A empreendedora social Katiana Pena abre as portas do instituto que leva seu nome, situado no Grande Bom Jardim em Fortaleza, para compartilhar sua história de superação, de como a arte e a educação são elementos de transformação social e a potência e os valores de quem vem da periferia.
Nascida em Quixadá/CE em uma família de 19 irmãos, Katiana veio morar em Fortaleza tendo como pano de fundo a falta de oportunidades, a pobreza e a fome. Passou por projetos sociais importantes, como o Circo-Escola do Bom Jardim que provia alimentação, o reconhecimento da mudança de vida e o primeiro cachê.
Em meio aos anos no circo, apareceu a oportunidade de entrar para a Escola de Desenvolvimento e Integração Social para Criança e Adolescente (Edisca), fundada em 1991 pela coreógrafa Dora Andrade. Da Edisca, os passos de Katiana a levaram ao Centro Cultural Bom Jardim (CCBJ), voltando aprendizados e esforços para dentro do bairro onde morava.
A experiência como arte educadora e a vontade de contribuir para a transformação social no Grande Bom Jardim, região periférica de Fortaleza, formada pelos bairros Bom Jardim, Canindezinho, Granja Lisboa, Granja Portugal e Siqueira, com aproximadamente 211 mil habitantes, motivaram a criação do Instituto Katiana Pena (IKP).
Em 2018, a organização teve sua sede reformada em um quadro do apresentador Luciano Huck, ganhando uma sala de dança apropriada com todos os equipamentos. Já em 2023, foi anunciado como uma das instituições beneficiadas pelo programa Criança Esperança e em março deste ano, o IKP lançou seu primeiro negócio social, a Loja D’Kebrada.
A arte que salvou Katiana foi o reconhecimento de que ela é a solução, o incentivo e a partilha de conhecimentos para as novas gerações. Em entrevista para o Portal Impacta Nordeste, a idealizadora fala sobre os desafios, as transformações dos mais de mil alunos atendidos atualmente, os apoios e parcerias e o que espera daqui à frente. Confira a entrevista.
Impacta Nordeste – Nos conte um pouco sobre você, a sua relação com a dança e como iniciou a ideia do Instituto?
Eu sou Katiana Pena, tenho 41 anos, sou fundadora do Instituto Katiana Pena (IKP), uma instituição que leva meu nome e minha história. Fui uma menina que aos cinco anos de idade vendia verduras na rua e teve sua vida transformada por um prato de comida. Foi esse meu primeiro contato com o Circo Escola e a partir dali eu fui entender o que era aquele espaço, aquela lona de circo colorida e o mundo da arte.
Depois eu tive um encontro com a Edisca e foi o meu divisor de águas, onde foi meu contato com a dança e com o balé. Foi dessa oportunidade que eu conheci boa parte do Brasil e da Europa levando essa dança comigo. Esses 17 anos que eu passei dentro da Edisca foi com que fez eu retornar e devolver esse privilégio que eu tive de ter minha vida impactada com os projetos sociais.
Após esse acúmulo de conhecimento fora, eu queria devolver para minha comunidade onde eu cresci, ao mesmo tempo conhecendo o mundo e o Brasil, eu também cresci com o meu bairro nas páginas policiais. E eu não quero mostrar só isso, eu queria falar da menina que tava rodando o mundo com a sua dança, com a sua perseverança e que lutou para não ser mais um número para a violência.
Foram várias questões que me fizeram doar minha casa para de fato fazer essa dança da comunidade, dos becos, nas vielas de favela, a partir dessas narrativas, da minha vivência, do que eu passei, das minhas histórias, das minhas dores, dos meus medos, das minhas aflições e da minha família, de toda a dedicação e fé que eles tiveram para que isso reverberar muito em mim e eu pudesse dar retorno de alguma maneira.
Assim nasce o IKP, oferecendo a dança como principal ferramenta de transformação social. E agregando isso, eu trouxe a educação, o esporte e a alimentação. Comecei com 40 alunos crianças e aí foi expandindo até se tornar esse lugar potente.
IN – Ao todo, quantas pessoas são atendidas pelas ações do Instituto?
Atualmente, o instituto beneficia 1.150 educandos, oferecendo aulas de dança (balé e hip hop), música percussiva, e cinco modalidades de esportes: karatê, jiu-jitsu, muay thai, futebol e capoeira. Há, ainda, reforço escolar de português e matemática. São três turnos manhã, tarde e noite, fechamos por volta das 21h30 da noite.
Nós começamos com voluntariado, hoje, no entanto, boa parte do time é contratada. Temos oito anos de atuação dentro do território do Grande Bom Jardim e estamos aí caminhando para expandir tanto a estrutura como as atividades e as parcerias para a gente ofertar cada vez mais as necessidades do público.
IN – A arte já te levou para o exterior. Como é essa sensação de estar levando a dança para o mundo afora?
Eu acho de fé, de resistência e de resiliência, da gente levar o nome da nossa comunidade, que é o grande Bom Jardim e ter a certeza do que a gente tá plantando, do que a gente está trilhando, do lugar que a gente quer alcançar. Eu sei exatamente o primeiro passo que eu dei e eu sei exatamente onde Deus está levando o time do instituto, a nossa instituição e esses bailarinos que hoje representam muito a nossa dança, a nossa metodologia de dança que é o “Corpo Mudança”, que está levando aí mundo afora essa técnica e essa metodologia.
IN – Foi fácil a recepção da comunidade e do estigma do grande Bom Jardim no sentido de atrair investidores e mostrar a potência do trabalho desenvolvido?
Desde o começo foi muito boa, porque a comunidade me viu crescer, já que me conheciam. Então todo mundo queria colocar seus filhos para fazer aula com a Katiana, lá no Centro Cultural de Bom Jardim, onde eu passei dez anos. Eu comecei a mostrar o lado bom do Bom Jardim. O lado ruim todo mundo já sabe. As páginas policiais já mostram. Mas eu, como artista, como moradora, como criadora de espetáculos, vestia camisa do bairro e comecei a projetar o bairro dessa maneira mais positiva, mais leve.
Foi daí que eu comecei também a entender mais o meu território, o meu bairro, que é muito grande. Eu criei uma hashtag que é #DoBomJardimParaOMundo e comecei a legitimar esse lugar. Porque aqui tem pessoas trabalhadoras; pessoas que atravessam a cidade para ganhar seu ganha-pão. Grandes artistas, grandes poetas, grandes escritoras, pessoas do bairro. Então, não dá pra criar um rótulo e enfiar goela adentro pra dizer que o Bom Jardim é só violência.
Quando teve toda essa repercussão midiática do Luciano Huck, aumentou aquela vontade da comunidade de querer fazer dança comigo, de querer estar ali na minha casa. E era tudo muito improvisado, antes do Luciano Huck, era uma sala de cerâmica, com um banheiro improvisado lá no fundo. Então eu achava que aquela era a sala de dança da Ana Botafogo. Chiquérrima. E nem era, né? Mas eu queria tanto aquilo que achava tão bárbaro dizer que nós temos a sala de dança para ensaiar, pensar, pesquisar. E aí, de repente, o Luciano vem e faz toda a construção, deixa a sala de dança propriamente dita.
IN – Pois é, outro avanço significativo foi a participação em um quadro do programa do Luciano Huck. O que mudou desde então?
Parece que ele tirou da minha cabeça tudo aquilo que eu imaginaria que a minha casa pudesse se tornar. Então ele fez biblioteca, fez a sala de dança, estruturou com som, piso, tudo adequado, uma biblioteca maravilhosa, computadores e refeitório. Foi tudo um sonho mesmo.
E aí aumentou a responsabilidade e o público, esse número foi só aumentando e eu fui entendendo as necessidades das pessoas. Eu queria que o Instituto fosse esse lugar para tudo e estou tentando trazer tudo para cá. E esse tudo é muito simples: é um professor, um assistente social, é uma aula de informática, é um psicólogo, é o que a gente já faz no cotidiano. É muito bom, mas eu sinto que ainda preciso fazer mais.
IN – Ao longo desses oito anos de atuação, quais são os principais desafios à frente do IKP?
O Instituto hoje sobrevive de editais. Então, para mim é um desafio muito grande, porque toda essa proporção, essa quantidade de alunos e de colaboradores que precisam ter o seu pagamento mensal e sua renda. Trazer mais profissionais para dar essa assistência nos três turnos é muito desafiador, psicólogo e assistência social, então, é um gasto que vem direto da instituição.
Porque o terceiro setor a gente vive dentro dessa coisa de pedir. Tem essa relação com a iniciativa privada e que nós estamos conquistando esses espaços. Mas ainda precisa muito do primeiro setor, governo e município, precisamos que essa aliança seja mais próxima para a gente dar essa virada de chave.
Nós acabamos de lançar o nosso negócio social que é a nossa loja D’Kebrada e paralelo a isso a gente tem um ambiente só para doações de bazar, que é o que a gente vem trazendo das pessoas físicas, moradores, lojas para contribuir e com esse recurso, a gente paga de imediato uma água, uma luz, compra um lanche, faz uma conta mais emergencial. Então nós estamos trazendo estratégias para não depender 100% dos editais e pensar uma estrutura para a gente não depender somente disso.
IN – O que você espera para os próximos cinco anos do Instituto?
Eu penso nessa replicação do Instituto, espalhar essa metodologia e estrutura física pelos outros bairros e periferias da cidade. E penso também na sede onde a gente possa abarcar todas essas necessidade, onde a gente tenha atividades que vão desde do teatro ao consultório odontológico, por exemplo.
E tenha essa estrutura financeira mais assistida entre essas duas instituições, governo e município, que aí a gente consegue entregar e impactar mais. Dando para as famílias uma condição de vida onde ela voe, ela saia desse lugar de pobreza e de desigualdade, porque é assim que eu acredito que esse impacto funciona, onde eu te dou realmente condições de sair do lugar onde onde tu se encontra.
IN – Como empreendedora social qual recado você quer passar para os leitores, para a comunidades e também para outros empreendedores sociais?
Eu acho que olhar mais com atenção e sensibilidade para o terceiro setor, que é um negócio muito sério, importante, ele tá ali colado com a educação. O terceiro setor hoje é fundamental na vida, nas comunidades e que as pessoas enxerguem esse lugar como potência e não como problema.
Então, quando se falar de favela e se você tem condição enquanto empresário/a de ajudar, procure conhecer a instituição, as pessoas ali responsáveis do setor de responsabilidade social, que você pode ajudar de alguma maneira. Às vezes o seu time pode doar uma formação, participar de ações voluntárias, um dia de trabalho que você pode contribuir com a instituição ou investir seu imposto de renda nessa causa que pode estar mudando a realidade de muitas crianças e adolescentes.
Porque a favela não é problema, favela é solução. É a nossa fala que a gente quer tanto potencializar e levar.
Sara Café, é graduada em Comunicação Social/Jornalismo, especialista em assessoria de comunicação e formação em fotografia. Atua na área de inovação e impacto social através de trabalhos de jornalismo, redação e produção de conteúdo, mídias sociais, assessoria de imprensa e coberturas fotográficas. Bolsista de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação no Laboratório de Inovação do SUS no Ceará (2021) e do Observatório de Educação Permanente em Saúde (2022), projetos da Escola de Saúde Pública do Ceará. Produz entrevistas e matérias jornalísticas especializadas para o hub de negócios TrendsCE. Voluntária e Diretora de Comunicação do Instituto Verdeluz (gestão 2019 a 2022) e membra da Rede Brasileira de Jornalistas e Comunicadores de Ciência (RedeComCiência), da Rede Narrativas e integrante da Rede Linguagem Simples Brasil.
Sara faz parte da Rede Impacta Nordeste.