Impacta Nordeste

Diversidade e inclusão: diferencial competitivo e geração de valor compartilhado nas organizações

Portrait of handicapped business executive using digital tablet in office

A diversidade é o reflexo da vida ordinária (como ela é, como ocorre e transcorre!), múltipla e plural nas mais distintas dimensões: demográfica (pessoas, territórios, idade e gênero), organizacional (ocupação, tempo no trabalho/emprego, hierarquia), sociocultural (étnica, religiosa, cultural, política) e psicológica (valores, crenças, conhecimentos) e por esse motivo não pode ser ignorada no mundo do trabalho contemporâneo. 

Em virtude de distorções que influenciam nas percepções sobre a diversidade, tornou-se recorrente nos últimos anos ouvirmos, lermos e/ou até mesmo presenciarmos episódios de racismo, xenofobia, misoginia, LGBTQIfobia, bem como manifestações de preconceitos em diversos campos (gênero, etário, linguístico, religioso, intergeracional), além das barreiras de inserção de pessoas com deficiências (físicas ou intelectuais) em diferentes espaços, sobretudo, no mercado de trabalho. Por isso, mediante os avanços das discussões e da formulação de agendas, convenções e leis, das quais grandes empresas/organizações são signatárias, voluntária ou compulsoriamente, hoje se reconhece o quão inadmissível é tratar as maiorias de forma “menorizada”, como sistematicamente ocorreu ao longo da história (invisibilizando-as e/ou silenciando-as), assim como tratar questões de relevância pública como se fossem casos isolados. 

Nesse contexto cabe ressaltar que a miscigenação como traço positivo da nação, a ideia de democracia racial  e a construção da noção do brasileiro como um homem cordial  foram mitos amplamente difundidos que, por muito tempo, camuflaram tensões latentes na nossa sociedade, e, na ausência de abordagens qualificadas, se naturalizaram, se sofisticaram, reforçaram privilégios, fabricaram estereótipos, se perpetuaram, passando a permear e afetar as relações socioeconômicas, políticas e culturais em diferentes instituições:  família, grupos sociais e todas organizações relacionadas ao mundo do trabalho. 

Pode parecer exagerado o tom das palavras acima, mas não é! Isso porque tem-se como indicador da vigência das situações referidas, inúmeras leis sancionadas visando a reparação ou a mitigação das problemáticas citadas, assim como, a emergência de políticas e programas corporativos estruturados com tal finalidade. 

Variadas situações de desigualdades presentes no mundo trabalho refletem a inabilidade de muitas pessoas e organizações em lidar com questões profundas acerca da identidade e da diferença, e por consequência, da empatia, da representatividade. Ademais, demonstram as incompreensões sobre a importância da proporcionalidade (embora seja elementar garantir inicialmente a representatividade!); e em alguns casos de admitir o desconhecimento sobre as interseccionalidades inerentes à todas estas questões que em suma são extremamente complexas.

Identidade e diferença: fundamentos para compreensão da diversidade

A diferença traduz-se como uma das faces da diversidade, e a identidade como o reconhecimento das peculiaridades e da singularidade inerentes àquele que é reconhecido como diferente! Para Silva (2008), a diferenciação é o processo central pelo qual a identidade e a diferença são produzidas socialmente, simbólica e discursivamente, no âmbito das relações de poder, onde a afirmação da identidade e a demarcação das diferenças implicam em processos de inclusão, exclusão, classificação e hierarquização. 

Em termos mais amplos essas categorias devem ser integradas, e, sobretudo, vivenciadas com intensidade nas organizações, assim como são percebidas, ou experienciadas, em larga escala cotidianamente. Tratá-las de maneira superficial ou ignorá-las nos processos de gestão, é um desserviço, uma vez que reforça os mecanismos de reprodução de modelos negociais que não mais se sustentam num mundo cada vez mais conectado e que tenta se reinventar a partir da definição, busca e compartilhamento de propósitos nobres, superiores e comuns.

Sobre a diversidade no mundo corporativo, nos diz a AMCHAM BRASIL (2016, p.2): 

“A diversidade é uma riqueza que deve ser valorizada e promovida. Valorizar é considerar a diversidade na tomada de decisões, no momento de realizar escolhas, para que ela esteja presente e possa se expressar. Promover a diversidade é encontrar oportunidades para que ela se faça presente porque é uma riqueza e, por meio da gestão, deve adicionar valor a todos e todas.”

AMCHAM BRASIL. Diversidade: O que é e o que ela pode fazer pelos seus negócios? São Paulo, 2016. 

Os conceitos de empatia e representatividade geralmente evocados para compreender as necessidades dos clientes e acionistas visando melhorar suas experiências  com os produtos/serviços, e para abertura de novos mercados, precisam ser redimensionados para o público interno das organizações a fim de reduzir assimetrias, tornar positivo o clima organizacional, ampliar o índice de retenção dos talentos, oferecendo condições de mobilidade a outros patamares nas organizações onde estão inseridos, e lhes permitam prospectar uma carreira em seus contextos de atuação a partir do exercício de funções e responsabilidades cada vez mais desafiadoras.

Caminhos para a gestão da diversidade nas organizações

Face ao exposto na seção anterior cabe pontuar que a adoção de estratégias organizacionais que reconheçam e legitimem a diversidade, deve necessariamente prever a condução de ações com enfoque em inclusão, que não se limitem, porém, em ampliar a competitividade no mercado, mas que sejam reflexo de uma atitude responsável e coerente da organização diante do mundo. A área de Recursos Humanos tem um papel fundamental nesse processo, contudo, o compromisso com a superação deste desafio deve ser assumido por todos, independentemente dos níveis hierárquicos onde estejam alocados, e dos cargos e funções que ocupem.

A atual conjuntura enseja a ressignificação das relações intra, interpessoais e de mercado, e adicionalmente a construção de posicionamentos assertivos das pessoas e das organizações, uma vez que omissões podem repercutir em baixa aderência do público consumidor cada vez mais consciente e exigente de posturas coerentes pelas empresas, além das pressões dos investidores para que adotem práticas de governança articuladas a agendas e pactos globais.

Assumir um posicionamento autêntico, coerente, que seja um reflexo do alinhamento entre discurso e prática, assim como do direcionamento estratégico do negócio com as reais demandas da sociedade, torna-se necessário e urgente para as organizações, já que estes são requisitos criteriosamente observados pelos stakeholders. 

As organizações interessadas em avançar na implementação de ações com foco em inclusão e diversidade precisam compreender o quão importante são as pessoas, suas trajetórias, seus lugares de fala e as suas aspirações para o futuro (incluindo sua presença no local onde trabalha!). Para além de um conceito, ou um instrumento gerencial, a empatia deve ser um princípio filosófico vivenciado nos relacionamentos com acionistas, clientes e integrantes das organizações. O reconhecimento das diferenças, bem como o engajamento e a formação contínua das lideranças e das suas equipes são basicamente os primeiros desafios a serem superados.

Na sequência é preciso pesquisar boas práticas, formular e institucionalizar os instrumentos de gestão (políticas, programas e estratégias empresariais) e de avaliação, baseados em critérios explícitos e justos, focados em diversidade e inclusão (contemplando o momento do recrutamento, acolhimento, integração e acompanhamento do desempenho!), para que não sejam tratadas de maneira episódica.

Mais do que nunca, as intervenções, projetos e programas eventualmente conduzidos por organizações sensibilizadas com a causa, da Diversidade e da Inclusão, devem assumir um caráter integrador e os temas correlatos devem ser debatidos em profundidade, neste caso, no âmbito da Gestão da Diversidade, compreendida por Martinez (2013) como: 

[…] processos e estratégias que fazem diferença entre as pessoas um ativo valioso, mais que um ônus para as organizações. Para isso, envolve programas sistematizados e planejados ou procedimentos que são desenhados para aumentar a interação entre essas pessoas, para fazer dessa diversidade um recurso de criatividade, complementaridade e aumento da efetividade organizacional, progresso e satisfação dos colaboradores, mais que uma força de tensão, conflito, desentendimentos ou restrição de eficácia. (p.52)

[…] a criação de um espaço organizacional inclusivo às diferenças dos trabalhadores, orientado por políticas ancoradas ao respeito às idiossincrasias e identidades humanas, suportada por um sistema de voz e de escuta na organização como um campo de diálogo a todas as pessoas da empresa (p.208)

Os resultados, efeitos e impactos decorrentes da Gestão da Diversidade devem ser comunicados de maneira qualificada e cautelosa, ou seja, uma comunicação engajada e com causa, que evite vieses meramente informativo e panfletário, e que se firme como um importante ativo para a qualificação dos atores envolvidos nas cadeias de valor nas quais as organizações se inserem, gerando conteúdos consistentes, atrativos, úteis e relevantes para geração de mudanças positivas nos padrões de relacionamento.

Com diversidade e inclusão todos ganham! 

A Gestão da Diversidade, conduzida de forma estruturada e responsável, provoca oportunos momentos de reeducação das relações interpessoais e interorganizacionais (enfatizando os potenciais inerentes a cada profissional, independentemente da cor da pele, dos grupos étnicos a que pertença, da orientação política, sexual e religiosa, bem como do seu território de origem), comprometidas com a geração de valor compartilhado e benefícios para a sociedade. 

Para Barin, Sampaio e Fieno (2015) a diversidade é uma forte alavanca para fomentar a inovação, elemento central da estratégia das organizações. Essa foi uma das conclusões dos autores a partir do de um estudo, realizado à época pela Hay Group no Brasil, que envolveu 170 empresas e revelou que nos ambientes corporativos onde a diversidade é reconhecida, os funcionários estão 17% mais engajados e dispostos a ir além de suas responsabilidades formais do que nas empresas em que essa ambiência nãoé instalada. 

Hunt e Yee (2018) apresentam resultados do estudo Delivering through Diversity, coordenada pela McKinsey & Company, abordando a correlação entre diversidade e performance financeira nas organizações. Após examinar a diversidade em diferentes níveis hierárquicos, na significativa amostra composta por 1.000 empresas, de 12 países, o estudo concluiu que o impacto do trabalho com diversidade e inclusão não se materializa apenas na lucratividade, mas também na criação de valor de longo prazo. 

O estudo apontou ainda que empresas onde a diversidade é reconhecida e praticada, registram uma redução de conflitos em até 50%; àquelas onde as equipes executivas têm maior diversidade étnica tem 33% maior probabilidade de superar seus pares em termos de lucratividade; e as que admitem a diversidade de gênero nas equipes tem maior probabilidade de criação de valor que seus pares, atingindo a marca de 27%. 

Independentemente dos dados supracitados, convém reforçar as palavras de Piza (2016) ao alertar que “os novos tempos demandam por adaptações, que incluem a reavaliação de posturas e crenças, o respeito a si e aos outros”, demonstrando a real necessidade de aprimorar o hábito de construir relacionamentos genuínos dentro do ambiente de trabalho, fazer conexões que possam somar e multiplicar, agregar valores éticos e emocionais. 

Com efeito, um trabalho bem estruturado em Gestão da Diversidade, para além de construir e/ou manter uma positiva imagem e reputação de pessoas, organizações, e respectivamente seus produtos e serviços perante a sociedade, carrega um grande potencial para instauração de ambientes restauradores, humanizados, cocriativos, multidisciplinares e plurais, assim como é a vida.

*Artigo representa a contribuição do autor para a publicação Diversidade e Inclusão no Mundo do Trabalho/ABRH-BA. O conteúdo está disponível para download gratuito (CLIQUE AQUI). 

Para saber mais

AMCHAM BRASIL. Diversidade: O que é e o que ela pode fazer pelos seus negócios? São Paulo, 2016. 

BARIN, F.  FIENO, P. SAMPAIO, B. Diversidade: inclusão ou estratégia? Gestão Geral. Harvard Business Review, 2015. 

HUNT, V. YEE, L. A diversidade como alavanca de performance (Relatório 2018). Disponível em: https://www.mckinsey.com/business-functions/organization/our-insights/delivering-through-diversity/pt-br . Acesso em: 2018-09-05.

MARTINEZ, V. P. R. Diversidade, voz e escuta nas organizações: estudos de casos em empresas brasileiras e espanholas. 2013. Tese (Doutorado em Administração) – Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013. 

PIZA, S. Diversidade, Inclusão e Convívio. Gestão de Pessoas. Harvard Business Review, 2016.  

PORTER, M. E., KRAMER, M.R. Criação de valor compartilhado. Cultura organizacional. Harvard Business Review Brasil. 2011. 

SILVA, T.T. A produção social da identidade e da diferença. SILVA, T.T (Org). Identidade e diferença: a perspectiva dos Estudos Culturais. 8ªEd. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008. 

Fabrício Cruz é baiano com muito orgulho! Profissional do Desenvolvimento. CEO da Atairu – Gestão e Inovação Social. Mestre em Desenvolvimento e Gestão Social (EAUFBA/PDGS). Especialista em Gestão de Projetos (ESALQ/USP e Project DPro), e em Inovação, Sustentabilidade e Gestão de Organizações da Sociedade Civil e do Terceiro Setor (UNIJORGE). Gestor do Conhecimento (SBGC). Autor do livro “O futuro chegou! E agora? Avaliação participativa conectando percepções do impacto das tecnologias nas políticas públicas educacionais”.

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