Impacta Nordeste

O Quilombo Educacional: Instituto Steve Biko e seu papel na formação de líderes negros

Inspirado pela filosofia de Steve Biko, o Instituto Steve Biko, em Salvador, atua há mais de três décadas capacitando jovens negros para o ensino superior e promovendo o fortalecimento da identidade e da consciência racial. Com impacto reconhecido no Brasil e apoiado por vozes influentes do movimento negro, o Instituto se tornou referência em acolhimento, empoderamento e construção de uma sociedade mais justa.

Na minha adolescência, a educação foi minha principal arma para contornar as dificuldades financeiras e sociais que marcaram minha vida. A violência era uma constante na minha comunidade, mas o estudo sempre me fascinou. Eu ia a livrarias nos grandes shoppings só para ler livros que não podia comprar e passava horas aprendendo sobre bandeiras de outros países, movido pela paixão por futebol e pela curiosidade em entender a história por trás de cada bandeira. Em um dos meus aniversários, pedi de presente uma enciclopédia. Meus pais a compraram parcelada, e aquele foi, sem dúvida, o maior presente que já recebi.

A educação é uma das mais poderosas formas de combater o racismo no Brasil. Quando entendemos o que é racismo, como ele afeta nossas vidas e quais são nossos direitos, ganhamos ferramentas para resistir e transformar. Isso é uma questão de sobrevivência para a população negra. Faço uma pergunta: quantos negros com ensino superior vivem em segurança em comparação aos que não tiveram acesso à educação? O impacto é real, tanto para a vida social quanto financeira. É por isso que acredito tanto no poder da educação.

O Instituto Steve Biko entende profundamente esse papel transformador da educação. Atuando na formação de jovens negros e negras, a instituição luta para que mais pessoas negras acessem o ensino superior, ampliando as oportunidades de crescimento e desenvolvimento além das projeções limitantes impostas pela sociedade.

Quem foi Steve Biko?

Steve Biko foi um ativista sul-africano, líder da Consciência Negra, que resistiu bravamente contra o regime do apartheid nos anos 70. Ele acreditava que a opressão psicológica era uma das armas mais eficazes do opressor, imortalizando sua frase:

A mais potente arma do opressor é a mente do oprimido.”

Steve Biko

Biko defendeu que a valorização da identidade negra e a autoconfiança eram essenciais para libertar a população negra do sentimento de inferioridade imposto pela sociedade racista. Embora sua luta tenha custado sua vida, sua mensagem ultrapassou fronteiras e inspirou movimentos ao redor do mundo, inclusive no Brasil, onde sua filosofia e força se tornaram a base do Instituto Steve Biko, em Salvador.

O que é o Instituto Steve Biko?

Fundado em 1992, em Salvador, Bahia, o Instituto Steve Biko é reconhecido como o primeiro Quilombo Educacional do Brasil. Criado com a missão de ampliar o acesso ao ensino superior para jovens negros, o Instituto não apenas prepara estudantes para os desafios acadêmicos, mas também se dedica à construção de uma identidade e consciência negras. Desde o início, o Instituto Steve Biko foi pioneiro ao criar um curso pré-vestibular específico para negros de baixa renda, abordando questões que vão além dos conteúdos tradicionais, como a valorização da ancestralidade e da luta contra o racismo. O Instituto tem impactado a vida de milhares de jovens, ajudando-os a superar barreiras históricas de exclusão e a ingressar em espaços de decisão.

Zaire Ominira, educador e ex-aluno do Instituto Steve Biko.

Para Zaire Ominira, educador e ex-aluno do Instituto, passar pelo Steve Biko foi um marco. Ele destaca como a instituição foi essencial para o fortalecimento de sua identidade e desenvolvimento profissional. “Ter passado pelo Steve Biko foi muito importante. Hoje, enquanto educador, eu levo o cotidiano preto para minhas aulas de fotografia e audiovisual, usando exemplos que dialogam com a realidade dos alunos.” Zaire compartilha ainda que essa experiência o ajudou a entender que a educação deve ser uma ferramenta de valorização da cultura e do orgulho negro: “Os professores do Instituto sempre traziam a nossa realidade para facilitar o nosso entendimento. Eu trago isso para a minha vida e para minhas aulas porque sei o quanto isso impacta os jovens.” Ele finaliza afirmando que o Steve Biko trouxe uma transformação não apenas educacional, mas pessoal: “O Biko me ensinou que a luta por igualdade racial começa com o entendimento da nossa própria história”​​.

Mel Nascimento, ex-aluna do Instituto Steve Biko.

Já Mel Nascimento, também ex-aluna do Instituto, ressalta que foi lá que encontrou o apoio e o espaço necessários para se empoderar e conquistar seu lugar na universidade. Ela compartilha: “O Instituto foi o lugar onde eu pude entender a dimensão da luta negra e me preparei para enfrentar os desafios de uma universidade onde ainda somos poucos e sub-representados.” O Steve Biko foi, para Mel, uma âncora de apoio emocional e intelectual que a incentivou a não desistir de seus sonhos, provando que o acesso à educação pode ser uma força de transformação na vida dos jovens negros​.

O impacto do Instituto Steve Biko é amplamente reconhecido por vozes importantes do movimento negro, como Sueli Carneiro, que, em uma homenagem pelos 25 anos da instituição, afirmou que o Instituto representa “a promessa de uma sociedade mais inclusiva”. Para ela, o Biko é mais que um projeto educacional; é uma resposta à urgente necessidade de justiça social e empoderamento negro. Sueli enfatizou que iniciativas como o Instituto são vitais para que a juventude negra atinja posições de liderança, conquistando, assim, o poder de promover mudanças reais e duradouras​.

Impacto na representatividade negra

Ao longo dos anos, o Instituto Steve Biko ajudou a transformar o panorama da representatividade negra nos espaços acadêmicos e profissionais no Brasil. Iniciativas como o Projeto Oguntec incentivam jovens a ingressarem em áreas como engenharia, física e medicina – campos dos quais a população negra foi historicamente excluída. Esses projetos não só oferecem preparação acadêmica, mas também fortalecem a autoestima e o senso de pertencimento, mostrando aos jovens negros que eles podem e devem ocupar espaços de destaque.

Sueli Carneiro, filósofa, escritora e ativista antirracismo do movimento social negro brasileiro, na sessão de 25 anos do Instituto Steve Biko. (Fonte: You Tube)

Diversos alunos que passaram pelo Instituto ingressaram em universidades de prestígio e hoje ocupam cargos influentes em diferentes setores. Uma ex-aluna, por exemplo, conseguiu uma bolsa para medicina e, ao final do curso, voltou para o Instituto como mentora, ajudando outros jovens a conquistarem o mesmo sonho​.

Um legado de transformação

A trajetória do Instituto Steve Biko é uma prova viva de que a educação é uma ferramenta revolucionária capaz de transformar a sociedade e combater desigualdades históricas. O Instituto é mais do que uma preparação para o vestibular: é uma rede de acolhimento, resistência e empoderamento que permite aos jovens negros redefinirem seus papéis na sociedade.

Ao apoiar iniciativas como o Instituto Steve Biko, cada um de nós contribui para uma sociedade mais justa e igualitária. Que essa história inspire outras comunidades a investirem na educação como forma de resistência e que, assim como os “Bikudos”, todos possam sonhar e alcançar um futuro de oportunidades.

Jônatas Akillah Pereira, 29 anos, é formado em Publicidade e Propaganda na Universidade Salvador (UNIFACS) desde 2015 e graduando em Bacharelado Interdisciplinar em Artes com enfase em Cinema e Audiovisual na Universidade Federal da Bahia (UFBA). Tem experiências profissionais como social media, marketing político e na área de cinema como editor e produtor. É um apaixonado pela tecnologia, escrita e cinema. Um eterno aprendiz sempre disposto a absorver o que o mundo e as pessoas em sua volta estão dispostos a ensinar. Busca direcionar o seu conhecimento para a luta antirracista.

Jonatas faz parte da Rede Impacta Nordeste.

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