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Futuros Possíveis: no contexto de crise climática, ainda é possível esperançar caminhos de regeneração?

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À medida que a crise climática se intensifica, repensar nosso impacto no planeta se torna urgente. Neste texto, compartilho reflexões sobre sustentabilidade e saberes descentralizados, buscando caminhos para viver em harmonia com a natureza.

Imagine um dia em que as florestas se transformem em desertos áridos, os alimentos se tornem escassos e o ar se torne irrespirável. Esse cenário apocalíptico pode parecer distante, mas a realidade é que estamos nos aproximando rapidamente desse ponto crítico. Faltam algumas semanas para o Dia da Sobrecarga da Terra 2024, que será em 01 de agosto e marcará o momento em que a humanidade esgota os recursos naturais que o planeta pode regenerar em um ano, segundo o Global Footprint Network. Esta data sempre ressoa comigo em um lugar de reflexão, e gostaria que o que escrevo aqui também te alcançasse nesse lugar, mesmo que esse não seja o único motivo para pensarmos nesse colapso iminente. Não é.

Este marco é um sombrio reflexo da relação do ser humano com o meio ambiente ao longo da história e nos faz refletir também sobre as práticas que nos trouxeram até esse momento. O aquecimento global, a perda de biodiversidade e a degradação dos ecossistemas, dos quais somos parte integrada, são consequências diretas de um modelo econômico insustentável e de uma desconexão com a Terra.

A crise climática é, antes de tudo, uma crise da humanidade. Ela impacta nossas vidas, nossas comunidades e nossas culturas. É fundamental e urgente que repensemos a nossa relação com o planeta e busquemos alternativas que promovam a regeneração dos ecossistemas. Então, quando falamos de futuro, o que estamos imaginando? Que tipo de manutenções estamos dispostos a fazer e do que iremos abrir mão para conseguirmos viver em harmonia com os sistemas vivos da natureza?

Estamos presenciando uma transição intergeracional muito importante em meio a esses questionamentos. E são exatamente as diferentes leituras e cosmovisões que quero trazer para você, perspectivas descentralizadas e com uma narrativa que se contrapõe às visões colonialistas e ocidentais, que frequentemente trazem o dinheiro e a indústria do consumo como o centro das discussões sobre as questões climáticas. Onde a sustentabilidade se propõe a ser apenas a manutenção de um modelo que já existe, mas com melhorias incrementais. E a que ponto chegamos seguindo essa dinâmica.

Ancestralidade e Futuro: Uma Perspectiva Regenerativa

Ailton Krenak, ativista e liderança indígena, em seus livros “Futuro Ancestral” e “Ideias Para Adiar O Fim Do Mundo”, nos convida a mergulhar na sabedoria dos povos originários, que enxergam a Terra não como um recurso a ser explorado, mas como um ser vivo e interconectado com todos os seres. Krenak questiona a ideia de que o progresso tecnológico e econômico pode resolver todos os problemas da humanidade, apontando para as crises ambientais e sociais como evidências de seus limites.

“O progresso técnico-científico reduziu a vida a meros objetos de consumo. (…) A vida não pode ser redutível ao que pode ser medido, pesado e reduzido a cifras.” 

Antônio Bispo dos Santos, o Nêgo Bispo, que aqui poderia citar muitas coisas, de poeta a ativista, mas irei referenciá-lo como um importante mestre do saber, em seu livro “A Terra Dá, A Terra Quer”, também nos lembra que a Terra nos oferece tudo o que precisamos, mas espera algo em troca: respeito e cuidado. Ele afirma: “Devemos construir um futuro onde a terra seja valorizada não apenas como recurso, mas como um ser vivo que merece respeito e cuidado.” Não se trata apenas de tirar, mas de devolver, cuidar e regenerar. É uma relação de reciprocidade que devemos resgatar e valorizar.

Considerar a sustentabilidade, que discutimos hoje, como a única ferramenta já não é mais suficiente diante da urgência de soluções que precisamos pensar para conter os efeitos da crise climática. Nesse contexto, é importante também direcionar nossa reflexão para a origem desse pensamento sistêmico: que modus operandi nos trouxe até aqui? Como disse Krenak, “A visão de mundo que nós temos é um recorte. (…) A ciência ocidental é uma visão de mundo parcial, é uma versão.” Também é essencial entender que o “futuro possível” não parte de uma ideia de unificação; ao contrário, ele surge da compreensão de que não somos uma sociedade homogênea e que precisamos adotar uma perspectiva territorial para a regeneração.

Precisamos olhar para novos caminhos que promovam uma simbiose entre a humanidade e a natureza. Onde a regeneração nos levará a uma nova forma de ver, pensar, sentir, viver e se relacionar com este mundo. É importante compreender que diversos povos ao longo da história viveram e vivem com essa lógica de harmonia e ancestralidade dos saberes.

E se fizermos essa mudança sistêmica, o que irá acontecer? Essa é uma pergunta sem resposta definitiva. Não há uma linha de chegada clara, pois o ser humano está em constante movimento de evolução, seja pela busca de melhorias adaptativas ou pelo instinto de sobrevivência. Muitos dos impactos que causamos ao ecossistema da Terra podem ser irreversíveis. Muitos de nós, ainda presos a uma visão colonizada e só agora começando a despertar para a importância da regeneração, talvez não vivamos para ver esse futuro em sua completude. O que cabe nesse momento são os movimentos de tentativa.

A regeneração nos desafia a repensar nosso papel. Não se trata apenas de mitigar danos, mas de criar um mundo onde consigamos compreender que coexistimos com a natureza. É uma visão de futuro onde o progresso é medido não apenas pelo crescimento econômico, mas pela saúde e vitalidade dos ecossistemas e das comunidades. É um convite a adotar uma abordagem holística, onde cada ação, por menor que seja, contribui para um futuro regenerativo.

Dica: Para ampliar sua compreensão sobre o tema, recomendo as leituras de “Ideias para Adiar o Fim do Mundo” e “Futuro Ancestral” de Ailton Krenak, “Futurismo Ekológico Ancestral” de Lua Couto e “A Terra dá, A Terra quer” de Antonio Bispo dos Santos. A quem agradeço por tanto saber compartilhado. Estes materiais também são parte das fontes de pesquisa para este artigo.

Hidelgann Araújo é um estrategista de comunicação e mobilizador do terceiro setor, premiado pelo Anthem Awards e com o selo de Direitos Humanos da Prefeitura de São Paulo. Sua paixão pela criatividade e articulação de comunidades e histórias se traduz em uma trajetória que reflete a comunicação como uma ferramenta para gerar impacto social. Já colaborou com Canal Futura, Co.liga, Greenpeace, Politize!, SOMA+ e UNICEF, fortalecendo a sinergia do coletivo e valorizando a pluralidade como base para a inovação.

Hidelgann faz parte da Rede Impacta Nordeste.