ESGOpinião

“Não acredito em ESG”: a que se deve os olhares hostis e descrentes à agenda?

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Olhares descrentes, falas desrespeitosas, teorias da conspiração. Situações como essa ainda acontecem constantemente quando o tema ESG surge na mesa. Desde pessoas academicamente letradas aos grupos que possuem letramentos ancestrais, os olhares são tortos, as falas são hostis e a descrença é quase crônica.

Como uma eterna curiosa, prefiro observar o fluxo das ideias e deixo o barco navegar numa espécie de “vamos ver até onde esse papo vai chegar…” e, ao invés de uma fala reativa, optei por ouvir. Essa escuta normalmente me traz a mesma reflexão: “Algumas empresas são feridas abertas na vida das pessoas; outras vestem a carapuça por algo que não lhes coube.”. É nesse movimento que cada vez mais acredito na ideia de que para ser ESG, deve existir escuta ativa. É preciso ouvir genuinamente todos os lados antes de qualquer iniciativa.

Por isso, decidi escrever sobre o que NÃO é ESG, para quem sabe assim, colocar o holofote em quem realiza um trabalho ético e compromissado com a agenda, para além do “greenwashing” e do “socialwashing”.  E para contar o que não é ESG, precisamos contextualizar a descrença de uma maneira histórica e econômica: 

Por muitos anos, o setor privado foi guiado pela economia de Shareholder, um modelo que tem como objetivo essencial aumentar o lucro dos acionistas ou proprietários das empresas. Por essa razão, o olhar sobre riscos e oportunidades vinculados aos temas ambientais, sociais e de governança foram vistos como obstáculos a serem ultrapassados a qualquer custo. Apesar disso, em meados dos anos 80 no Brasil, “pílulas” de responsabilidade socioambiental foram incluídas no pacote das “áreas de sustentabilidade ou comunicação institucional”. 

O resultado foi um plano de atividades sem mensuração de impacto real, escassez de resultados sobre a geração de valor para transformação de realidades e muita, mas MUITA iniciativa “pra inglês ver”. Como exemplo, cito um caso real: uma organização que organizou um grupo de voluntários empresariais cuja atividade era pintar muros de escolas públicas no final de semana. Veja, não há nada de errado com isso. Mas, de fato, em que medida essa ação pode otimizar efetivamente a qualidade da educação que é ofertada aos estudantes? Ou como isso pode apoiar/potencializar o desenvolvimento profissional dos professores? É… não pode e não vai. E quando não há mensuração de resultado nem mudanças reais nos processos e políticas para uma transformação real em prol da sustentabilidade socioambiental, a empresa não tem ESG como diretriz interna. 

Estamos vivendo um momento de transição econômica. Um misto de economia de plataforma com modelo econômico de Stakeholder. Ou seja, o setor privado (…), começa a reconhecer que o sucesso empresarial também depende de uma relação saudável e sustentável com sociedade e o meio ambiente

Em contrapartida, há alguns anos, estamos vivendo um momento de transição econômica. Um misto de economia de plataforma com modelo econômico de Stakeholder. Ou seja, o setor privado cujo acesso à Era Digital já é uma realidade, começa a reconhecer que o sucesso empresarial também depende de uma relação saudável e sustentável com sociedade e o meio ambiente (isso inclui clientes, funcionários, fornecedores, comunidade no território etc.) através de muita transparência.

O ESG emerge na Era Digital e continuará como uma forte tendência da Era pós-digital em que haverá uma alta dependência e inadmissíveis desigualdades digitais. Com isso, as empresas começam a adotar o modelo econômico de Stakeholder, por considerá-lo essencial para a própria sustentabilidade. Pois, entendem que TODAS as matérias-primas do seu core business são ALTAMENTE ou MODERADAMENTE dependentes de recursos humanos e naturais (dados do Fórum Econômico Mundial)

Ou seja, nenhuma empresa existirá se não houver relações saudáveis e sustentáveis entre setor privado – sociedade – meio ambiente. Por isso, pessoas e recursos naturais precisam entrar na conta (leia-se no orçamento anual). 

Assumo que, do lado de cá, ainda sinto um incômodo ao ouvir que ESG é um conjunto de boas práticas. Simultaneamente, definições como essa sinalizam o quanto de trabalho (e consequentemente, oportunidades) ainda temos pela frente. 

ESG é não filantropia. Nem comunismo. Nem um conjunto de boas práticas pontuais. Nem o salvador do mundo. O ESG é uma metodologia. É mensuração. É proteção de patrimônio financeiro, econômico, humano e ambiental.

Juliana Serafim é especialista em Planejamento Estratégico, Monitoramento e Avaliação de Impacto Socioambiental. Entusiasta de Projetos e Negócios que causem impacto social e ambiental de maneira estratégica, sua atuação e formação são focadas no Desenvolvimento Sustentável (PMD Pro). Também é Mestra em Linguística (UPFE) e, atualmente, integra a área de ESG do CESAR. Já atuou como Consultora de impacto em organizações como a ONG “The Nature Conservancy”, a startup de impacto “Mete a Colher” e do Núcleo de Gestão do Porto Digital.