Opinião

Como descansar na sociedade do cansaço?

4 mins de leitura

Pra quem trabalha no setor social, descansar é um ato revolucionário. Angela Davis outro dia comentou “toda pessoa interessada em promover a mudança no mundo também precisa aprender a cuidar de si mesma”, por que esse cuidado é essencial à vida, a renovação das energias.

Estamos todos cansados. Afinal, não tem sido anos fáceis: Emergências sociais e ambientais não param de acontecer, momentos de reflexão sobre o trabalho, o mundo; Manter-se “produtivo” em meio a tantas emoções; Estímulos e tantas informações ora questionam o que precisamos para ser “bem sucedido”, ora mostram as mazelas que estão acontecendo, ora chamam a atenção para a notícia mais inútil sobre a vida de alguém que não conhecemos (mas aparentemente é famoso). O cansaço que nessa sociedade capitalista e moderna já era  sinônimo de sucesso, produtividade e eficiência, ganhou novos status em anos pandêmicos, com elevado uso de tecnologia artificial e redução de contato humano.

Como posso descansar na sociedade do cansaço? Nesse momento em que nossa atenção é o bem mais disputado, como não fazer nada?

De acordo com a Saundra Dalton-Smith, o descanso para ser renovador precisa contemplar sete áreas da vida: físico, mental, sensorial, criativo, emocional e espiritual. Ou seja, não bastam apenas horas de sono, bom e profundo. Precisamos olhar para mais dimensões da nossa vida, sabendo que somos seres vivos complexos e que a simplicidade que esse tema geralmente é tratado, não alcança nossa necessidade plena.

Esse texto é um convite para olhar para essas dimensões e quem sabe te ajudar a tomar decisões por onde você vai começar a cuidar de si e qual cansaço precisa de mais atenção.

Pensando nas dimensões do nosso descanso, como desacelerar e retomar forças?

1- Precisamos entender que o descanso físico que pode ser passivo ou ativo. Dormir e cochilar, seriam descansos passivos mais comuns, enquanto o descanso físico ativo significa fazer atividades restauradoras, como yoga, alongamento e massagens que ajudam a melhorar a circulação e a flexibilidade do corpo.

2- Para promover um descanso mental, não somente pausas longas como férias são importantes. Mas, pausas curtas que possam ocorrer a cada duas horas durante o dia de trabalho; 3-5 minutos já podem lembrá-lo de ir mais devagar. Você também pode manter um bloco de notas ao lado da cama para anotar quaisquer pensamentos irritantes que o mantenham acordado. Práticas meditativas, seja mais clássicas (meditação propriamente dita) ou artística quando um hobby ou terapia (as diferentes formas de arte ou artesanato) são restauradoras dos mecanismos cerebrais.

3- O terceiro tipo de descanso de que precisamos é o descanso sensorial. Luzes brilhantes, telas de computador, ruído de fundo e várias conversas – seja em um escritório ou em chamadas do Zoom – podem fazer com que nossos sentidos se sintam sobrecarregados. Isso pode ser cuidado fazendo algo tão simples como fechar os olhos por um minuto no meio do dia, ou desligando intencionalmente os aparelhos eletrônicos no final de cada dia. Para mim tem funcionado bastante estabelecer o “fim do uso de eletrônicos” no fim do dia e deixá-los em outro cômodo da casa. Momentos intencionais de privação sensorial podem começar a desfazer o dano infligido pelo mundo superestimulante.

4- O quarto tipo de descanso é o descanso criativo. Esse tipo de descanso é especialmente importante para quem precisa resolver problemas ou desenvolver novas ideias. O descanso criativo desperta o espanto e a admiração dentro de cada um de nós. Permitir-se contemplar a beleza do ar livre – mesmo que seja em um parque local, nas plantas da sua casa, nas coisas que consome ao comer ou no seu quintal – proporciona um descanso criativo. Mas o descanso criativo não se trata apenas de apreciar a natureza; também inclui desfrutar das artes, tornar nosso ambiente inspirador e acolhedor sempre que possível com elementos que nos inspiram sonhos e desejos positivo.

5-Na dimensão da nossa interação social precisamos falar de descanso emocional, o que significa ter tempo e espaço para expressar livremente seus sentimentos e reduzir o prazer das pessoas. O descanso emocional também requer coragem para ser autêntico. Uma pessoa emocionalmente descansada pode responder à pergunta “Como você está hoje?” com um verdadeiro “Eu não estou bem” – e, em seguida, passe a compartilhar algumas coisas difíceis que, de outra forma, não seriam ditas. O descanso emocional requer auto-conexão (qual a minha necessidade e como posso comunicá-la), dizer não e estabelecer limites.

6- Se você precisa de descanso emocional, provavelmente também tem um déficit de descanso social. Isso ocorre quando deixamos de diferenciar os relacionamentos que nos reanimam daqueles que nos exaurem. Para experimentar mais descanso social, cerque-se de pessoas positivas e solidárias. Mesmo que suas interações precisem ocorrer virtualmente, você pode optar por se envolver mais nelas ligando a câmera e focando em com quem está falando.

7- De acordo com a Saundra, o último tipo de descanso é o descanso espiritual, que é a capacidade de se conectar além do físico e mental e sentir um profundo sentimento de pertencimento, amor, aceitação e propósito. Para receber isso, envolva-se em algo maior do que você e acrescente oração, meditação ou envolvimento comunitário à sua rotina diária.

Esses descansos me lembraram bastante as necessidades pontuadas por Maslow em sua teoria e o trabalho inspirador da Jenny Odell em “how to do nothing” traduzido como “Resista, não faça nada: a batalha pela economia da atenção” pela editora latitude. E podem ser fontes de aprofundamento desse tema.

Falar/pensar em descanso pode ser também um privilégio e precisamos ter responsabilidade sobre tê-lo. Nesse sentido quero dizer que precisamos descansar bem, para termos forças e capacidades renovadas para seguir trabalhando para que mais pessoas o tenham também.

Bom descanso a todos vocês.

Raiana Lira. Mulher preta e nordestina. Gerente de programas nacionais, latinoamericanos e internacionais no Amani Institute. Consultora de negócios para gestão centrada na pessoa e impacto social positivo. Educadora e facilitadora de processos para que pessoas possam resolver problemas de maneira inovadora, através do desenvolvimento de habilidades e descobrimento de suas potências. Cientista e professora universitária por 12 anos. Desde 2015 no campo do empreendedorismo com propósito para construir um mundo com mais justiça social e ambiental. Nas horas vagas poeta e aprendiz de várias artes. Acredito na potência do sonho e da vontade de transformar!