Por Gabriel Cardoso
Em minhas andanças no terceiro setor brasileiro, três curiosos comportamentos recorrentes afloram à superfície, despertando, de forma persistente, meu incômodo. Vou dividir com vocês.
O primeiro comportamento se refere à escrita. Encontramos com frequência textos de atores que se veem apegados ao uso excessivo de verbos no imperativo, como se uma ordem imperiosa fosse a chave para a persuasão. É como se uma mera sugestão gentil não fosse capaz de atingir os corações dos leitores, e a necessidade de comandar pudesse tornar o tópico mais urgente, transformando o assunto em uma ação de sobrevivência.
Por exemplo, ao invés de usar “deve existir”, “é necessário”, “tem que mudar”; poderíamos, com sutileza, sugerir que “deveria existir”, “está entre as opções não consideradas”, “são caminhos possíveis” etc. Será que nossos textos não seriam menos antipáticos alterando o nosso modo verbal?
O segundo comportamento se refere à autopercepção. Em uma atuação digna de holofotes e aplausos, alguns atores do terceiro setor se erguem em um pedestal de suposta superioridade moral, lançando olhares benevolentes sobre as demais esferas econômicas ou sobre outros atores do terceiro setor que não rezam a sua cartilha.
Sob a luz desse palco, eles assumem a postura de virtuosos guardiões do altruísmo, bondade, compaixão, generosidade e sabedoria, pairando acima das imperfeições da sociedade em geral. É como se, quando decidiram abraçar a sua causa, sentiram-se no direito de julgar e condenar com veemência, num ato sutil de vaidade e prepotência disfarçadas, os valores, os comportamentos e as atitudes das pessoas que se dedicam a outras atividades econômicas ou as que adotam outras prioridades, dentro do próprio terceiro setor.
O terceiro comportamento que tem me intrigado trata da visão hierárquica da realidade. Este reside na tendência de uma parte dos atores do terceiro setor em hierarquizar as causas socioambientais, concedendo maior destaque, obviamente, àquelas que se coadunam com sua própria atuação. “Meio ambiente primeiro, saúde depois”, “não há transporte sem educação”, “a inclusão produtiva só importa em uma sociedade democrática”, “OSCs sim, negócios de impacto não” etc.
É como se um escrutínio criterioso fosse feito, seguido de atos condenatórios, favorecendo iniciativas com afinidades ideológicas. Em vez de abraçar a diversidade, a complexidade e a multidimensionalidade da vida humana, reconhecendo o valor intrínseco e geral de todas as causas, alguns atores podem acabar privilegiando apenas causas que mais se assemelham à sua própria identidade, de maneira discreta, mas se comportando assim de modo autoritário e preconceituoso.
Talvez fosse importante refletirmos enquanto terceiro setor, encontrando meios alternativos para expressar nossos textos de maneira persuasiva, sem recorrer à ditadura verbal do imperativo. Além disso, é imperativo – com o perdão do trocadilho – que alguns atores evitem a armadilha da autossuficiência moral, lembrando que o engajamento em causas nobres não os exime de reconhecer a diversidade de virtudes presentes em outros setores da economia ou em atuações de organizações que não as próprias. Por fim, a hierarquização de causas também poderia ser evitada, buscando-se, como substituta, uma visão abrangente, inclusiva e sistêmica que valorize o esforço conjunto na construção de um mundo mais solidário e sustentável.
Gabriel Cardoso é um profissional transdisciplinar, apaixonado por futuros, com abordagem humana e empreendedora. É administrador, com mestrado em educação, especialista em economia brasileira para negócios, além de educador do século 21 pela Universidade de Ciências Aplicadas de Tampere, Finlândia. Hoje é gerente-executivo do Instituto Sabin, organização responsável pelo investimento social privado do Grupo Sabin.
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