Atuando para promover a educação empreendedora afrocentrada, a metodologia da startup fortalece mulheres negras oferecendo letramento racial, cuidado com a saúde mental e a mentoria de negócios com foco em produtividade cíclica. Em 2022, a empresa mentorou 50 mulheres e tem planos de dobrar esse número para o ano que vem.
Uma startup de educação empreendedora afrocentrada que tem como objetivo fortalecer o empreendedorismo desacelerando mulheres para acelerar empresas. Essa é a Bensà. Fundada por Bárbara Lopes, em Natal, no Rio Grande do Norte, a startup mentorou 50 mulheres este ano e pretende dobrar o número de mentoradas para 2023.
A história de empreendedorismo de Bárbara começa inspirada na observação dos pais que tinham um comércio de cachorro-quente e aflorou quando ela estava cursando Administração e resolveu abrir uma franquia de loja de bolos, a Bolos do Orlando, e cresceu quando ela optou por abrir uma marca de confeitaria própria e depois com a criação da Bensà. “Quando terminei a faculdade de Administração falei com meu pai e ele me ajudou a abrir uma franquia de bolos, tocamos juntos essa empresa por 10 anos. Abri uma confeitaria por 3 anos e comecei a fazer um trabalho de mentoria de negócios para mulheres. As mulheres me procuravam para pedir ajuda para abrir suas empresas, para o plano de negócio e aí fui estudando, me capacitando e gostando muito dessa pegada e decidi focar exclusivamente no programa de mentoria”, afirma a empreendedora, que, além de fundadora, é CEO da Bensà.
A decisão da empreendedora em mudar os caminhos e repensar sua trajetória, também foi impactada por outros dois acontecimentos, como o nascimento do seu filho, que é autista, e a pandemia. “A necessidade de cuidar de meu filho Miguel, que tem 7 anos, de estar com ele, me fez procurar empreender de uma forma mais leve. E na pandemia até pensei em soluções para a confeitaria e aumentei o faturamento, mas com o tempo vi que as mentorias interessavam mais meus clientes que os produtos. Com isso decidi me dedicar exclusivamente à empresa de mentoria”, explica.
A participação da Bensà nos programas de aceleração da BlackRocks, no Programa Quartzo do Sebrae RN e na Aceleração de Negócios de Empreendedoras Negras, liderada por Meta e PretaHub, também foram uma virada de chave para Bárbara.
Atualmente a Bensà é tocada por cinco mulheres negras, duas delas suas irmãs, a Bianca Lopes, publicitária que trabalha na área do marketing e é BI (Business Intelligence) da empresa e também é co-founder; e Brenda Lopes terapeuta ancestral, que trabalha nos cuidados da Saúde Mental. Também fazem parte da startup a psicóloga Débora Oliveira e Raquel Lopes que atua na área de TI. “Em breve outras três pessoas vão chegar para fortalecer o nosso ecossistema”.
Conversamos com a Bárbara Lopes sobre a sua trajetória, a atuação em mentoria e dos planos futuros para a Bensà.
IN – Quem é a Bárbara?
BL – Eu sou Bárbara Lopes, tenho 32 anos, sou uma mulher negra e nordestina, nascida em Natal, no Rio Grande do Norte. Trabalho como administradora de empresas e nos últimos 10 anos atuo com empreendedorismo. Sempre trabalhei no varejo físico tradicional e nos últimos 4 anos comecei a fazer um trabalho de mentoria de negócios para mulheres. As mulheres me procuravam para pedir ajuda para abrir suas empresas, para fazer plano de negócio e pediam o modelo de negócio das minhas empresas. Na época foi surgindo essa situação, eu fui estudando, me capacitando e gostando muito dessa pegada e no finalzinho de 2021 decidi fechar a confeitaria e focar exclusivamente no programa de mentoria.
IN – Como você começou no empreendedorismo? De que forma a sua experiência pessoal influenciou no seu desejo de ajudar outras mulheres a empreenderem também?
BL – Eu brinco que minha vida meio que acontece de 10 em 10 anos. Entre 11 e 21 anos de idade fui enxadrista com as minhas irmãs. Meu pai e minha mãe incentivam muito a gente a estudar e a praticar esporte. Foi isso que abriu grandes portas para a gente. Nós tivemos resultados bons no esporte e acesso a escolas de melhor qualidade por causa do xadrez. Sempre víamos nossos pais com comércio de cachorro-quente e a gente sempre empreendia com livro, como todo tipo de venda. Quando entrei na faculdade de Administração, na UFRN, me senti muito representada, aquilo era o que eu gostava.
Saindo da faculdade falei para meu pai que queria abrir uma empresa, ele me ajudou, fizemos um empréstimo e a partir daí nós tocamos uma loja do Bolo do Orlando por 10 anos. Depois entendi que queria uma marca minha e abri uma confeitaria, a Bendita Confeitaria, na qual eu empreendi por três anos. Daí veio um momento de transição, no qual eu comecei a dar mais mentorias e comecei a influenciar outras mulheres.
Então em 2021 eu passei a focar só nas mentorias, participei de algumas acelerações da BlackRocks Startup no Programa Quartzo, programa de aceleração empresarial, como mentorada. Esse momento foi um divisor de águas na minha vida, eu conheci o que era pertencimento, tive meus primeiros contatos com letramento racial, fiquei completamente apaixonada e impactada. Maitê Lourenço (fundadora e CEO da Black Rocks) é uma pessoa que me abriu portas. Esse ano tive a honra de ser convidada por ela para acelerar outras mulheres de Natal e entrei no corpo de peso de mentores do Programa Quartzo.
IN – Como surgiu a Bensà?
BL – A Bensà surgiu da minha necessidade de ter capilaridade e de conseguir atingir mais pessoas. A Bensà é uma startup de educação empreendedora afrocentrada. O nosso foco é desacelerar mulheres para acelerar empresas. Nós trabalhamos em três grandes pilares que é o letramento racial, o cuidado com a saúde mental e a mentoria de negócios com foco em produtividade cíclica. Hoje eu sou especialista em produtividade cíclica. Eu gosto de usar as potências da ciclicidade da mulher para alavancar os negócios, respeitando os horários e os momentos das mulheres. Eu me sinto muito fortalecida quando estou entre mulheres e entre mulheres negras muito mais. Sinto que a minha força se agiganta, que eu tenho raça, força e fôlego para correr atrás de mais acesso, de mais educação. É como aquela música do Emicida: “Viver é partir, voltar e repartir”. Ela tem figurado, nos últimos anos, as minhas ideias de que eu posso sair e buscar oportunidades e voltar e dividir com pessoal.
IN – Qual é a missão da startup?
BL – A gente sabe que a população brasileira é composta por 56% de pessoas negras e apenas 8% estão em posições de tomada de decisão e de liderança. A liberdade para mim é o maior valor, além de não ter medo. Eu vejo que algumas mulheres não têm liberdade porque elas têm medo. Elas têm medo de escassez de grana, tem medo de estarem presas em um ambiente geograficamente, de estarem num emprego que não gostam, mas que precisa pelo dinheiro. Com o empreendedorismo eu percorri um caminho, que hoje me faz não ter medo de muitas coisas como: dinheiro, dificuldade de acesso, falta de apoio.
Então eu quero mostrar para essas mulheres que elas também podem fazer isso. Mas que elas não precisam fazer sozinhas, como eu, que a gente pode fazer segurando na mão umas das outras. Hoje a Bensà rodou seu primeiro MVP (Minimum Viable Product, ou produto mínimo viável – é uma versão simplificada do produto) e aceleramos 50 mulheres negras empreendedoras do Rio Grande do Norte. Entre elas temos: advogadas, engenheiras, nutricionistas, artistas, empresárias da música e do varejo físico. Aceleramos também startups do mercado pet. A nossa base de clientes de mulheres aceleradas é muito diversa e isso me dá um orgulho gigante, porque eu vejo que essas mulheres estão transbordando o conhecimento delas no outro, nas outras, nos seus clientes, nas pessoas como um todo.
IN – Como é a atuação da Bensà? Como são feitas as mentorias?
BL – Eu sou mãe, tenho meu filho Miguel, de 7 anos, que é uma criança autista. A necessidade de cuidar de Miguel, de estar com ele, me fez procurar empreender de uma forma mais leve. Na Bensà temos uma filosofia de trabalho de 6 horas por dia, com 4 dias de trabalho e 3 dias de folga. É nesse período que eu e as meninas que trabalham comigo nos dedicamos a empresa. Assim sobra tempo para a gente viver, ter família, momentos de cuidado. Durante muito tempo eu cheguei a trabalhar 12 a 14 horas por dia, 6 dias, às vezes, até 7 dias por semana. Na pandemia trabalhei 150 dias seguidos, sem nenhum dia de folga. Ao olhar para esse lugar da mulher exausta, que sobrevive no lugar de viver, eu vi que não queria isso para mim, porque a vida é além de trabalhar. Nos programas de aceleração, nas mentorias recebemos muitas mulheres que trabalham muito, que não se cuidam como deveriam. A mentoria vem para isso, para fazer com que as mulheres parem de sobreviver e passem a melhor viver. Como? Tendo cuidado com a saúde física, mental e espiritual. Eu percebi nas mentorias que eu não conseguia alcançar grandes resultados quando a mentorada não cuidava da saúde física, mental e espiritual. A gente trabalhava no negócio, mas ela não performava porque ela não estava bem.
IN – Neste mês temos algumas datas bem representativas para as mulheres e população negra que são o Dia Nacional de Combate ao Racismo, o Dia do Empreendedorismo Feminino e o Dia Nacional da Consciência Negra. Sabemos que a Bensà se define como uma startup de Educação Empreendedora Afrocentrada. Nos fale um pouco sobre os desafios em relação a essas lutas? E como a Bensà tem colaborado com esses temas?
BL – A Bensà é composta por mulheres pretas e uma pessoa não binária e o nosso propósito é fortalecer o empreendedorismo feminino preto. Nós queremos realmente desacelerar mulheres para acelerar negócios. Nosso nicho é bastante focado e a gente vem conseguindo realizar nossos propósitos. Eu tô muito feliz com essas mudanças e com esses crescimentos. Os desafios são acesso à educação, a gente tem algumas dificuldades com os membros da equipe que não falam inglês, que não tem mobilidade geográfica. Quando tivermos dinheiro e acesso vamos oferecer essa mobilidade geográfica para todo mundo, oferecer curso inglês, letramento racial, finanças pretas. Estamos buscando capacitação não só para o time da Bensà, mas para mentoradas também. Porque quanto mais a gente evolui, quanto mais a gente cresce, mais a gente acessa outros lugares. É preciso nove gerações para que haja uma mobilidade social financeira e econômica, mas sabemos que se a gente se juntar agora e focar nesse nesse problema principal, vamos conseguir transformar essa mobilidade para uma ou duas gerações. Eu e minhas irmãs já fizemos uma mobilidade social e queremos fazer isso por outras pessoas.
IN – Qual é a visão de futuro da Bensà para o público que a empresa quer impactar?
BL – No próximo ano, estamos planejando um aumento do faturamento de 40% em relação a esse ano. Estamos buscando outras três mulheres pretas para integrar o nosso time, para trazer mais capilaridade, mais força. Também estamos desenvolvendo uma plataforma que vai gestar a comunidade, com o foco nas mulheres negras.
IN – Quais os planos futuros para a startup?
BL – No próximo ano, a gente visa impactar 100 mulheres diretamente como mentoradas e visamos ter mil usuários na nossa plataforma de fomento de black money. Estamos buscando investidores para o programa de aceleração. Estou aqui em São Paulo para isso, estamos focadas nesse investidor e que a pessoa, empresa ou instituição que venha a investir consiga nos ajudar impactar 100 mulheres em 2023.