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Dia da Consciência Negra: a força do Nordeste na luta antirracista

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Mais do que um reconhecimento, o feriado nacional é um chamado à reflexão e à ação contra o racismo estrutural. No Nordeste, onde o legado negro é vibrante e incontestável, a data também celebra as conquistas e a resistência de um povo que continua moldando o Brasil.

Neste 20 de novembro, o Brasil celebra pela primeira vez o Dia da Consciência Negra como feriado nacional. A data, marcada pelo legado de Zumbi dos Palmares, é um marco para refletir sobre a resistência negra, que moldou a história e a cultura do Brasil. O Nordeste, com sua rica herança afrodescendente e protagonismo em movimentos de luta e preservação da identidade negra, destaca-se como um território de resistência e transformação.

O Quilombo dos Palmares: símbolo de resistência

Localizado na Serra da Barriga, no atual município de União dos Palmares, Alagoas, o Quilombo dos Palmares foi o maior e mais duradouro quilombo do período colonial. Estima-se que tenha existido por quase um século (cerca de 1597 a 1694) e abrigado até 30 mil pessoas. A organização do quilombo, com suas bases econômicas, sociais e militares, representava uma alternativa ao sistema escravocrata.

Leia também: Dia Nacional da Consciência Negra: conheça novas frentes de combate ao racismo estrutural

Zumbi dos Palmares, líder máximo do quilombo, nasceu livre, mas foi capturado ainda criança e entregue a um padre católico. Educado sob os preceitos da igreja, fugiu aos 15 anos e retornou ao quilombo, onde assumiu a liderança. Sob seu comando, Palmares resistiu a inúmeras investidas das forças coloniais, tornando-se um símbolo de liberdade.

Personagens históricos do Nordeste e seu legado

A luta pela preservação da ancestralidade e pela liberdade encontrou no Nordeste não apenas um palco, mas protagonistas que marcaram a história do Brasil.

Luísa Mahin

Luísa Mahin, uma mulher negra e livre nascida em Salvador, destacou-se como articuladora de movimentos como a Revolta dos Malês, em 1835, liderada por africanos muçulmanos escravizados. Quituteira por profissão, usava sua rede de contatos para disseminar mensagens entre líderes revoltosos. Luísa, cuja força inspirou seu filho, o abolicionista Luís Gama, acreditava profundamente na liberdade.

Ilustração de Luísa Mahin. (Ilustração: Thiago Krening/TVE/RS)

Nego Bispo (José do Nascimento Silva)

Outro exemplo contemporâneo é José do Nascimento Silva, mais conhecido como Nego Bispo, nascido no Piauí. Agricultor, poeta e escritor, Bispo, que faleceu em 2023, foi uma das maiores vozes quilombolas do Brasil. Ele defendeu que os quilombos não são apenas territórios físicos, mas sistemas sociais baseados na coletividade e no respeito à terra. Sua visão sobre os saberes ancestrais reflete um pensamento crítico. Sua atuação destaca-se na luta pela titulação de terras quilombolas e pela valorização dos saberes ancestrais.

Nêgo Bispo (Divulgação/Guilherme Fagundes)

Mãe Menininha do Gantois (1894-1986)

Na esfera religiosa, Maria Escolástica da Conceição Nazaré, conhecida como Mãe Menininha do Gantois, foi uma das maiores ialorixás da Bahia. Líder do Terreiro do Gantois, enfrentou décadas de preconceito e repressão contra as religiões de matriz africana. Mãe Menininha desempenhou um papel crucial na preservação dessas práticas.

Mãe Menininha do Gantois (wikipedia)

Milton Santos (1926-2001)

Já no campo intelectual, o geógrafo baiano Milton Santos trouxe reflexões que conectam desigualdades sociais, raciais e territoriais. Exilado durante a ditadura militar, Santos desenvolveu teorias que questionam o impacto da globalização e propõem alternativas mais humanas. Em obras como Por uma Outra Globalização, defendeu a justiça social e a igualdade.

Milton Santos (CEB)

Resistência e contribuições culturais no Nordeste

A cultura negra é a base de muitas expressões nordestinas: a capoeira, nascida nas senzalas, mistura luta e dança como forma de resistência; a culinária afro-brasileira, com pratos como vatapá e acarajé, é símbolo da influência africana; e a música, representada pelo samba de roda e pelo maracatu, por exemplo, ecoa as tradições trazidas pelos ancestrais.

A desigualdade racial persiste

Embora o Brasil seja marcado pela riqueza da cultura afrodescendente, os dados revelam profundas desigualdades raciais que persistem em diversas áreas. No mercado de trabalho, negros ganham, em média, apenas 56% do salário recebido por brancos, segundo dados do IBGE de 2023. No campo da educação, a desigualdade também é alarmante: apenas 18% da população negra conclui o ensino superior, enquanto entre os brancos esse índice chega a 36%.

A violência é outro reflexo cruel do racismo estrutural. Jovens negros representam 77% das vítimas de homicídios no Brasil, evidenciando a vulnerabilidade dessa população diante da violência urbana e policial. No que diz respeito à terra, menos de 10% das comunidades quilombolas têm suas terras oficialmente reconhecidas pelo Estado, um direito garantido pela Constituição Federal, mas negligenciado na prática.

O Dia da Consciência Negra: um chamado à reflexão

Esses números reforçam a urgência de ações concretas para combater o racismo estrutural e criar oportunidades igualitárias para todos os brasileiros. O Dia da Consciência Negra é uma data que deve inspirar não apenas celebração, mas também mobilização por justiça e equidade.

O feriado nacional é mais do que um reconhecimento, é um chamado à reflexão e à ação contra o racismo estrutural. No Nordeste, onde o legado negro é vibrante e incontestável, a data também celebra as conquistas e a resistência de um povo que continua moldando o Brasil.