Organizada pela Latimpacto, a conferência se consolidou como o principal evento de impacto social na América Latina e Caribe e contou com mais de 50 palestras, painéis e workshops.
Por Vanessa Prata, sócia-diretora da ponteAponte, em contribuição para o Impacta Nordeste
De 9 a 12 de setembro, a cidade de Oaxaca, no México, foi palco da 3ª edição da Conferência Impact Minds: Beyond Frontiers, que reuniu mais de 650 líderes do ecossistema de impacto social e ambiental de 36 países, incluindo 70 participantes do Brasil. Participei pela primeira vez do evento, ao lado de minha sócia na ponteAponte, Rachel Añón, e meu lado jornalista falou mais alto e propôs esta breve contribuição ao portal Impacta Nordeste.
Organizada pela Latimpacto, uma rede dinâmica de pares composta por mais de 210 provedores de capital, a conferência se consolidou como o principal evento de impacto social na América Latina e Caribe, após duas edições, em Cartagena (Colômbia) e no Rio de Janeiro. A programação contou com mais de 50 palestras, painéis e workshops, além de intervenções culturais e visitas de campo para conhecermos iniciativas sociais da região de Oaxaca.
Na sessão de abertura, María Carolina Suarez Visbal, CEO da Latimpacto, celebrou o recorde de pessoas participantes (653) e ressaltou que a região da América Latina e Caribe é cheia de oportunidades, mas também de desigualdades. “Se tem algo que nos distingue é que somos “mentes de impacto” – impact minds – capazes de transformar complexidades em oportunidades. Não temos as respostas para todos os problemas, mas a comunidade nos convida a colaborar, a somar a energia de cada um para alcançarmos resultados maiores e impacto em escala”, comentou.
Na sequência, Natalye Paquin, CEO da The Rockefeller Foundation, ressaltou o “poder da multiplicação”, de como uma ação pode desencadear outras transformações e ser uma força para o bem, citando o livro O ponto da virada (The Tipping Point): Como pequenas coisas podem fazer uma grande diferença, de Malcolm Gladwell.
Entre os principais temas abordados nas sessões paralelas, destacaram-se a importância da confiança na filantropia, a necessidade de transformarmos beneficiários em protagonistas, o crescente uso de inteligência artificial e seus desafios no ecossistema de impacto, o uso de dados para desenvolvermos ecossistemas de inovação social, questões climáticas, investimentos em grupos minorizados e/ou marginalizados, dentre outros. São tantas atividades acontecendo ao mesmo tempo que fica difícil escolher de qual participar. A seguir, destacarei apenas alguns pontos desses dias intensos.
Filantropia baseada na confiança
O tema não é novo (a própria ponteAponte realizou um webinário sobre confiança na filantropia há mais de 2 anos), mas a discussão segue relevante. Lembra aquele antigo dilema da propaganda de uma famosa bolacha recheada (ou biscoito para quem preferir): as organizações financiadoras precisam confiar nas organizações a serem apoiadas antes de doar, ou devem doar e confiar que elas farão um bom trabalho?
Aline Odara, fundadora e diretora-executiva do Fundo Agbara, primeiro fundo de mulheres negras do Brasil, ressaltou a dificuldade enfrentada para conseguir recursos pela falta de confiança dos investidores: “Eu vim do movimento social, tinha uma postura mais radical no início, e as pessoas não confiavam em mim. Depois entendi que é porque eu sou diferente delas. As pessoas confiam em quem é parecida com elas. Então criei um personagem para liderar o Agbara e construir esses relacionamentos. Confiança é sobre relacionamentos”.
No mesmo painel, Erika Laveaga, cofundadora e diretora da fundação comunitária Comunidar, do México, comentou como engajar e construir confiança tanto com investidores como com as organizações apoiadas: “Escutar, entender, alinhar, esperar e voltar a escutar. Temos que sempre dar um passo atrás e colocar o interesse coletivo acima do individual para que haja um propósito unificado”.
Se criar confiança já é difícil, mensurá-la torna-se um desafio ainda maior. Para Emilia González Carmona, diretora do Centro de Filantropía e Inversiones Sociales, parte da Escola de Governo da Universidad Adolfo Ibáñez (CEFIS UAI), do Chile, é importante que as organizações tenham uma Teoria de Mudança, um marco inicial para saber que estão caminhando na direção de suas metas. A pergunta a ser respondida é “o que aconteceria se não fizéssemos nada?”. É importante estabelecer três ou quatro indicadores macros, vinculados ao foco central do projeto, e compará-los à Teoria de Mudança.
Mudanças climáticas e investimentos de impacto
Um dos momentos mais emocionantes da conferência foi a fala de Fernanda Camargo, sócia cofundadora da Wright Capital, na sessão sobre Portfólios de Impacto, ao comentar as queimadas que São Paulo estava vivenciando. “O planeta está sofrendo. Esse modelo [de sociedade/capitalismo] não está funcionando. Precisamos aprender com a natureza como trabalhar juntos. É uma jornada que temos que fazer rápido e juntos. Senão, em que mundo nossos filhos vão viver?”, questionou.
Ao falar dos clientes da Wright Capital, que concentram cerca de 50% a 60% da riqueza do país, a boa notícia, segundo Fernanda, é que há mais famílias conscientes, querendo assumir riscos de investir em impacto social. “É difícil competir com taxas de retorno do mercado, mas o impacto social tem que ser maior. Procuramos mostrar que nas taxas de mercado há ‘sangue’ por trás e ir conscientizando nossos clientes a pensar em impact-first. Claro que alguns não se importam, mas a maioria já está preocupada sim”.
Logo após o evento, Laís Rocha, líder de impacto na VOX Capital, reforçou em seu perfil em uma rede social a mesma temática: “Participar do Latimpacto foi uma oportunidade valiosa para discutir as melhores práticas e explorar novas formas de gerar impacto socioambiental positivo, fortalecendo nosso ecossistema e ampliando nossa rede de colaboração. Essa discussão é especialmente relevante em um momento crítico: na mesma semana, São Paulo, a maior economia do Brasil, com um PIB de R$ 803,6 bilhões, enfrentou a pior qualidade do ar do mundo, de acordo com dados da IQAir. Esse cenário reforça a urgência de soluções inovadoras para os desafios climáticos e sociais que enfrentamos”.
Usos e desafios da IA e dados para impacto social
Não é novidade que a tecnologia está cada vez mais presente em todos os setores, inclusive quando falamos de impacto social, e o uso de inteligência artificial vem ganhando destaque nos últimos anos. O termo “tech for good” refere-se ao uso da tecnologia para abordar e resolver desafios sociais e ambientais sempre que seja implementada de maneira responsável e equitativa. Por outro lado, há ainda muitos desafios e lacunas na regulação do uso dessas tecnologias.
Para quem, assim como eu, ainda está engatinhando na área, a plataforma AI for Good (em inglês e espanhol) conecta inovadores de IA com organizações que precisam encontrar soluções práticas para seus desafios, além de trazer diversos conteúdos sobre o tema. Já a Readiness Assessment Methodology (Recomendação sobre a Ética da Inteligência Artificial, na versão em português), da UNESCO, é uma ferramenta concebida para ajudar os países a compreender o quão preparados estão para aplicar a IA de forma ética e responsável para todos os seus cidadãos. O objetivo da RAM é identificar pontos fortes e lacunas dos países beneficiários no que diz respeito à capacidade de facilitar o design, desenvolvimento e uso ético da IA, e como abordá-los.
Já para as organizações da sociedade civil e instituições financiadoras de toda a América Latina, acabou de ser lançada a plataforma lupa, criada em parceria pela Zigla e ponteAponte. Apresentada no painel sobre uso de dados para impacto social, a lupa é uma ferramenta que permite avaliar capacidades organizacionais, em 7 dimensões principais do desenvolvimento institucional, e gerar recomendações para fortalecer essas capacidades. Disponível em português e espanhol, a ferramenta é gratuita. No próximo dia 2 de outubro, haverá um webinário de lançamento para explicar em detalhes seu uso, fique de olho!
Conexões para transformar
O evento também foi um espaço valioso para networking, permitindo que empreendedores e investidores compartilhassem experiências e formassem parcerias. Gabriel Cardoso, gerente-geral do Instituto Sabin, compartilhou em um post em uma rede social a relevância desses espaços: “O valor principal do evento está além da programação acadêmica. Está, sim, na capacidade de criar relações mais autênticas, humanas e profundas entre os atores do setor de impacto. A intensa convivência técnica, social e cultural, promovida por meio de atividades e imersões, contribui de maneira muito especial para que possamos nos conectar e assim atuar de forma mais colaborativa, alinhada e pavimentada por mais confiança”.
Amane Dias, coordenadora-sênior de investimento de impacto na Sitawi Finanças do Bem, também reforçou em sua publicação pós-evento a importância desses encontros: “As trocas foram muito enriquecedoras, muitos aprendizados e reflexões importantes sobre o papel catalítico do dinheiro, olhar sistêmico para o social e o ambiental, necessidade de formação de mais pessoas em temáticas de impacto positivo, o poder da colaboração e a confiança nas relações humanas. Foi muito inspirador estar presente nessa conferência, reencontrar parceiros e amigos, conectar com novas pessoas e fortalecer a rede de impacto”.
Além das trocas no próprio centro de convenções, os participantes tiveram a oportunidade de conhecer negócios sociais e OSCs locais. No meu caso, visitei uma comunidade de mulheres tecelãs de Teotitlán del Valle, a 30 km de Oaxaca. Em sua apresentação, elas reforçaram a importância do trabalho comunitário e inclusivo para as mulheres, numa região ainda dominada pelo pensamento machista que, frequentemente, subjuga as mulheres a seus companheiros ou pais.
Por tudo isso, foi uma experiência incrível poder participar da Latimpacto pela primeira vez! A próxima edição será em Medelín, na Colômbia. Nos vemos lá?
Vanessa Prata é sócia-fundadora e diretora de comunicação da ponteAponte. Mestre em Letras (USP), graduada em Jornalismo (Cásper Líbero) e com MBA em Gestão, Liderança e Inovação (FGV), tem mais de 13 anos de experiência no ecossistema de impacto social.