*Foto: Stéfano Girardelli
Faz poucos anos que mergulhei numa jornada interna de construção de autenticidade. “Ser quem eu sou” é uma busca minha e de toda uma geração. Um dos movimentos mais importantes para mim e esses meus contemporâneos talvez seja saber qual a nossa origem e o que isso significa. Quais os rótulos que me definem e quais não? De minha parte, venho percebendo que escavar a própria história, racionalizá-la e articular os significados e opressões históricas é, sem dúvida, uma benção e um sofrimento. Liberta e revolta. Mas, como nas luzes e sombras é que residem a autenticidade e a razão pela qual viver que tanto buscamos, sigo mergulhando nas origens.
Bom, busca de origem, gera busca de origem e, se quiséssemos (ou pudéssemos) traçar uma linha de conexão com o passado invariavelmente chegaríamos a algum povo originário. Pensei nisso depois de ler o livro da Maria José Silveira, “A mãe da mãe da sua mãe e suas filhas”, em que ela traça essa linha conscientemente.
Não por acaso, passei a buscar mais autores indígenas. Conhecer mais lendas e mitos que explicam o mundo com a natureza que conhecemos, as histórias e lutas dos povos que também me constituem. O Ailton Krenak, escritor e ativista do povo Krenak tem alimentado algumas das minhas ideias sobre a vida, futuro e coletividade recentemente. E, sobre origem eu li outro dia “Por isso que os nossos velhos dizem:
… Isso não é importante só para a pessoa do indivíduo, é importante para o coletivo”. E o Kaka Waré outro autor indígena que tenho gostado muito de ouvir segue explicando “quanto mais o indivíduo olha para si, vai se perceber como um grupo. Tanto um grupo interno como um grupo externo”. Não há quem não se conecte consigo mesmo e não se importe mais com o coletivo. Somos indivíduos, mas nem nossas ações e nem nossas consequências escapam do impacto que geramos na coletividade.
Enquanto escrevo esse texto me lembro que o mês de abril traz um convite à visibilidade das causas indígenas no Brasil (19 de Abril). O curioso é que a “tornar-se visível” é a raiz latina da palavra origem. Então fiquei pensando… O quanto da nossa origem indígena conhecemos, honramos e defendemos? O quanto ainda há para aprender? O quanto podemos pensar em construir um futuro para todes se não honramos a pluralidade que nos origina (nos torna quem somos)?
Estamos em um continente que os povos originários sofrem ainda o maior genocídio da história da humanidade. Calcula-se que só no Brasil mais de 3 milhões de indivíduos foram reduzidos a menos que 900mil atualmente. Um extermínio silenciado e contínuo até hoje… e, cujas as causas variaram pouco nesses séculos: expropriação de terra para uso e ocupação de pessoas não indígenas (agricultura e pecuária extensiva), mineração, expansão de centros urbanos e pouca ou nenhuma tolerância a práticas sociais e religiosas diversas.
A perda cultural e simbólica desse extermínio é incalculável! E o que mais me devasta é ainda hoje ver epidemias, cruzadas religiosas, expedições invasoras e desrespeito aos direitos tardiamente concedidos ainda serem lutas cotidianas para as pessoas que não esquecem suas origens. Eu penso no que deixamos de aprender sobre conviver com a diversidade. Quantas visões de mundo e conhecimento devem existir nas mais de 270 línguas ainda vivas? Quantas formas de viver de maneira mais respeitosa com aquilo que nos mantêm vivos poderíamos aprender com as mais de 300 etnias? Quanto conhecimento sobre bens naturais que poderiamauxiliar males modernos?
E mais, por que, em pleno século XXI, insistimos ao usar a palavra índio e toda associação pejorativa que ela traz? O que precisamos desconstruir sobre nossa origem e para além do “descobrimento” do Brasil e retratar uma pessoa indígena com um penacho na cabeça? Você reconhece os legados dos povos originais na nossa cultura? O que podemos olhar nos nossos hábitos e além de reconhecer de onde ele vem, valorizar e cuidar para que eles não desapareçam? O que podemos aprender com a narrativa visual do cinema indígena? Como honrar a natureza que nos permite viver como sendo ela parte de nós e da nossa família? Como eu posso contribuir para parar o extermínio indígena (seja pela expulsão de suas terras e seja pelo extermínio via pandemia do C19)? O que podemos aprender com os povos indígenas sobre impacto social positivo?
Sim, esse texto tem mais perguntas e respostas. Em parte porque toda ação começa com uma provocação. E origem é, em parte, um verbo e um convite. E esse convite é para você tornar-se um individuo mais consciente e tornando-se quem você é vai descobrir que somos maiores e que o coletivo em que vivemos pode ser muito melhor! Em parte é porque eu ainda não tenho respostas a essas perguntas, mas compartilho para nos movermos juntos. Então busquemos nossas origens, estudemos, leiamos, conheçamos pela voz dos povos originários, quem nós também somos.
Recursos para começar: Série sobre Culturas indígenas, portal Visibilidade indígena , Canal Wairu e os livros do Kaka Waré e do Ailton Krenak
Raiana Lira. Mulher preta e nordestina. Gerente de programas nacionais, latinoamericanos e internacionais no Amani Institute. Consultora de negócios para gestão centrada na pessoa e impacto social positivo. Educadora e facilitadora de processos para que pessoas possam resolver problemas de maneira inovadora, através do desenvolvimento de habilidades e descobrimento de suas potências. Cientista e professora universitária por 12 anos. Desde 2015 no campo do empreendedorismo com propósito para construir um mundo com mais justiça social e ambiental. Nas horas vagas poeta e aprendiz de várias artes. Acredito na potência do sonho e da vontade de transformar!