Opinião

Por que estamos adoecendo tentando mudar o mundo?

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Quais seriam os possíveis motivos que tem contribuído para essa situação?

Basta conversar com colegas que atuam no que costumo chamar de ‘fantástica fábrica do impacto’ para notar, com facilidade e tristeza, que estamos adoecendo na melhor das intenções de transformar realidades sociais e/ou ambientais.

Seria estranho imaginar essa combinação – de um lado atuar com o que nos move (um termo já batido chamado de propósito) e conseguindo pagar nossos boletos atuando por essas bandas e, de outro, observando à nossa volta cada vez mais casos de adoecimento e de problemas de saúde mental.

Ora, se podemos conciliar o trabalho que amamos com a possibilidade de pagarmos dignamente nossas contas, por que estamos adoecendo?

Para começo de conversa, compartilho essa reflexão sem dados deste fenômeno. Empiricamente apenas observo que estamos lidando com problemas de saúde mental no nosso setor. Simples assim.

E quais seriam os possíveis motivos que tem contribuído para essa situação?

Longe de esgotar o assunto, listo alguns abaixo:

1) Porque o tema está em destaque, e faz com que falemos mais sobre ele (consequentemente, mais pessoas se reconhecem nesta situação, e sentem mais confiantes de falar a respeito).

2) Porque recém saímos de uma pandemia (lembra?), que bagunçou nossa saúde mental e seus efeitos ainda estão aí

3) Porque nosso mundo anda para lá de problemático – guerras, emergência climática, migrações, conflitos, etc, trazendo mais instabilidade a países e regiões

4) Porque seguimos, como modelo civilizatório, produzindo e ampliando desigualdades, degradação ambiental e um monte de outros problemas socioambientais. Paradoxalmente, temos de um lado uma propulsão de bilionários e de geração de riqueza para poucos, e de outro, bilhões de pessoas à margem do sistema

5) Porque nosso mundo laboral passa por muitas mudanças, se tornando mais uberizado e trazendo, para alguns, mais possibilidades de trabalho e para muitos, uma maior necessidade por conciliar vários jobs para pagar boletos

6) Porque vivemos tempos mais acelerados, mais superficiais e mais individualizados – redes sociais, inteligência artificial, etc. – que catapultam ansiedades e urgências

7) Porque ainda nutrimos certa visão romantizada de que na fantástica fábrica do impacto tudo são flores, que todos aqui são parceiros e solidários entre si, que não há “crocodilagens”, egos inflados e disputa por recursos

Paro por aqui, mas certamente há muitos outros fatores a serem postos na mesa desta conversa. Olhar para eles nos ajuda a compreender as possíveis causas deste fenômeno do adoecimento de tanta gente que atua no nosso setor. Não aceitar essa triste realidade é um erro. Assim, teremos mais condições de não só encará-la, mas também buscar soluções para superá-la. Desde que elas coloquem as pessoas no centro desta conversa, e não como mais um recurso, beneficiário, colaborador ou cliente. Afinal, parafraseando o poeta: gente é para brilhar mesmo?  

PS: já tratei do assunto no meu podcast:

Fábio Deboni é Diretor do Programa CAL-PSE, pela Aliança pela Biodiversidade/CIAT e Membro do Conselho do FunBEA (Fundo Brasileiro de Educação Ambiental). É Engenheiro Agrônomo (não praticante) e mestre em recursos florestais pela ESALQ/USP. Foi gerente-executivo do Instituto Sabin de 2011 a 2020 e foi conselheiro do GIFE (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas).

Tem participado ativamente do engajamento de institutos e fundações no campo de negócios de impacto . É entusiasta do tema ‘inovação social’, escritor de diversos artigos e está lançando seu quinto livro “Inovação Social em tempos de soluções de mercado”. Publica diariamente textos e artigos em seu blog: https://fabiodeboni.com.br/ e em seu Linkedin: www.linkedin.com/in/fabiodeboni