Conversamos com Paulo Henrique, acadêmico e empreendedor baiano fundador da Startei, sobre a relação da academia com o empreendedorismo, a potência dos negócios de impacto e criativos da Bahia e a evolução do ecossistema local
Um apaixonado pelo trabalho em rede, Paulo Henrique acredita que o empreendedorismo é um comportamento, que precisa ser contínuo e sistêmico, não se resumindo a abertura de um CNPJ. Paulo é baiano, mestre em Desenvolvimento Regional e Urbano e graduado em Turismo e Hotelaria. A partir de sua atuação na academia, criou a primeira incubadora de negócios de impacto social na Bahia. Em seguida fundou a Startei, uma empresa que ajuda negócios a criarem soluções de impacto para o mundo. E a partir da próxima semana ele passa a ser um colunista no portal Impacta Nordeste.
Transitando entre o ambiente acadêmico e o ecossistema de empreendedorismo, Paulo tem em seu currículo diversos prêmios na área: 1º lugar no Nordeste e 3º lugar no Brasil do Prêmio Nacional de Educação Empreendedora do SEBRAE, Prêmio Nacional Boas Práticas na Academia, de incentivo ao empreendedorismo feminino comunitário, com o Programa Mulheres Anjo e Empreendedoras, entre outros.
Com a consultoria Startei, ele tem conseguido colocar em prática e direcionar sua carreira no intuito de colaborar com pessoas que querem mudar o mundo. “A Startei é hoje praticamente um hub de inovação com produtos, serviços desenvolvidos especificamente para a área de inovação, economia criativa e empreendedorismo social”, explica.
Conversamos com o Paulo Henrique sobre sua trajetória, empreendedorismo, o ecossistema de negócios de impacto social e economia criativa na Bahia e no Nordeste.
Conte um pouco sobre sua trajetória. Como começou a atuar com empreendedorismo?
Sou de uma época em que o empreendedorismo não era tão disseminado e estimulado. Nasci e me criei no bairro da Liberdade, em Salvador/BA, local que concentra muitos movimentos artísticos, manifestações da cultura negra e também desafios socioeconômicos, que sempre obrigaram boa parte da população, assim como eu, a construírem sua vida pautada no empreendedorismo por necessidade.
Desde os meus três anos de idade, quando participava dos movimentos de minha mãe para realizar o sonho de ter uma loja, até o dia que me tornei a primeira pessoa da família a ter ensino superior, eu absorvi muitos conhecimentos relacionados ao comportamento empreendedor que não são ensinados em lugar nenhum e que foram fundamentais para garantir segurança na minha jornada empreendedora. Minha vida sempre foi observar todos esses comportamentos e buscar soluções para tudo que acontecia no meu entorno familiar, relações de vizinhança e no bairro.
A diferença é que naquela época, não haviam os mesmos estímulos, redes de apoio e romantização que marcam o cenário atual. Considero o marco temporal da minha profissionalização no empreendedorismo ter sido membro fundador e presidente da empresa júnior na área de Turismo na minha universidade. Foi muito difícil, mas também foi uma grande escola para mim, porque eu sabia que ou sairia traumatizado ou com muita experiência. Era um mercado difícil, numa universidade pública, que tinha pouco apoio dos professores, realizando todos os projetos sem nenhum recurso, liderando uma equipe de mais de vinte colegas de semestres diferentes e sem ter estudado nada sobre negócio.
Mas desde então não parei de trabalhar com empreendedorismo. Quando acabou aquela experiência pensei: “é isso que eu vou fazer. Se construímos isso sem nada, eu faço o que eu quiser”. A partir daí, passei a ajudar as pessoas a realizarem seus projetos, a empreender e usarem suas habilidades com criatividade.
Como surgiu sua aproximação com os negócios de impacto social?
A minha relação com os negócios de impacto começou há quase 15 anos. Nessa época esse termo não era disseminado aqui no Brasil. Eu chamava de negócios de base comunitária. Durante minha formação acadêmica em turismo comecei a perceber que o sucesso na minha área era sinônimo de trabalho junto às grandes cadeias hoteleiras, aos modelos de turismo de massa, produção de produtos turísticos num modelo fordista e aquilo me incomodava profundamente.
Em todos os casos a comunidade era explorada, não havia distribuição de renda, havia uma enorme degradação ambiental e exploração de mão de obra. Comecei a pesquisar modelos alternativos e encontrei os negócios de base comunitária. Me dediquei a entender como funcionavam, fiz um mestrado sobre o tema relacionado ao turismo, ganhei um prêmio de melhor dissertação de mestrado com o tema turismo e negócios de base comunitária e notei a carência de pessoas trabalhando na área de negócios de impacto em Salvador e no Nordeste.
Na época, eu era professor de uma universidade e ao ser convidado para atuar com empreendedorismo social, criei uma incubadora de negócios de impacto social, a primeira na Bahia, e que ajudou o desenvolvimento do nosso ecossistema. Em paralelo, na minha empresa de consultoria, começamos a criar produtos e metodologias para atender esse mercado de negócios de impacto que começava a crescer, mas tínhamos carência de empresas e profissionais capazes de fortalecer esses negócios.
Em que estágio está o ecossistema atualmente na Bahia e do Nordeste?
Olhando a linha do tempo de desenvolvimento do nosso ecossistema de empreendedorismo, inovação e impacto social, posso dizer que estamos evoluindo. Porém, o ritmo poderia ser mais rápido, sem tantos altos e baixos, mais democrático e poderia contemplar nossas características socioculturais. Não tenho dúvidas de que Salvador é a capital da economia de impacto social e que deve capitanear essa transformação do Nordeste e estou trabalhando para isso.
Por outro lado, meus estudos atuais estão debruçados em olhar para os ecossistemas de impacto social e economia criativa e, infelizmente, há uma concentração de atores nas regiões Sudeste, sobretudo no eixo Rio-SP. Cenário que se repete em diversos setores da economia, já que são regiões onde há maior concentração de “riqueza” e desenvolvimento industrial.
Destaco o papel da Enimpacto (Estratégia Nacional de Investimentos e Negócios de Impacto), que, em 2017, começou a engajar estados do Nordeste para terem estratégias de investimentos e negócios de impacto aprovadas por lei. Tenho acompanhado essa evolução na Bahia, mas ainda é necessário mais estruturas de fomento, apoio e recursos que subsidiem o surgimento de negócios de impacto.
Outro ponto importante é a descentralização dessas estruturas. Nota-se a ausência de estratégias para interiorização das práticas de inovação e empreendedorismo. E quando pensamos em capital, é necessário acessar as periferias, gerar sentimento de pertencimento e criar mecanismos de acesso a conhecimento e a recursos financeiros que estão concentrados nos empreendedores homens, brancos, héteros, jovens e de classe média.
Em sua opinião, quais são os maiores desafios para quem quer empreender nesse setor?
O Negócio de Impacto Social é um negócio com a mesma complexidade de um empreendimento tradicional. Ele não é menor, não é apenas um projeto social ou uma ação pontual. Esse é o primeiro desafio de quem empreende com impacto. Ainda existe uma fatia do mercado, que acredita que os empreendedores sociais, normalmente, entendem pouco de negócio. Isto porque, precisam focar em resolver um problema social e não apenas em vender produtos e serviços. É um “mindset” equivocado.
Eu costumo dizer que quem tem um negócio social (negócio raiz, não empreendedorismo de palco como tem vários hoje nas redes sociais) é o perfil de um empresário mais completo, que precisa responder desafios muito mais complexos. A pessoa à frente de um negócio de impacto precisa ter um mergulho seguro no problema socioambiental que se propõe a resolver. É fundamental entender o que já foi feito antes, quais políticas públicas não atenderam aquela realidade, pois só assim vai conseguir compreender o que pode fazer de melhor, mais barato e acessível para resolver o problema. Tem que fugir de uma visão enviesada e ingênua do problema.
A partir daí, é estruturar uma solução de mercado, que tem um custo e pode ser adquirida por alguém. Esse “alguém” nos negócios de impacto é uma charada que precisa de atenção especial, porque, normalmente, é híbrido e envolve pessoa física, jurídica, parceiros, poder público, cliente, beneficiário e etc. O sucesso dos negócios de impacto acontece quando quanto mais produto e serviço se vende, mais receita se gera, mais melhoria socioambiental é promovida e se tem diminuição de pessoas enfrentando os problemas mapeados. Não há opção entre resolver problemas e ganhar dinheiro, queremos as duas coisas.
Qual é o papel da academia no fomento aos negócios de impacto?
Como professor posso afirmar com toda certeza que a academia é um dos atores mais importantes e por isso devemos acreditar na democratização do acesso. Ela colabora com a construção da base e do terreno adequado. Mohamed Yunus, grande figura dos negócios de impacto e que eu sou fã, no seu livro “Criando um Negócio Social: como iniciativas economicamente viáveis podem solucionar os grandes problemas da sociedade” diz: “Quando você planta a melhor semente da árvore mais alta num vaso pequeno, obtém uma réplica da árvore mais alta, só que com apenas alguns centímetros de altura. Não há nada de errado com a semente plantada; o único problema é que a base, o solo que você deu a ela, foi insuficiente.”
Para mim, a academia é capaz de ajudar a construir solos mais férteis, tirar o melhor das pessoas e plantar sementes. Por outro lado, devemos criar mecanismos de integração entre o que é desenvolvido na academia e o ecossistema empreendedor para avançarmos. Faço parte da rede de professores do Programa ICE (Instituto de Cidadania Empresarial) com mais de 130 professores e 50 instituições de ensino para pensarmos em pesquisa, ensino e extensão voltadas à agenda de investimentos e negócios de impacto. É preciso transformar o que estamos estudando em bens aplicáveis e úteis à comunidade onde as instituições de ensino estão inseridas.
Como vê a atuação das empresas da região com esse ecossistema? O que falta para terem uma participação mais ativa no fomento a esse ecossistema?
Existe muito espaço para amadurecimento e crescimento dessa relação, interação e participação entre as empresas. É importante reconhecer que nos últimos seis anos aumentamos o número de organizações preocupadas com essa temática. É preciso uma estratégia comum para viabilizar a criação e implementação de incubadoras e aceleradoras, mas também abrir espaço para pensar que os ecossistemas querem outros formatos menos tradicionais de fomento.
É necessário atrair empresas que possam fazer investimentos desde um capital semente, a investimentos mais complexos como equity para os mais diversos tipos de negócios. No Nordeste esse tipo de investimento é muito discreto e, apesar da quantidade de fundos que investem na agenda de impacto ter aumentado, a região ainda não faz parte do circuito tradicional. Em paralelo a isso, se estimularmos mais empreendedores a entenderem o que é impacto e qual a importância do seu negócio social para o desenvolvimento de cidades, certamente, teremos um maior número de empresas atuando no campo. E dessa forma uma pressão maior para a construção de políticas públicas, mais fundos de investimento e do despertar do interesse de prefeituras, governos de estado, bem como de universidades e associações.
Salvador vem liderando o número de startups no Nordeste. Isso é fantástico, porque mostra a nossa força como região, nosso pioneirismo desde a primeira capital do Brasil e tantos outros movimentos importantes que estivemos presentes como: Tropicália, Irmandade da Boa Morte, Manifestações do São João, Carnaval, Olodum, Candeal. Toda essa essência criativa tem muito a nos ensinar. As estratégias de fomento, normalmente, querem “inventar a roda” quando deveriam fortalecer os mecanismos já existentes.
A economia criativa é outro setor que tem bastante força na região. Acredita que há sinergias entre a economia criativa e os negócios de impacto?
Sem dúvidas. A economia criativa e a de impacto social fazem parte do que eu entendo como “novas economias” que começaram a ter seus conceitos sistematizados, com mais evidência, a partir de 1996. Ambas trazem na sua lógica de atuação o paradigma da abundância que considera nossa capacidade de criar e não de estocar. Eu poderia destacar algumas outras sinergias como trabalhar reconhecendo os recursos intangíveis.
Existe uma lógica de transição da economia de indústria para serviço, cooperação ao invés de competição, grande valorização de reputação da marca, absorção de novas profissões e profissionais multidisciplinares, desvio da centralização e da verticalização, diminuição da burocracia, busca por um propósito de impacto social e por valores compartilhados com comunidades e tantos outros. Eu acredito na economia de impacto e na economia criativa como as grandes tendências dos próximos anos.