Por Raiana Lira
Antes de começar a escrever esse artigo, corri os olhos na minha estante de livros, onde eles estão organizados por cor e perguntei: O que eu posso ler para me ajudar a lidar com os desafios da semana trabalhando com impacto social? Pensei que seria bobo escolher livros aleatórios da prateleira, mas quando repassei as anotações e marcações ao final da manhã, tendo lido vários livros aleatórios, eu notei que a resposta estava clara: Esperança é a ação que deveria guiar os meus dias.
Em minhas conversas como mentora e educadora na área de inovação social, noto que muitas pessoas buscam o caminho profissional no setor de impacto porque querem usar sua força de trabalho para gerar transformações positivas. Existe aí uma grande esperança de fazer a diferença.
Com o tempo no setor, o profissional precisa não só a esperança inicial que deu origem a jornada, mas encontrar outras formas de esperançar. Sonhar com novas possibilidades de futuros é muito necessário para que os profissionais possam se inspirar a continuar fazendo o que fazem.
Historicamente, na cultura de alguns povos originários, os sonhos oníricos (aqueles que temos dormindo) e o hábito de compartilhar os sonhos tem papel central em como aqueles grupos vão lidar com os desafios. Muitos desses povos que sobreviveram aos genocídios, nos conta Sidarta Ribeiro, tem nos sonhos uma grande confiança para guiar decisões políticas do futuro do grupo. Então, criar cenários consciente e inconscientemente nos vem ajudando a mudar realidades desde tempos imemoriais. Ler sobre estratégia me lembrou que Mohamed Yunnus criou um conceito de ficção social, em que ele propõe pensar possibilidades futuras, ainda fictícias, mas que sejam a mudança que estamos trabalhando para acontecer, como já resolvida. Eu lembro quando ele comentou que o sonho dele é que a pobreza seja vista apenas em um museu, por que só faz parte do passado.
Algumas pessoas tendem a pensar nessa sensação de possibilidades, as vezes morna e difusa, como o sentimento de esperança. Mas, esperança é mais que isso. Ela pode ser, como foi por tanto tempo para nossos ancestrais, uma maneira de pensar ou um processo cognitivo. Ou seja, como retratou uma pesquisa do Charles Snyder, ela é uma combinação de estabelecimento de metas (criar cenários de chegada), determinação (ser persistente, tolerar frustrações e tentar muitas vezes de formas diferentes a resolução de desafios) e acreditar nas nossas capacidades de criar esse futuro. O fato da esperança ter a possibilidade de ser convertida em ação contínua, me lembra que Paulo Freire diz que esperança deveria ser um verbo: esperançar.
Eu, como sou muito ousada, fiquei pensando que se fosse uma equação essas ideias poderiam ser explicadas assim:
Esperançar = Metas + Determinação + Capacidades individuais
Porém para escapar de uma explicação simplista para como manter a motivação enquanto trabalhamos no setor de impacto, preciso alertar algumas coisas. Primeiro, essas metas ou cenários precisam ser o mais inclusivos possíveis, portanto, quanto mais exposto a informações e vida de pessoas e realidades diferentes a sua e quanto mais você conhecer os seus atravessamentos individuais, melhor será esse cenário. Segundo, a determinação ou persistência não se resume a “aguentar” ou aprender a lidar com situações desafiadoras, mas estabelecer limites, descansar, cuidar das redes de relacionamentos e afetos. Por fim, confiar mais na sua capacidade de crescer, evoluir, realizar vai significar abandonar a lógica da escassez e da vergonha e ter a coragem de viver com ousadia, como nos lembra a Brené Brown.
Lembrando sempre que não ha esforço sem erros e decepções. Trabalhar com transformação de realidades muito frequentemente quer dizer que haverá recursos e pessoas limitadas para o tanto de coisas que precisam ser feitas, gerir urgências e transformações rápidas é muito comum, pouco reconhecimento do trabalho pela familia e amizades e convivências intensas com a realidade. Trabalhar com impacto é muito desafiador por que envolve lidar com as dores do mundo real.
Diante dos desafios da semana, pensar no esperançar e tudo que esse verbo invoca pareceu o melhor caminho para começar bem a jornada de trabalho. Entregar tantas horas de vida como empregamos no trabalho valem a pena quando a causa é digna e, quando eu sinto que estou construindo a cada ação, esse mundo melhor em que eu sonho em viver.
Raiana Lira. Mulher preta e nordestina. Designer de Aprendizagem e Comunidade no Amani Institute Brasil. Consultora de negócios para gestão centrada na pessoa e impacto social positivo. Educadora e facilitadora de processos para que pessoas possam resolver problemas de maneira inovadora, através do desenvolvimento de habilidades e descobrimento de suas potências. Cientista e professora universitária por 12 anos. Desde 2015 no campo do empreendedorismo com propósito para construir um mundo com mais justiça social e ambiental. Nas horas vagas poeta e aprendiz de várias artes. Acredito na potência do sonho e da vontade de transformar!