Quando comecei a empreender na área social, um dos livros que mais me marcou foi o do bengali Muhammad Yunus, ganhador do Prêmio Nobal da Paz em 2006 e fundador do Grameen Bank, dentre outros negócios sociais.
Trata-se do livro “Criando um negócio social: como iniciativas economicamente viáveis podem solucionar os grandes problemas da sociedade” (Tradução: Leonardo Abramowicz. – Rio de janeiro: Elsevier, 2010). São mais de 200 páginas com apresentação e explicação do conceito de negócio social e exemplos reais de como esse “novo” tipo de empreendedorismo tem solucionado problemas sociais, econômicos e ambientais pelo mundo. Foi uma leitura inspiradora.
Logo no início da leitura, fui tomada por alguns trechos que até hoje ecoam em mim, sendo o mais impactante deles o que diz que as pessoas pobres são como árvores bonsai:
Li e reli essa parte por um sem-número de vezes, em todas elas repetindo para mim mesma:
“Não importa qual será o meu negócio, a partir de hoje a minha missão de vida será criar ‘ambientes propícios’ para que as pessoas não se tornem ‘pessoas bonsai’”.
Outra leitura que me marcou profundamente, essa mais recente, apesar de ser uma publicação do século passado, foi “Pedagogia da Autonomia”, de Paulo Freire, um dos maiores expoentes da educação do Século XX.
Em determinada altura do livro, Freire faz a seguinte afirmação: “[…] luto pela mudança radical do mundo e não apenas espero que ela chegue”. Assim como foi com o texto de Yunus, fiquei mirando essa sentença e não pude evitar me energizar e me reconectar com a jovem de quase uma década atrás, que havia assumido consigo mesma o compromisso de “criar ‘ambientes propícios’ para que as pessoas não se tornem ‘pessoas bonsai’”.
Examinei a minha vida, meu negócio, e fiquei feliz em perceber que é o que tenho feito através de tudo o que faço.
Mas este texto não é somente para te contar sobre as minhas leituras e o quão realizada estou com o meu trabalho, ele tem uma “moral”.
Incomoda-me um pouco algumas “obsessões” do campo do impacto como o discurso “ganhe dinheiro e mude o mundo!”. Não pela frase em si, mas por acreditar que por vezes nos perdemos em trivialidades. Em vez disso, deveríamos “gastar” tempo em mover a nós mesmos e os outros por uma mudança social radical, tal qual disse Paulo Freire, se propôs a fazer Yunus e muitos outros antes e depois deles.
Ser radical, ao contrário do que propõe o senso comum, é agir de forma crítica e responsável, empregar qualidade naquilo que faz, investigar, conhecer outros pontos de vista, conceber que tudo está dentro de um contexto histórico, político e social, inclusive os nossos negócios (sociais).
Com esperança de que este texto tenha feito algum sentido para você, concluo com duas perguntas para reflexão: seu negócio de impacto tem causado uma “mudança social radical”, ou seja, construído um mundo sem “pessoas bonsai” definitivamente, ou apenas está entregando uma pseudo-mudança, isto é, se moldado ao status quo vigente, o mesmo responsável pela criação das “pessoas bonsai”? Que tipo de mudança social seu negócio de impacto tem causado?
Daiany França Saldanha é cearense, mulher negra, gestora de projetos sociais e empreendedora. É fundadora do Instituto Esporte Mais, gerente do projeto e rede Construindo o Futuro e mestranda do Programa de Pós-graduação em Mudança Social e Participação Política da USP.