Um ecossistema sustentável precisa de investimentos descentralizados para que novas lideranças e negócios prosperem.
Por Luis Fernando Guggenberger
Recentemente estive em uma conversa com outros colegas investidores sociais e debatemos dilemas que encontramos sobre empreendedores neste campo, o que me pareceu um enorme déjà-vu. Relembrei velhas conversas que fazia comigo mesmo sobre o papel das organizações sociais na educação dos jovens atendidos.
Nós transformávamos os jovens em herois, referências para os demais, mas não nos dávamos conta de que ao invés de afirmar que eles traziam consigo atitudes positivas e transformadoras, estávamos na verdade criando pequenos monstros. Seus egos se elevavam à nona potência, causando inúmeros sentimentos nos demais jovens, desconectando-os uns dos outros.
Ouvindo os colegas, logo vi o mesmo dilema sobre as lideranças sociais, colocadas em pedestais por organizações, empresários e mídia.
Há algum tempo o empreendedorismo social tem ganhado uma agenda importante nas empresas que buscam conectar seus propósitos com a transformação e o aperfeiçoamento da realidade vivida no país. Afinal, durante toda a história, o Brasil foi marcado por desigualdades e lacunas que não puderam ser preenchidas por políticas públicas eficazes.
Reside nessa categoria uma oportunidade conectada com as práticas ESG, sob o aspecto da responsabilidade das organizações em desenvolver produtos e serviços não visando apenas o êxito do lucro, mas também o impacto na sociedade.
Junto a esse movimento vem a responsabilidade dos papéis de cada agente, tanto do lado de cá do investidor, quanto do lado de lá do empreendedor. Por isso, a clareza e um bom critério de governança é essencial para auxiliar nesse relacionamento.
O Brasil é imenso e são diversas possibilidades de iniciativas. O número de empresas que ampliaram a conscientização sobre seu impacto também tem crescido, felizmente, e proporcionalmente aos valores destinados à doação.
Segundo o Censo do Gife – Grupo de Institutos, Fundações e Empresas que mapeia o investimento social privado no Brasil, em 2020 o aporte foi de R$ 5,3 bilhões, um recorde. O número é ainda maior se somarmos aos do Bisc – Benchmarking do Investimento Social Corporativo, no total de R$ 6,9 bilhões.
A reflexão sobre a filantropia estratégica, atrelada ao negócio, tem norteado a atuação das companhias, que incluem a aferição do impacto dos investimentos como métrica de avaliação dos resultados.
A pesquisa mais recente do Bisc, que avalia ações realizadas em 2021, mostra que a ampla maioria dos entrevistados, 89% das empresas e 86% dos institutos e fundações alinham os investimentos sociais aos negócios e observam o impacto nos públicos de relacionamento, como stakeholders, comunidades e parceiros.
É o investimento em ações pulverizadas, direcionadas a movimentos locais, que realmente trará a escala necessária para uma transformação efetiva em todo o país. Mas por que então investir sempre nos mesmos empreendedores?
Quando citei no início do texto os critérios de boas práticas que a governança ajuda a nortear, me refiro a uma avaliação profunda para direcionar nossos esforços.
Explico: alguns empreendedores realizam um trabalho incrível, pioneiro, estão há anos no mercado, conquistaram seu espaço, ganharam visibilidade na mídia e naturalmente atraíram a atenção de grandes companhias.
Você pode estar se perguntando “mas o que tem de errado nisso?”. Proponho aqui uma reflexão: assim como em qualquer segmento, ao elevá-los ao status de “celebridade” do impacto social, podemos prejudicar não apenas o próprio empreendedor, como também o negócio dele e o ecossistema como um todo.
Os compromissos passam a dominar as agendas, os afastam do negócio e daquelas pessoas que foram essenciais para eles chegarem aonde estão.
Nas organizações, as equipes ficam sobrecarregadas e não conseguem cumprir tudo o que eles prometeram àqueles CEOs. E, especialmente, mesmo sem intenção, acabamos restringindo o espaço que poderia ser compartilhado com outros que, por causa desse ciclo, têm uma vitalidade mais frágil.
Uma rede de lideranças centralizadas é menos sustentável do que redes distribuídas. Um investidor considerado médio ou pequeno por alguns pode ter um grande impacto em outros.
São tantas possibilidades. Por que então as empresas insistem em olhar para os mesmos?
Há algumas iniciativas que já refletiram sobre a importância dessa diversificação e incentivam a pluralidade: o Prêmio Empreendedor Social, realizado pela Folha, que a cada ano traz novas categorias, democratizando as soluções reconhecidas, mesmo que todas tenham a finalidade de diminuir a desigualdade e às ameaças ao meio ambiente e aos direitos humanos.
Ou o Lab Habitação: Aceleração de Negócios, idealizado pela Coalizão Habitação, iniciativa da Artemisia, Gerdau, Instituto Vedacit, Votorantim Cimentos e Leo Social, que já apoiou mais de 120 empreendedores e acelerou 60 soluções de impacto social positivo com foco no setor da habitação.
Convido você, que é responsável por selecionar quem receberá os próximos recursos da sua companhia, a fazer esse exercício de optar por empreendedores fora desse grupo de “celebridades”. As chances de ter uma grata surpresa são enormes.
Luís Fernando Guggenberger é executivo de Marketing, Inovação e Sustentabilidade da Vedacit, responsável pela coordenação das iniciativas de Inovação Aberta e Sustentável e pelo Instituto Vedacit. Formado em Publicidade e Propaganda pela Universidade Guarulhos e pós-graduado em Comunicação Empresarial pela Faculdade Cásper Líbero. Sua experiência profissional é marcada pela passagem em fundações empresariais como Fundação Telefônica e Instituto Vivo, além de organizações sociais na cidade de São Paulo. Luis participa do Conselho de Governança do GIFE – Grupo de Institutos, Fundações e Empresas e do Conselho Fiscal do ICE – Instituto de Cidadania Empresarial. É mentor de startups de impacto socioambiental.