Feira de negócios realçou aspectos da cultura maranhense e promoveu conscientização sobre prevenção do meio ambiente
Empreendedores e Startups das favelas de São Luís, Paço do Lumiar, São José de Ribamar e outras cidades do Maranhão tiveram suas ideias e projetos selecionados para a nona etapa regional da Expo Favela Innovation, sediada no prédio do Centro de Convenções Multicenter Sebrae, na capital do estado.
Ao todo, foram designados noventa expositores, avaliados por uma curadoria nacional que identificou as melhores ideias para a regional em São Luís. Segundo o presidente da Central Única das Favelas do Maranhão (CUFA-MA), Charles Adaga, os expositores terão seus negócios avaliados durante o evento por uma banca de jurados, empresários com experiência em negócios sociais, que irá eleger as dez melhores iniciativas para a grande final, que deve ocorrer nos dias 01, 02 e 03 de dezembro em São Paulo.
“O objetivo central da maior feira de empreendedorismo que conecta a favela e o asfalto é dar visibilidade as iniciativas selecionadas e promover encontros com investidores que possam acelerar esses empreendimentos e gerar negócios a partir das oportunidades que nascerão dentro do evento. Falando a nível local, é conectar o potencial empreendedor da favela maranhense com grandes investidores”, disse Charles.
Favela é Potência
De acordo com o Data Favela, mais de 17,7 milhões de pessoas vivem nas favelas brasileiras. A favela movimenta mais de R$ 120 bilhões por ano e parte dessa renda vem do empreendedorismo. Estes números apontam um grande potencial de riqueza, e uma fração da população maranhense vem se descobrindo protagonista desta construção, com ideias de negócios inovadoras e voltadas a preservação do meio ambiente, como mostra o fluxo de expositores escalados para a Expo Favela Maranhão 2023.
O Renato Cardoso, de 50 anos, fundou em 2020 a startup Reciclar Club: amigos do meio ambiente. Uma organização socioambiental que pratica a coleta seletiva de resíduos orgânicos e sólidos com a destinação do lixo com responsabilidade ambiental, gerando impacto ao planeta, e que tem como objetivo engajar pessoas, famílias e empresas a práticas eficazes de responsabilidade socioambiental.
“Ao fazer parte do club, a pessoa recebe um baldinho de 18 litros forrado com um saco de 30 litros biodegradável, onde ela e a família deverá colocar os resíduos orgânicos: sobra de alimentos, casca de frutas e legumes, e outros. Uma vez por semana o nosso colaborador buscará o baldinho cheio e deixará um baldinho limpo e esterilizado em seu lar. Esses resíduos serão levados para nossas composteiras onde será transformado em adubo de alta qualidade. No final de cada mês, fechamos o siclo entregando como recompensa para cada assinante um saco de 1kg de adubo ou uma plantinha variada”, explica Renato.
Outra ideia para lá de criativa é a Arte em pneu, do Fábio Morais, de 51 anos, morador do bairro Paranã, município Paço do Lumiar. Fábio era pedreiro, mas após um acidente doméstico em 2016, ficou impossibilitado de continuar exercendo a profissão e precisou buscar outros meios de conquistar sua estabilidade financeira. De pequenos acessórios como bolsas e brincos a artefatos decorativos e móveis de casa, ele descobriu o ofício de transformar pneus descartados em objetos utilizáveis.
“Eu já tinha trabalhado com várias coisas, quando eu encontrei com o pneu eu disse: “é esse aqui!”, e ele me abraçou. Comecei fazendo algumas peças em casa, o meu primeiro trabalho foi o puff, depois as pessoas foram solicitando outras coisas e eu me coloquei para aprender. Minha profissão hoje é essa, eu vivo disso. Esse trabalho que eu faço é importante para mim e para os outros. E quem agradece? O nosso planeta. Porque a quantidade de pneus que eu já tirei das ruas nem eu sei. Quanto menos ir para o lixo, melhor”, revela Fábio.
O empreendedorismo feminino também tem destaque entre os participantes da feira de negócios, revelando aspectos da cultura e da culinária que rege o povo maranhense e fortalece sua identidade.
Um desses projetos é o Artesanato em Cerâmica da Associação de Mulheres de Itamatatiua, comunidade quilombola de Alcântara, que vai além de uma tradição, e é uma das bases principais de subsistência das famílias locais. De acordo com uma das representantes do projeto, a Denise de Jesus Araújo, de 37 anos, não se sabe ao certo quando se deu início ou quem iniciou, mas a arte de modelar o barro, que é resgatado nos quintais das casas na comunidade, existe há mais de 500 anos e tem conquistado moradores de diversos países.
Outra protagonista desse ramo de vozes femininas nos negócios da favela é a Rachel Bonfim, de 48 anos, idealizadora do Sabores e Arte, um projeto ainda embrionário em busca de apoiadores e patrocinadores, que tem como objetivo ensinar gastronomia e artesanato para pessoas sem renda financeira do bairro da Liberdade e demais logradouros de São Luís. Para Rachel, é importante que as pessoas saibam que a favela, o quilombo e a periferia também sabem pesquisar, inovar e fomentar a economia local, com geração de renda e oportunidades de emprego.
“Essa ideia já existe há muito tempo no meu coração. Eu sinto a necessidade de ajudar as pessoas, e como eu sou moradora do bairro da Liberdade, que é o maior quilombo urbano da América Latina, eu quero de alguma forma ajudar essas pessoas a terem um ofício. Eu resolvi aprender para empreender e quero mostrar para as pessoas que elas também podem criar e inovar, inventar comidas, tipo essa geleia de vinagreira doce que eu inventei, que está sendo um sucesso aqui na feira”, diz Rachel.
Mais que uma feira de negócios
A Expo Favela Maranhão promoveu intercambio social e incentivou educação financeira a expositores e visitantes durante os dias 14 e 15 de setembro. Na íntegra, teve execução de workshops de empreendedorismo, minicursos profissionalizantes, apresentação cultural de renome nacional, desfile de moda e palestras, além de muita música boa, como o reggae jamaicano, com o DJ maranhense Tarcísio Selektah, de 58 anos, 47 de coleção de vinil e 23 de carreira, e comida saborosa preparada pela equipe do Formando e Cozinhando, uma iniciativa da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Social (Sedes), que promove a qualificação das habilidades para profissionais da cozinha de baixa renda e sem formação técnica.
Os principais temas abordados nas palestras e rodas de conversa foram: empreendedorismo como retomada de economia; a mulher na ciência e tecnologia; as lutas anti-racistas. Em uma das rodadas de diálogos, Chistiane Mendes, de 36 anos, diretora do Núcleo de Educação Comunitária do Coroadinho (Neduc), Larissa Colins, de 31 anos, representante do Perifacred, um programa do Neduc que capacita e oferece uma linha de microcrédito baseada em criptomoedas para pequenos negócios, e Nilde Ribeiro, 40 anos, gestora do Locomotiva Hub, que é um espaço de coworking em São Luís, conversaram sobre o avanço da tecnologia nas regiões periféricas de São Luís e como ela tem colaborado para impulsionar o potencial empreendedor dos moradores de favela.
No Centro do diálogo entre o grupo de mulheres esteve o Coroadinho, bairro com uma população estimada de 53.945 pessoas, que ocupa atualmente a quarta posição no ranking nacional das maiores favelas do Brasil, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
“Quem conhece o Coroadinho desde o início sabe o que aquele povo constrói. Ele é potente, é um território empreendedor. Tem a característica de não esperar: a gente vai lá e gera alguma coisa, uma nova ideia, em meio as diversidades e dificuldades que vão surgindo pelo caminho. O Perifacred não é um programa para ficar só dentro do Coroadinho, o nosso objetivo é chegar em mais comunidades aqui no Maranhão. Novas tecnologias e novas ideias podem transformar pessoas em nossas comunidades. A tecnologia impulsiona mudança de mentalidade e atitude”, enfatizou Larissa.
Cerca de dez mil visitantes estiveram presentes no local, dentre eles estudantes, professores e empreendedores. A Expo Favela tem uma parceria institucional com a TV Globo para criação de conteúdos em programas e chamadas institucionais para promover, além do evento em si, aquilo que ele fomenta, que é a potência criativa e inovadora nas favelas brasileiras. A etapa regional no Maranhão, é uma realização da Central Única das Favelas – MA. As próximas regionais acontecem entre os dias 15 e 16 nos Estados de Minas Gerais e Piauí.
Gabryela Azevedo é uma contadora de histórias da vida real, atraída por questões socioambientais e de direitos humanos, fascinada pela palavra escrita. Formou-se em jornalismo pela Universidade Ceuma, em 2021. É também integrante da instituição literária Os Novos Escritores do Maranhão (Onema).
Gabryela faz parte da Rede Impacta Nordeste de Jovens Lideranças.