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Quando inventar é resistir: Cria da Bahia reinventa o conceito de hub de inovação

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Enquanto muitos enxergam apenas vitrines, outros veem possibilidades. Foi nesse espaço entre consumo e criação que o hub de inovação Startei rompeu os limites de um escritório tradicional e deu vida ao Cria da Bahia — o primeiro ponto de inventaria do Brasil. Um lugar onde a economia criativa da Bahia, nascida da quebrada, encontra estrutura, visibilidade e rede. Mais do que vender, ali se inventa e se reinventa.

*Foto de capa: Paulo Henirque, sócio-diretor da Startei e do Cria da Bahia. (Foto: Impacta Nordeste)

No corre dos shoppings de Salvador, entre vitrines que repetem tendências importadas e corredores impessoais, há um espaço que te convida a pisar descalço. Um lugar onde se entra com pressa e sai com novas ideias. Um território onde cada canto ecoa baianidade, e cada objeto tem mais história do que etiqueta. É ali, entre o comércio tradicional e a urgência das grandes marcas, que se instala o Cria da Bahia, um ponto de inventaria que virou laboratório de futuros.

“A Bahia pulsa criatividade. E foi ouvindo esse tambor que decidimos começar por aqui.”

Paulo Henrique, idealizador do Cria da Bahia.

O conceito do espaço não nasce sozinho. Ele nasce da escuta de um território criativo que já existia, mas que precisava de espaço, de estrutura e de fomento com rosto e voz. E nasce também da inquietação de um empreendedor criativo que teve a ideia, Paulo Henrique, um dos sócios da Startei, que leu as entrelinhas do mercado e entendeu que os espaços de inovação que vinham sendo oferecidos estavam falando mais alto do que ouvindo. “Não era falta de talento, era falta de acolhimento.”

Na Cria da Bahia, vender é só mais uma das camadas do processo. (Foto: Arquivo Startei)

Essa ausência virou propósito. E o propósito virou projeto. Com esse reposicionamento, a Startei lançou o Cria da Bahia que é uma resposta com afeto, uma crítica com ação, uma vitrine que não é vitrine, é rede. É lugar onde vender é só mais uma das camadas do processo. Porque ali, o que se vende é o que se inventa. E o que se inventa é o que se vive.

Um projeto com dendê e direção

Idealizado e gerido pela Startei, o projeto tem à frente Paulo Henrique e duas sócias que ele considera fundamentais na execução da iniciativa: Patricia Pastori e Leticia Lima. O Cria da Bahia conta com o apoio do Instituto ACM e o patrocínio da Rede Bahia, afiliada da Globo. Juntas, essas organizações dão vida ao Cria da Bahia, que ocupa um dos espaços mais simbólicos da cidade: o shopping center.

“Quisemos estar onde as pessoas já estão, mas de um jeito que fosse nosso. Com a cor do dendê, cheiro de Bahia e som de tambor”, afirma Paulo Henrique. A escolha de instalar o projeto em um shopping foi estratégica — pela segurança, fácil acesso ao metrô e estacionamento. Mas também desafiadora: “Era preciso transformar o concreto em aconchego. E a gente fez isso com identidade.”

O ponto de inventaria oferece produtos de mais de 40 marcas baianas, tudo com curadoria e muito propósito. (Foto: Impacta Nordeste).

Hoje, mais de 40 marcas baianas fazem parte dessa construção. Cada uma com sua estética, sua técnica, seu tempo. “Aqui tem cerâmica, moda agênero, cosméticos naturais, gastronomia ancestral. Tudo com curadoria, tudo com propósito.”

Mais que um ponto de venda, um ponto de virada

O termo “ponto de inventaria” não é enfeite, é posicionamento. “Historicamente, esses lugares eram chamados de ponto de venda. Mas a gente queria inventar, e que isso fosse a prerrogativa. Aqui, o verbo é outro.”

E esse verbo ganha corpo nos serviços que o Cria oferece: cowork com cenografia afetiva, estúdio audiovisual completo, espaço multiúso para eventos, loja colaborativa sem cobrança, e um programa de aceleração sob medida. “A pessoa chega aqui vendendo. Sai com gestão, branding, planejamento, podcast gravado. Sai com futuro.”

O que sustenta esse quilombo?

A construção do Cria é resultado de um trabalho coletivo. “É diferente de uma loja colaborativa. Aqui, o empreendedor não paga para estar. Nós oferecemos estrutura, visibilidade e formação — tudo de graça. Quem financia a permanência dele é a Rede Bahia, que aplica sua missão de desenvolver o baiano aqui no Cria” destaca Paulo. Esse modelo se sustenta por apostar no impacto de longo prazo e já se mostrou viável. “Hoje, o Cria roda sozinho. Validamos esse formato, e agora temos caminho aberto para crescer ainda mais.”

Espaço multiuso para eventos.

Todo esse trabalho é guiado por três pilares fundamentais: Talento, que busca fortalecer quem já é bom, mas ainda não foi visto; Tecnologia, por meio de ferramentas e processos que ajudam a organizar e escalar; e Tolerância, garantindo acesso gratuito e democrático, sem que ninguém fique de fora por falta de recursos financeiros.

Estúdio audiovisual completo.

Quando a criação cura

Uma das histórias que mais inspiram no Cria é a de Edney, empreendedora que transforma plantas em cuidado por meio de terrários. Ela chegou ao espaço em um momento delicado, após passar por cirurgias no coração, e começou a montar terrários como forma de terapia. Com o tempo, essa atividade se tornou não apenas um negócio, mas também uma forma de impactar outras vidas.

Hoje, Edney ministra oficinas e ajuda outras pessoas a lidar com a saúde mental por meio da conexão com a natureza. Mais do que vender produtos, ela oferece experiências transformadoras. “As pessoas saem daqui com um terrário e com outra energia. É isso que a gente quer: transformar a dor em potência”, compartilha.

E o futuro?

O Cria da Bahia tem um plano ousado: espalhar pontos de inventaria por todo o país. Os primeiros convites já começaram a chegar, sinalizando que a semente plantada começa a germinar. “Queremos construir uma rede nacional. Imagina isso em Recife, Fortaleza, Belém? É só o começo”, projeta Paulo, confiante no potencial de expansão.

Mas ele faz questão de destacar que crescer não significa escalar a qualquer custo. “Nosso compromisso é com identidade. Não é franquia, é rede. É quilombo.”

Mais que um projeto, o Cria da Bahia é um gesto de reparação, de resistência e de futuro.

Mais do que um projeto, o Cria da Bahia é um gesto — de reparação, de resistência e de futuro caminhando lado a lado. Ao falar sobre o legado que deseja construir, Paulo sintetiza sua visão:

“É provar que dá para fazer inovação com afeto. Que a criatividade preta e periférica é solução, não exceção. E que a Bahia não é só cenário, é direção.”

Ele finaliza com um convite que reflete a essência do movimento: “Nosso compromisso é com a construção de novos futuros. De dentro para fora. Com gente preta, com gente viva, com gente que inventa.”

Como se conectar

Empreendedores que desejam se conectar com a iniciativa podem acompanhar os editais abertos pela Startei e pelo Cria, voltados para negócios com raiz territorial, sustentabilidade, diversidade e criatividade aplicada.

O espaço também está de portas abertas ao público — para visitar, comprar, aprender, gravar e participar das atividades, fortalecendo a rede e vivenciando, na prática, o propósito do Cria.

Jônatas Akillah Pereira, 29 anos, é formado em Publicidade e Propaganda na Universidade Salvador (UNIFACS) desde 2015 e graduando em Bacharelado Interdisciplinar em Artes com ênfase em Cinema e Audiovisual na Universidade Federal da Bahia (UFBA). Tem experiências profissionais como social media, marketing político e na área de cinema como editor e produtor. É um apaixonado pela tecnologia, escrita e cinema. Um eterno aprendiz sempre disposto a absorver o que o mundo e as pessoas em sua volta estão dispostos a ensinar. Busca direcionar o seu conhecimento para a luta antirracista. Jônatas faz parte da Rede Impacta Nordeste.