Iniciativas com propósito como IEER mostram que é possível corrigir distorções históricas no investimento social e ampliar o impacto em comunidades negras.
Falar sobre investimento social voltado à equidade racial é reconhecer que a desigualdade no Brasil tem raízes profundas e estruturais, e que todos nós, em diferentes lugares sociais, temos um papel na superação desse cenário. Ao longo de nossas trajetórias profissionais no terceiro setor, acompanhamos de perto os desafios enfrentados pela população negra para acessar recursos, oportunidades e reconhecimento. Essa vivência cotidiana nos mostrou que não basta apenas boa vontade, é preciso construir ferramentas e compromissos concretos para transformar essa realidade.
Em abril, vivenciamos um desses momentos simbólicos. Em um evento paralelo ao 4º Fórum Permanente de Afrodescendentes da ONU, foram apresentados os resultados da primeira rodada de certificações com base no Índice ESG de Equidade Racial (IEER), criado pela Associação Pacto de Promoção da Equidade Racial. Estar presente nessa ocasião, acompanhando empresas brasileiras sendo reconhecidas internacionalmente por seu compromisso com a justiça racial, reforçou algo que já sabíamos: é possível transformar estruturas quando há intenção, método e ação coordenada.
Em 2024, na 3ª Conferência Empresarial ESG Racial, sete empresas brasileiras — Arezzo&Co, Banco Fibra, Sesi, Senai, Super Rico, Vale e Vivo — foram certificadas por seu compromisso com a equidade; um movimento que marca uma inflexão importante, indicando que organizações com influência econômica relevante estão, de fato, incorporando critérios objetivos de justiça racial em suas estratégias. O protocolo desenvolvido pelo Pacto orienta essas empresas a priorizar projetos liderados por pessoas negras, atuar em territórios majoritariamente negros e mensurar impacto com base em indicadores claros de equidade.
Essa experiência reforça o que temos defendido, que com políticas públicas eficientes e engajamento institucional sério, é possível alterar os padrões excludentes do Investimento Social Privado (ISP). Historicamente, esse investimento tem se concentrado nas mãos de poucos, em regiões mais ricas do país, e em projetos pouco conectados com a realidade das comunidades negras.
Em 2023, foram movimentados cerca de R$ 5,5 bilhões por meio das leis de incentivo à cultura. No entanto, os dados revelam um desequilíbrio persistente. Segundo a consultoria SIMBI, apenas 3,5% dos projetos aprovados pela Lei Rouanet entre 2021 e 2023 tinham foco declarado em equidade racial. Dos 8.470 projetos analisados, apenas 321 se enquadravam nessa categoria — somando R$ 233,8 milhões, menos de 5% do total.
Além disso, de acordo com o GIFE, 66% das organizações da sociedade civil não conseguem acessar os fundos disponíveis — esbarrando em entraves burocráticos e na ausência de suporte técnico.
Essa exclusão também tem gênero e cor. Mulheres negras ocupam apenas 2% dos cargos executivos no Brasil. Em muitas empresas, mesmo com políticas afirmativas, a equidade permanece distante.
O modelo proposto pelo Pacto mostra que há caminhos possíveis e replicáveis, sendo o IEER um exemplo de como o investimento social pode ser guiado por critérios justos, transparentes e voltados à transformação estrutural.
Da mesma forma, programas que advém da associação, como Pacto Transforma, investem em aceleração e consultoria para executivas negras, demonstrando que o investimento precisa ir além do acesso a recursos financeiros, ele deve também funcionar como uma ponte de potencialização.
Se o Investimento Social Privado (ISP) quiser cumprir seu papel social, precisa ir além da filantropia pontual. É necessário adotar compromissos reais com a justiça racial. A boa notícia é que esse movimento está acontecendo e crescendo , e pode se expandir ainda mais com o apoio da sociedade civil, empresas, governos e investidores sociais.

Guibson Trindade é Fundador e Gerente Executivo da Associação Pacto de Promoção da Equidade Racial, professor convidado da Fundação Dom Cabral e membro da Associação Brasileira de Imprensa; mestrando em Administração e Governança, graduado em Comunicação Social com habilitação em Relações Públicas e possui MBA em Gestão de Pessoas.
Hugo Pedro Guornik é Cofundador da Crosspact Consulting, é mestre em Gestão de Políticas Públicas pela EACH-USP e Especialista em Investimento Social.