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Quando empreender é resistência, crédito também precisa ser reparação

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Em um país onde acesso a capital ainda é privilégio, o CrediAfro Bahia surge como uma política pública que reconhece o valor do afroempreendedorismo e oferece crédito com formação para transformar realidades. Mais do que financiar, o programa aposta no protagonismo de quem sempre precisou lutar dobrado para empreender.

*Imagem de capa: Monalisa Franco, empreendedora (arquivo pessoal)

O empreendedorismo negro está em toda parte. Ele nasce da urgência, mas floresce da criatividade de um povo que transforma escassez em solução. Está no ambulante que vende doces no ônibus, na baiana que mantém viva a tradição do acarajé, na dona da lojinha do bairro que conhece cada cliente pelo nome.

Minha história vem desse lugar. Sou filho de uma mulher que começou a empreender ainda jovem, vendendo roupas de porta em porta. Vi ela abrir uma lojinha no bairro, enquanto minha avó passava os fins de semana na feira, vendendo bonecas feitas de cabaça. Cresci cercado de exemplos reais de resistência.

Mas empreender sendo negro no Brasil é nadar contra a corrente. Somos mais de 15 milhões de empreendedores pretos e pardos no país, mais da metade do total, segundo o Sebrae. No Nordeste, essa força é ainda maior. Mesmo assim, a renda média de um empreendedor negro é quase 50% menor do que a de um branco. O acesso ao crédito é limitado. A informalidade domina. E a falta de oportunidades continua sendo uma ferida aberta.

É nesse contexto que nasce o CrediAfro Bahia. Uma política pública que não apenas libera crédito, mas aposta em negócios que quase nunca foram prioridade. Com apoio de até R$ 50 mil e juros acessíveis, o programa permite que esses empreendimentos ganhem fôlego para crescer. Não é só sobre dinheiro. É sobre justiça, reconhecimento e futuro.

Por que o CrediAfro é mais do que uma linha de crédito

A dificuldade de acesso ao crédito é uma das maiores barreiras para empreendedores negros. Segundo pesquisa da Feira Preta com o Instituto Locomotiva, 64% das pessoas negras que querem abrir um negócio esbarram na falta de capital. O CrediAfro surge como resposta concreta a essa realidade.

Tamires Santos, Coordenadora Geral de Fomento ao Empreendedorismo Negro (arquivo pessoal)

Lançado pelo Governo da Bahia em parceria com a Sepromi e a Desenbahia, o programa oferece empréstimos com juros de apenas 1% ao mês. O objetivo é garantir que quem sempre foi excluído do sistema financeiro possa ter acesso aos recursos necessários para empreender de forma estruturada e competitiva.

Segundo Tamires Santos, Coordenadora Geral de Fomento ao Empreendedorismo Negro, “o principal impacto tem sido promover o acesso ao crédito à população negra que empreende, com condições reais para a estruturação de negócios liderados por afroempreendedores.”

O perfil predominante entre os contemplados, segundo ela, são mulheres negras, com presença em nove territórios de identidade já atendidos. “A linha atende tanto empreendedores formais quanto informais”, explica. “É preciso apenas apresentar as documentações exigidas pela Desenbahia.”

Afrocolab e o fortalecimento em rede

Desde 2024, o CrediAfro vem sendo articulado com o Afrocolab, programa voltado para a formação de empreendedores negros. A proposta do Afrocolab é oferecer mentorias, oficinas e capacitações para quem quer formalizar seu negócio ou se preparar para acessar crédito.

Essa parceria aponta para um caminho mais robusto: combinar acesso a capital com formação, algo que muitos beneficiários identificam como essencial. Foi o caso de Monalisa Franco, que participou de mentorias depois de ser contemplada pelo crédito.

“Mesmo sem saber exatamente como usar o dinheiro no início, fui atrás de orientação. Participei de eventos, fiz cursos, melhorei minha gestão. Isso mudou minha cabeça e meu negócio”, conta. Tamires reforça esse impacto. “Quando a oportunidade chega às pessoas com possibilidades reais de desenvolvimento, a chave do empreendimento vira.”

Monalisa Franco: da manicure à formadora de empreendedoras

Aos 29 anos, Monalisa foi uma das primeiras beneficiadas pelo programa. Antes do crédito, atendia como manicure, com serviços simples e faturamento baixo. “Sempre quis participar de feiras, crescer profissionalmente, mas não sabia como começar”, relata. O ponto de virada veio após conhecer a Sepromi e se inscrever no lançamento do programa.

“Eu nunca imaginei que teria acesso a um crédito de verdade. Não achava que era para mim. Mas consegui me organizar, inscrever meu CNPJ e fui chamada.” Com o valor, Monalisa investiu em mentorias, produtos e conhecimento. “Comprei uma moto, mudei de casa, comecei a atender eventos e hoje sou palestrante.”

Mais do que mudar a própria trajetória, ela criou uma agência de beleza que atende com outras profissionais negras. “Trago essas mulheres comigo. Isso me fortalece. O empreender virou minha paixão.”

Ela reforça que o programa não entrega só capital, mas um caminho. “Foi uma virada de chave. Comecei a entender a importância de me posicionar, de saber onde quero vender, para quem. Hoje eu estudo mercado, penso em expansão e ensino isso a outras mulheres.”

Números que falam

Desde seu lançamento, o CrediAfro investiu mais de R$ 2,2 milhões, beneficiando diretamente 93 empreendedores. A meta é alcançar R$ 10 milhões em crédito, impulsionando o afroempreendedorismo em todo o estado.

Esses números mostram mais do que estatísticas: evidenciam um esforço de redistribuição de oportunidades. Cada microcrédito concedido representa um passo para corrigir desigualdades históricas e fortalecer negócios que, por muito tempo, foram invisibilizados.

Como se inscrever no programa

Negros e negras que vivem na Bahia e que já empreendem ou desejam começar, podem se inscrever. O processo é feito por meio de um pré-cadastro online (link aqui). Depois, o candidato é orientado pela equipe da Sepromi ou da Desenbahia sobre os documentos e os próximos passos.

A inscrição requer CPF, RG, comprovante de residência e dados do negócio que pode estar formalizado ou não. O diferencial do programa é que, além do crédito, ele oferece acesso a formações e orientações práticas.

Para Tamires, o mais importante é que os empreendedores estejam atentos às necessidades reais do seu negócio. “Acesso a crédito é uma necessidade significativa, mas é ainda mais importante conhecer as viabilidades do negócio para investir de forma segura e estratégica.”

Crédito como ferramenta de transformação com base sólida

O CrediAfro é uma iniciativa que está ajudando a reescrever trajetórias. Em vez de ficar no campo da promessa, ele entrega acesso real ao crédito e à formação. E, ao se conectar com iniciativas como o Afrocolab, aponta para algo maior: formar, financiar e fortalecer uma nova geração de empreendedores negros. Monalisa Franco é a prova viva disso. “Eu precisava de uma chave como essa para avançar. Hoje, ajudo outras mulheres a encontrarem essa chave também.”

São essas histórias que mostram que, com o apoio certo, empreender pode deixar de ser um ato solitário de sobrevivência para se tornar uma ponte para autonomia, crescimento e reconhecimento.

Jônatas Akillah Pereira, 29 anos, é formado em Publicidade e Propaganda na Universidade Salvador (UNIFACS) desde 2015 e graduando em Bacharelado Interdisciplinar em Artes com ênfase em Cinema e Audiovisual na Universidade Federal da Bahia (UFBA). Tem experiências profissionais como social media, marketing político e na área de cinema como editor e produtor. É um apaixonado pela tecnologia, escrita e cinema. Um eterno aprendiz sempre disposto a absorver o que o mundo e as pessoas em sua volta estão dispostos a ensinar. Busca direcionar o seu conhecimento para a luta antirracista. Jônatas faz parte da Rede Impacta Nordeste.