Por Fabio Deboni
Eu sei caro(a) leitor(a). Comecei esse artigo fazendo uma escolha mais difícil. Começar pela negativa – o que não é – parece uma escolha equivocada, pois coloca o texto numa visão mais negativa, mas, por outro lado, torna a ideia que quero dividir aqui de mais fácil compreensão. Daí a minha escolha.
Tentar identificar o que não é impacto e o que não é (ou não remete) ao Nordeste se mostrou pra mim um exercício de síntese bem interessante (e bem difícil).
Antes de nada, importante destacar que não venho do Nordeste (vivo há quase 20 anos no Centro-oeste, sendo um paulista do interior). Esse lugar de fala é importante pra situar o(a) leitor(a) nas ideias que compartilho por aqui. Embora eu não venha ou não seja da região, posso dizer com alegria que já estive nos 27 estados brasileiros – não só nas suas capitais – e muitas vezes no Nordeste, o que me deixa um pouco menos desconfortável de refletir sobre o nosso país.
Vamos então à sinfonia de ‘nãos’.
Começando pelo que não é impacto, na minha visão.
Qualquer projeto/iniciativa/organização que:
1. não gere pertencimento em pessoas/comunidades locais
Em outras palavras: que seja um ‘vendido’ a ideias de fora sem despertar potências locais
2. amplie desigualdades regionais, sociais, culturais, etc
Como alavancar potências locais valorizando o que vem de fora da nossa região? Além de soar estranho é totalmente contraditório a essa visão de impacto que compartilho – de que ele seja um instrumento de redução de desigualdades em todos os sentidos
3. desconsidere a maneira de se alcançar seus objetivos
Vale lembrar que os meios de se gerar impacto positivo são tão importantes quanto suas finalidades. De que adianta um projeto gerar um baita impacto socioambiental positivo se ele utiliza métodos de trabalho opressores e injustos? Isso seria gerar impacto positivo?
4. busque enquadrar tudo em coisas mensuráveis e quantificáveis, envaziando a dimensão subjetiva e humana
Será que todo impacto que queremos e podemos gerar deve ser quantificável? Todo o ‘resto’ deve ser desprezado ou deixado em segundo plano? Por onde anda a dimensão subjetiva, o afeto, o ‘bater o santo’ e a licença poética em nossas práticas no mundo do impacto?
5. imponha tempos, jeitos de fazer e ferramentas estranhos aos territórios e culturas locais/regionais
Será que só há jeitos de fazer impacto em nosso país que tenham sido validados no eixo RJ-SP? Além deles, há também nomes e expressões importados e descontextualizados que, por vezes, ampliam a distância entre quem está no território com a mão na massa das transformações sociais e essas novas expressões que vêm de fora
E o que não remete ao Nordeste?
Qualquer projeto/iniciativa que:
1. ignore/menospreze atores/organizações que já atuam na região
Sob a lente do eixo RJ-SP, o Nordeste (e o ‘resto’ do Brasil) é sempre visto com certa dose de ‘café com leite’. Há uma visão equivocada de que não há atores locais com capacidade de fazer a roda girar sem a ‘luz’ que o eixo pode trazer à região. Infelizmente ainda vemos com frequência essa infeliz percepção em nossos ecossistemas.
2. tente trazer soluções prontas de fora, muitas vezes incompatíveis com as características locais/regionais
Por vezes o manto da ‘escala’ esconde essa intenção de impor ‘rodas’ que o sudeste inventou para ‘resolver’ os problemas do Nordeste (ou da Amazônia, Centro-oeste, etc). Sim, uma revoltante realidade.
3. não gere legado local
Legado se constrói de muitas formas, mas talvez não pela via do ‘treinamos X pessoas do território’ aos 44 minutos do segundo tempo do projeto. Legado se constrói com distribuição de poder, de tomada de decisão e de recursos junto aos vários atores locais. É muito bonito escutar que aquela região onde o projeto está ocorrendo ganha com seus impactos (e seu legado), mas muitas vezes todo o poder sobre o projeto não está nas mãos das pessoas que estão na região/território onde ele é implementado. Portanto, construir legado local passa por melhor distribuir poder, decisão e recursos, e não apenas sair todos sorridentes na foto.
4. Não tenha a cara, o jeito, o sotaque, os sabores, os ritmos do Nordeste
Afinal, ser um projeto com cara de sudeste (correria, com pouco tempo para o diálogo, com pouco olhar para a espontaneidade, para o criativo, de costas para a cultura regional) no Nordeste (ou Amazônia) não é ser desrespeitoso com a cultura tão rica da região? E como potencializar essa cultura na gestão do projeto de impacto se não pelas pessoas do território na sua concepção, liderança e implementação? Enquanto as pessoas locais forem apenas coadjuvantes nos projetos de impacto, ficará dificil alcançar alcançar essa dimensão.
Fábio Deboni é Diretor do Programa CAL-PSE, pela Aliança pela Biodiversidade/CIAT e Membro do Conselho do FunBEA (Fundo Brasileiro de Educação Ambiental). É Engenheiro Agrônomo (não praticante) e mestre em recursos florestais pela ESALQ/USP. Foi gerente-executivo do Instituto Sabin de 2011 a 2020 e foi conselheiro do GIFE (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas).
Tem participado ativamente do engajamento de institutos e fundações no campo de negócios de impacto . É entusiasta do tema ‘inovação social’, escritor de diversos artigos e está lançando seu quinto livro “Inovação Social em tempos de soluções de mercado” (previsão de lançamento – abril/22). Publica diariamente textos e artigos em seu blog: https://fabiodeboni.com.br/ e em seu Linkedin: www.linkedin.com/in/fabiodeboni