A SDW, negócio de impacto que nasceu na Bahia e tem o trabalho reconhecido pela ONU, já impactou quase 14 mil pessoas em 11 estados do Brasil levando o acesso à água potável para as regiões com maior escassez hídrica. Conversamos com Anna Luísa Beserra, CEO da SDW que está em Dacar (Senegal) para participar do Fórum Mundial da Água, sobre os desafios para promover o acesso à água potável no Nordeste.
Hoje, 22 de março, é o Dia Mundial da Água, data criada pela ONU, com intuito de tornar esse dia um momento de promover ações que levem a debater e conscientizar sobre a conservação e desenvolvimento dos recursos hídricos e o acesso da população mundial à água potável e ao saneamento básico.
O Nordeste é a região brasileira em que o acesso à água é mais escasso, pois conta com apenas 3% da água doce superficial de todo território nacional, enquanto a região Norte reúne 68% de toda a água doce do país. Para além dessa discrepância, muitos outros fatores, que vão além das dificuldades climáticas, como épocas de estiagem, levam ao agravamento desse recurso hídrico no Nordeste. A região sofre com a seca ano após ano e com os impactos econômicos e sociais que a falta de disponibilidade hídrica trazem para a população.
De acordo com o estudo “Acesso à água nas regiões Norte e Nordeste do Brasil: desafios e perspectivas” realizado, em 2018, pelo Instituto Trata Brasil, 26,7% da população nordestina não tinha acesso à água tratada. Dados reforçados pelo estudo do IBGE, realizado em 2019, que afirma que apenas 69% da população da região contava com abastecimento de água diário, o que representava a menor cobertura diária de abastecimento por região no Brasil.
Porém, diversas iniciativas têm mitigado, pouco a pouco, a escassez hídrica na região e elevado o acesso ao saneamento básico. Nesse esforço, os negócios de impacto também podem cumprir um importante papel. É o caso da startup de impacto socioambiental Sustainable Development & Water for All (SDW), fundada em 2015 com o propósito de mudar vidas de famílias em situação de vulnerabilidade social, por meio do acesso à água potável e saneamento e, consequentemente, promover a melhoria na saúde, educação e renda dessas famílias.
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A SDW, nesses sete anos, expandiu sua atuação a 11 estados brasileiros e impactou quase 14 mil pessoas com projetos que resolvem diferentes problemas de saneamento desenvolvidos pela startup em parceria com outras empresas e organizações. Essas iniciativas totalizaram R$ 80 milhões economizados em saúde, saneamento e educação para a sociedade.
As ações desenvolvidas pela SDW que têm promovido soluções de qualidade para regiões rurais e demais espaços que sofrem com a ausência dos serviços de saneamento básico estão alinhadas com ODS 6, um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, que foram estabelecidos pela ONU como metas a serem atingidas na Agenda de 2030. A SDW tem sido reconhecida internacionalmente por instituições como a ONU, UNESCO, LLYC, MIT e muitas outras.
Conversamos com Anna Luísa Beserra, CEO da SDW, que já apareceu em listas como a Forbes Under 30, é LinkedIn Top Voice & Creator e está entre os “20 jovens inspiradores nos seus 20” eleitos pela McKinsey & Company. A empreendedora está participando do 9º Fórum Mundial da Água 2022, em Dakar, Senegal. Nessa entrevista ela fala um pouco sobre os desafios para promover o acesso à água potável no Brasil e de como foi sua participação e qual a expectativa do FMA.
Impacta Nordeste – Nesses sete anos de atuação, como foi a evolução do trabalho da SDW?
Anna Luísa Beserra – Foi grande, considerando que comecei com 17 anos sem saber o que era empreendedorismo e sem nenhuma experiência anterior. Foi um mix de teoria e prática que tornou o processo de entrada no mercado lento, mas rápido do ponto de vista de crescimento profissional. Com a experiência que adquiri hoje, o processo de iniciar um negócio tornou-se mais fácil e rápido. E agora temos uma equipe fantástica de 12 pessoas que trabalham de forma complementar para que nosso crescimento continue escalável.
IN – Atualmente, quais são as principais soluções e projetos da SDW?
ALB – Atualmente temos 6 soluções, 4 delas estão no mercado, uma está em finalização de protótipo (devendo chegar no mercado em setembro) e uma está em desenvolvimento inicial (ainda em fase de sigilo). Temos 5 produtos que resolvem diferentes problemas de saneamento. São eles:
Aqualuz: Nosso principal produto, premiado pela ONU e UNESCO. Um dispositivo domiciliar, criado em 2013 que já beneficiou 4 mil pessoas, para potabilização de água doce em zonas quentes, através da metodologia de desinfecção solar, com 20 anos de durabilidade.
Aquapluvi: Lavatório urbano, operado por pedal (sabão + água), de uso híbrido (água de chuva + encanada), com filtração de água para consumo embutido e com 10 anos de durabilidade. Criado em 2020, já beneficia 10 mil pessoas.
Aquasalina: Um dispositivo modular para potabilização de água salobra em zonas quentes, através da metodologia de destilação solar, com 10 anos de durabilidade. O dispositivo foi criado em 2021 e ainda está em prototipação e testes.
Sanuseco: Criado em 2020, essa estrutura rural sanitária possibilita o uso de banheiros sem água, permitindo também um reaproveitamento de resíduos para compostagem e irrigação de forma segura. Já beneficiou 200 pessoas.
Sanuplant: tecnologia social de tratamento natural de águas cinzas e amarelas para reuso na irrigação em áreas rurais. Também criado em 2020 está beneficiando 200 pessoas.
Hoje é o Dia Mundial da Água. Na sua opinião, quando falamos da situação hídrica no Nordeste, temos mais a celebrar – por iniciativas como a sua – ou a nos preocupar – devido à escassez e poluição dos reservatórios, por exemplo?
ALB – Mais a nos preocupar. Pois mesmo com a existência da SDW e outras iniciativas como o Água Para Todos, a realidade da qualidade da água que as famílias consomem ainda é longe de atender o padrão necessário para considerar o direito humano de acesso à água potável atendido.
Água potável e saneamento básico é uma dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 da ONU. Você acha que estamos no caminho de alcançar essa meta? O que pode ser feito para chegarmos o mais próximo possível dela?
ALB – Acho que já melhoramos a direção pelo menos em termos globais e também no Brasil dá para perceber que as pautas que começaram a ter um pouco mais visibilidade depois do Novo Marco do Saneamento. Acredito que, para os próximos anos, a gente terá uma grande movimentação e investimento nesse setor, principalmente, com o engajamento maior do setor privado. Dá pra ver que as iniciativas das organizações de saneamento privada estão com uma maior disposição e com recursos para serem aportados nessas áreas e que também estão se aproximando de startups que tem ideias inovadoras. Isso possibilita que a gente tenha, de fato, um grande avanço em conseguir atender o máximo de pessoas num espaço de tempo mais curto. Claro que está longe do ideal, está longe do que seria necessário para, por exemplo, batermos a meta de 2030, mas ainda assim acho que para os próximos anos devemos ver um aumento exponencial do investimento nessa área. Meu único receio é que não vejo tanta visibilidade para as áreas rurais, que terminam ficando mais isoladas, mais esquecidas. Esse é o foco da SDW. Estamos conseguindo nos engajar com outras grandes organizações de saneamento para tentar trazer uma mudança significativa nessas áreas.
Acredita que os negócios de impacto poderiam colaborar de forma relevante com esse objetivo?
ALB – Sim, os negócios de impacto podem dar uma grande contribuição, principalmente, se considerarmos iniciativas que trazem inovação, soluções sustentáveis e descentralizadas, que é onde a iniciativa privada e a própria esfera pública terminam não tendo um grande suporte.
O que vemos de histórico é que essas organizações têm soluções de larga escala, mas quando pensamos em pequenas comunidades, em regiões rurais e isoladas, percebemos que ainda existe uma grande dificuldade de atender essas localidades de forma sustentável. É nesse ponto que os negócios de impacto social podem colaborar.
Como você enxerga o atual cenário dos negócios de impacto social no Nordeste?
ALB – Eu acredito que ainda temos poucos negócios de saneamento aqui no Nordeste. Vejo muito mais organizações no Sudeste, no Sul e até no Norte e isso faz com tenhamos uma restrição de soluções que consigam resolver problemas que são de uma realidade específica no Nordeste como, por exemplo, os casos de escassez de acesso a água e saneamento no Sertão. Eu não sei como propor uma única solução, mas entendo que se promovermos espaços de criação e de inovação, com certeza, teremos, nos próximos anos, mais negócios de impacto no setor de saneamento básico no Brasil.
Quais os planos futuros da SDW?
ALB – Os planos futuros da SDW são um dos motivos de estar aqui no Fórum Mundial da Água, no Senegal. Justamente por trabalharmos com inovações que tem um potencial gigantesco de impactar o Brasil, mas também de impactar o mundo. Participar de espaços como esse, onde a gente tem a experiência de troca cultural e de problemas de saneamento é extremamente importante para guiarmos a SDW para a expansão e, consequentemente, de ter um impacto de fato global.