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TrazFavela simplifica o mercado de delivery para atender regiões periféricas de Salvador

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Foto: Carlos Lima, Ana Luíza Sena, Marcos Silva e Iago dos Santos. (Arisson Marinho/CORREIO)

Dando continuidade a nossa série especial com as empresas vencedoras da Aceleradora de Negócios de Economia Criativa do Vale do Dendê, hoje vamos conhecer a TrazFavela, primeiro aplicativo de delivery criado para atender áreas periféricas de Salvador. O programa que fomenta novas empresas e startups inseridas no contexto de inovação e diversidade, teve o apoio do British Council e patrocínio do Assaí Atacadista, Finance for Good Brazil e Grupo de Fundações e Institutos de Impacto (FIIMP). As empresas selecionadas receberão capital semente do British Council para ajudar no desenvolvimento dos seus negócios.

Comodidade para a comunidade 

Há um tempo atrás seria difícil imaginar que os celulares iriam modificar nossos hábitos de consumo. De forma rápida e com poucos passos, temos acesso a uma infinidade de serviços : restaurantes, mercados, farmácias e tantos outros serviços estão disponíveis ali, na palma da mão, trazendo conforto e segurança para o consumidor.

No Brasil, o mercado de delivery movimenta cerca de R$ 10 bilhões por ano. Mesmo com a popularização do serviço, ainda é um mercado restrito aos grandes centros urbanos, o que faz com que a grande potência de consumo que vem surgindo nas comunidades e periferias brasileiras seja completamente ou, pelo menos, parcialmente ignorada por estas empresas. A desigualdade social ainda é o maior obstáculo enfrentado por esta parcela de consumo. Mais uma vez, a desigualdade social surge como obstáculo para novas oportunidades.

Iago Santos, fundador do TrazFavela (foto: Alcimar Pacheco)

Um jovem morador do bairro de São Caetano, localizado na periferia de Salvador, Iago dos Santos, de 27 anos, também fazia o mesmo questionamento. Na época em que trabalhava próximo a uma empresa de logística de entregas por aplicativo, Iago chegou a perguntar sobre a ausência de cobertura dos serviços nas regiões periféricas. “As respostas eram sempre as mesmas, de que ‘o serviço ainda está sendo ampliado’ ou que ‘ainda não era prioridade no momento’. Quando percebi essa lacuna, comecei a participar de eventos sobre empreendedorismo para entender melhor esse universo e planejar alguma solução.”, comenta Iago.

E foi nestes eventos que Iago apresentou sua ideia: um sistema de delivery específico para as periferias e regiões carentes – nascia então a TrazFavela. Hoje, a empresa conta com uma equipe formada por quatro pessoas, todas de comunidade periféricas de Salvador: Iago Santos, Fundador e Diretor Executivo; Marcos Silva, Diretor de Tecnologia; Ana Luiza Sena, Diretora da Operação; Carlos Lima, Coordenador de Operações.

Mas criar um delivey tão específico certamente não seria fácil. A maior dificuldade estava em recrutar entregadores e comerciantes interessados em disponibilizar seus serviços na plataforma. De acordo com Iago, um motivo para essa resistência seria a “baixa adesão” de clientes residentes nestas regiões e a baixa mobilidade urbana que dificulta o transporte de carros e motos, pois são locais com bastante ladeiras, ruas estreitas e sem asfalto.

Na contramão dessa resistência, há algum tempo que as favelas e comunidades vem sendo denominadas como novos centros urbanos justamente pelo seu grande potencial de consumo e que só cresce ano após ano.

Nesse sentido, a missão do TrazFavela é valorizar os empreendedores locais, levando e trazendo para dentro e fora das comunidades sem preconceito de localização e criar novas oportunidades de trabalho para os moradores das áreas periféricas. “As periferias do Brasil conseguiram movimentar quase R$ 120 bilhões mesmo com a situação de recessão econômica que vivemos no país. Isso só reforça como estes novos centros urbanos tem a capacidade de gerar sua própria renda. O TrazFavela é uma ferramenta que pode aumentar as possibilidades de quem mora e de quem empreende nas periferias.”, comenta Iago.

Em um mercado extremamente competitivo, o grande diferencial da TrazFavela está na preocupação de não fazer distinção entre áreas, zonas e bairros de Salvador. “Boa parte dos aplicativos encara estes novos centros urbanos como uma grande zona de risco. A maioria dos nossos clientes está presentes nestes lugares. Por isso temos recebido uma boa aceitação dos nossos clientes, pois sabem que esse preconceito com a periferia infelizmente ainda existe”.

Gig Economy

Com o crescimento da prestação de serviços por aplicativo, as empresas inseridas neste mercado iniciaram um movimento que transforma as relações de trabalho como nós conhecemos, um modelo que pode ser cada vez mais adotado por outras empresas no futuro.

Foto: Instagram @TrazFavela

A chamada Gig Economy – ou “economia sob demanda” – por um lado, oferece maior autonomia para os profissionais, onde ele pode escolher trabalhar através de contratos temporários ou de curto prazo. Essa nova dinâmica de trabalho tornou-se bastante atrativa, principalmente em tempos de alto desemprego, porque permite que o profissional tenha acesso à renda de maneira ágil e simplificada.

Uber, iFood, Rappi e Airbnb são alguns exemplos de empresas Gig Economy e se tornaram a alternativa rápida para milhares de pessoas que estavam desempregadas e, por isso, muitos acreditam que esta forma de trabalho seria a solução ideal para reduzir o desemprego no mundo.

Por outro lado, essa nova relação de trabalho é alvo de críticas sob a alegação de que seus trabalhadores estariam precarizados, sem acesso à rede de segurança social de um trabalhador formal.

Apesar do termo americanizado, o Gig Economy nada mais é do que “fazer bicos” para ganhar dinheiro, um método de trabalho familiar nas favelas e periferias brasileiras, muito antes do surgimento dessas soluções tecnológicas. Segundo Iago “desde do surgimento das primeiras favelas, a gente sempre trabalhou fazendo “bico”, atualmente vemos muita gente fazendo trabalho autônomo por necessidade e até como um ato de empreendedorismo ou renda extra para conquistar ou se manter de alguma forma”. Nesse caso, a tecnologia simplifica e amplia o acesso à essas oportunidades.

A TrazFavela vai além, chega para subverter este conceito empregando pessoas que moram nas próprias comunidades, além de estimular o empreendedorismo nestes lugares, ampliando o mercado consumidor dos negócios periféricos e fazendo com que mais pessoas construam seu próprio negócio dentro e para a periferia.

Próximos passos

E com o isolamento social provocado pela pandemia do coronavírus, a procura pelos serviços de delivery aumentou, fato celebrado por Iago. “Só no mês de abril tivemos crescimento de 120% no número de entregas. Os comerciantes que fazem parte da TrazFavela também estão crescendo muito nesse momento e a renda dos entregadores cresceu de forma absurda. Foi bem maior do que o esperado.”.

Para ampliar o serviço prestado e intensificar os deliveries dentro da periferia gerando renda para 100 comércios, motoboys e promover acesso aos itens básicos, a TrazFavela lançou um financiamento coletivo na plataforma Benfeitoria. A iniciativa mistura o financiamento coletivo com aporte de parceiros, que multiplicam a arrecadação. Para cada R$ 1 arrecadado, o Fundo Colaborativo Enfrente contribui com mais R$ 2. Você também pode contribuir! Clique aqui para acessar a campanha.

TrazFavela contra o coronavirus

Atualmente, a TrazFavela atua em toda cidade de Salvador e conta com uma ampla rede de empreendedores e motoboys que residem tanto na periferia como em outras localidades. Para o futuro, Iago pretende lançar o aplicativo nas lojas digitais e expandir o serviço para a toda a região Nordeste e Sudeste até final de 2020.

“É sempre importante pensar em como podemos deixar o lugar onde vivemos em um lugar melhor, onde todos tenham possibilidade de ganhar dinheiro, e deixar os novos centros urbanos mais ricos e valiosos do que é. Como bem diz a música da banda A Bronkka, ‘Favela, por onde eu for, falarei bem de você’”.