por soberania de dados também é uma luta por justiça.

Um exemplo prático disso é o programa “Ceará Sem Fome”, que recebeu destaque durante a fala do governador Elmano de Freitas na abertura do evento. A política pública permanente criada com objetivo de alimentar a população carente do estado já impactou 624 mil pessoas a partir de um diagnóstico baseado em dados para uma ação multissetorial.

O que nos leva a mais um debate levantando durante o evento: Como reter os talentos do Sul para que políticas como estas sejam, cada vez mais, realidade?

Oficina do IBGE: os dados na prática (e na sala de aula)

O IBGE abordou temas como uso de dados na pesquisa científica e uso de inteligência artificial em suas oficinas.

Um programa como o ‘Ceará Sem Fome’, que conta com a ação de cearenses dos três setores trabalhando em sinergia, precisa de mentes competentes para guiá-lo. Porém, nos últimos anos o Brasil tem sofrido com a “fuga de cérebros” para o exterior, especialmente para países como Estados Unidos, Canadá e Inglaterra.

De forma quase que permanente, nossos talentos são guiados pela alegoria de que ingressar em universidades do Norte é o auge acadêmico. Mas quais benefícios trazem pesquisas que não podem melhorar a sua realidade?

Além das mesas, participei da oficina de dados do IBGE, um dos momentos mais valiosos do fórum, pois mostrou que o sul também é uma potência na produção de dados. Durante o momento, especialistas do órgão mostraram as várias plataformas do Instituto e como é possível integrar dados de outros setores (como saúde, transporte e habitação) às pesquisas populacionais.

Mas o ponto alto foi conhecer a plataforma educativa IBGE Educa, que apresenta os dados de forma lúdica e acessível para diferentes faixas etárias: de jogos infantis a ferramentas para o Enem e para educadores em sala de aula. 

A educação é o primeiro passo para estimular as novas gerações a proporem mudanças positivas e, na mesa de juventudes, o seu papel foi destacado de maneira unânime.

Juventudes que movem o Sul

Em seu discurso, Shumete Gisaw, da delegação da Etiópia, citou Paulo Freire para reforçar a necessidade de uma nova narrativa do Sul Global sob a perspectiva jovem. A mesa foi um espaço para diálogo sobre os diversos “suls” e os impactos da era digital sobre diferentes desafios e potências.

A fala de Artemisa Candé, da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), trouxe a discussão do impacto do acesso digital sobre o acesso a conhecimentos e recursos, a partir das dificuldades vivenciadas nos países atendidos pela universidade. Em complemento, a delegada chinesa Jing Jiayi propôs um acesso digital aliado a uma educação crítica como forma de combater a desinformação.

Ronald Sorriso, da Secretaria Nacional de Juventude, destacou a importância de políticas para estudo desses contextos para superação dessas barreiras, como o Observatório Nacional das Juventudes.

A presença de jovens foi destaque durante a mesa de juventudes.

Na ocasião, também houve o anúncio do Fórum de Jovens Pesquisadores do Sul Global, destacado pela estudante universitária Katley Ellen como um passo para a produção de conhecimento que seja um retrato das nossas diferentes realidades, culturas e para descolonizar a ciência, indicadores e políticas públicas.

“Receber um evento desse porte mostra que o Ceará está cada vez mais se posicionando como um estado propositivo e de destaque no nordeste. É essencial não só incluir a juventude nesses espaços, mas proporcionar que façamos parte integral desses esforços.” – Katley Ellen, graduanda em Gestão de Políticas Públicas pela UFC.

E agora?

O Triplo Fórum não foi só um espaço de fala. Foi um espaço de escuta, articulação e, principalmente, de resultados concretos.

No último dia de evento, foi apresentada a Carta IBGE Ceará Brasil Sul Global, com os principais encaminhamentos dos três dias de programação. Além disso, dois acordos foram celebrados com o IBGE: o primeiro, com o Instituto Indonésio de Estatística, visa fortalecer as ações dos dois institutos na formação de profissionais especializados em estatística; o segundo, com o Governo do Estado do Ceará, formaliza a atuação do programa Ceará Sem Fome a partir dos dados do IBGE.

Foto final da mesa de juventudes.

A mensagem do Fórum foi certa: o Sul Global já está construindo soluções em rede, com dados, ancestralidade e criatividade.

Sabrina Cabral, é ativista e criadora do blog @sanydapeste, onde aborda temas como meio ambiente, direitos humanos e educação para a juventude periférica do Nordeste. Graduanda em Engenharia Civil na UFC e bolsista do programa Bolsa Jovem da Prefeitura de Fortaleza e BID, é engajada em temas como sustentabilidade, economia criativa e design. É fundadora da iniciativa Ruma, com o objetivo de apoiar o desenvolvimento sustentável a partir das juventudes do Nordeste, conquistando bolsas de desenvolvimento de projetos no MIT e se tornado Representante Juvenil em iniciativas da ONU na América Latina e Caribe, como o acampamento Juventudes Ya! do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA).

Sabrina faz parte da Rede Impacta Nordeste de Jovens Lideranças.