Do laboratório ao mercado, uma pesquisa sobre o buriti virou tecnologia sustentável capaz de gerar renda em comunidades do Maranhão e Piauí, preservando o Cerrado e inspirando novas formas de construir.
A construção civil é um dos setores que mais impacta o meio ambiente, seja pelo consumo elevado de recursos naturais ou pela geração de resíduos. Diante disso, temos acompanhado um movimento crescente na demanda por soluções sustentáveis que conciliam eficiência técnica, viabilidade econômica, mas também responsabilidade socioambiental. É nesse ponto que o buriti, uma das palmeiras mais emblemáticas do Cerrado e profundamente enraizada na vida do povo piauiense, entra em cena.
Da polpa, se extrai o óleo usado na culinária e na cosmética; das folhas, fibras que viram artesanato; do tronco e do talo, materiais que encontram novos usos. Reconhecido como “árvore da vida” em muitas comunidades, o buriti sustenta modos de vida tradicionais e agora também inspira inovação. Foi justamente nesse potencial extrativista que pesquisadores piauienses encontraram a matéria-prima para a criação de isolantes térmicos e acústicos. O resultado disso é uma tecnologia inovadora que alia ciência, preservação ambiental e impacto positivo em comunidades rurais, a Buriti Bioespuma.
Essa história começou no ambiente acadêmico. O engenheiro Felippe Fabrício, ainda na universidade, percebeu que a densidade da espuma de buriti lembrava o poliestireno utilizado como isolante em construções. Essa descoberta se transformou em anos de pesquisa, passando por iniciação científica, mestrado e doutorado. Foi só em 2023, com a aprovação no edital Centelha, programa da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), que a ideia ganhou forma de negócio. Logo se juntaram outros pesquisadores, ampliando o foco da empresa para o desenvolvimento de soluções que também garantem conforto acústico, além do isolamento térmico.
“A ideia nasceu ainda na universidade, quando percebi que a espuma do buriti lembrava o poliestireno usado em construções. A partir dali, enxerguei que poderia existir uma solução sustentável para um dos setores que mais impacta o meio ambiente”, conta Felippe Fabrício.

Desde então, a startup nordestina vem acumulando conquistas. O primeiro MVP(sigla que significa Produto Mínimo Viável, uma versão inicial do produto/negócio para testar a aceitação do mercado) foi apresentado na ExpoRevestir, a maior feira de revestimentos da América Latina, atraindo a atenção de arquitetos e construtores. A estreia no mercado local aconteceu na primeira edição da CasaCor Piauí, seguida da participação em programas de aceleração do Sebrae. O apoio da Universidade Federal do Piauí, que é incubadora do negócio, da Fadex e da INEAGRO foi fundamental para impulsionar o crescimento da empresa, inclusive em missões internacionais, como a realizada em Dubai com a ApexBrasil, que apresentou a tecnologia ao mercado global.
O fortalecimento como negócio de impacto
Essa trajetória inovadora também ganhou força no campo do empreendedorismo de impacto. Em 2024, a Buriti Bioespuma foi selecionada para o programa de pré-aceleração Impulsio.ne Ecossistemas de Impacto, realizado pelo Impacta Nordeste em parceria com o Instituto Sabin. A iniciativa tem como propósito articular ecossistemas locais e impulsionar negócios que oferecem respostas inovadoras aos desafios sociais e ambientais no Nordeste.
Durante o programa, a equipe teve acesso a mentorias e capacitações que ajudaram a aprimorar o modelo de negócio, consolidar a estratégia de impacto e ampliar conexões com outros atores do ecossistema. Para os fundadores, essa experiência foi um divisor de águas. “No Impulsio.ne conseguimos estruturar melhor nosso modelo de negócio, alinhando proposta de valor e entregas com foco em impacto socioambiental. Isso nos posicionou como uma Construtech de impacto, unindo geração de renda no campo e preservação do Cerrado”, destaca Renato Cosse.
Além disso, a participação trouxe novos aprendizados sobre o próprio impacto da empresa. “O programa reforçou para nós que o impacto da Buriti Bioespuma vai além da inovação tecnológica. Ele está na formação de fornecedores, na profissionalização de comunidades rurais e tradicionais e no aumento da renda das famílias extrativistas das Matas dos Cocais”, afirma a equipe.
As mentorias também deixaram marcas na gestão do negócio. “As mentorias foram decisivas para fortalecer a gestão e preparar a Buriti Bioespuma para escalar. Definimos metas claras, reorganizamos a parte financeira e posicionamos a empresa como referência em bioeconomia aplicada à construção civil”, complementam os fundadores.
Impacto gerado
O impacto, porém, vai muito além da inovação tecnológica. A Buriti Bioespuma fortaleceu uma nova cadeia de valor em comunidades do Vale do Rio Parnaíba, entre Maranhão e Piauí, que passaram a fornecer os talos secos do buriti, antes tratados apenas como resíduo para descarte. Hoje, esse insumo representa renda extra para famílias rurais e quilombolas e já possibilitou melhorias coletivas que fazem diferença no dia a dia. Renato Cosse, um dos sócios fundadores, conta que essa parceria trouxe autonomia para uma comunidade quilombola comprar caixas d’água e garantir melhor abastecimento. Mais do que retorno financeiro, essa parceria estimula a preservação dos brejos e buritizais, reforçando a importância de conservar o bioma Cerrado e suas riquezas naturais.
“O maior impacto do negócio é poder entrar em comunidades que preservam os brejos onde existem os buritizais. Algo que antes era descartado passou a gerar renda para famílias rurais e quilombolas”.
Renato Cosse
Outro diferencial da Buriti Bioespuma, ao meu olhar, está no engajamento com as comunidades parceiras. Em conversa com Renato, percebi que a atuação da empresa vai muito além da compra de insumos: ainda que talvez não se reconheçam dessa forma, eles acabam desempenhando um papel indireto como agentes de educação ambiental e valorização dos saberes extrativistas.
Esse trabalho fortalece a organização social local e ajuda a criar consciência sobre a importância do manejo sustentável da palmeira. É nesse encontro entre ciência e tradição que a inovação ganha sentido, respeitando e preservando os territórios de onde vem a matéria-prima e mostrando como o desenvolvimento tecnológico pode caminhar junto do cuidado com a natureza e com as pessoas.
Buriti Bioespuma mostra que a ciência nordestina tem potência para dialogar com o cenário global. Renato compartilha que os próximos passos incluem ampliar a presença no Brasil, explorar mercados internacionais e consolidar a cadeia de suprimentos de matéria-prima, principalmente com as comunidades extrativistas.
“Queremos impulsionar ainda mais a venda dos produtos e levá-los para outras regiões do Brasil. Em paralelo, buscamos expandir internacionalmente nossas soluções de conforto acústico, sempre valorizando as comunidades extrativistas que são pilar essencial do nosso negócio”, finaliza Renato.
Mais do que projetar crescimento, a empresa aponta para um futuro em que desenvolvimento e cuidado com o meio ambiente caminham lado a lado, lembrando que toda inovação só faz sentido quando gera bem-estar para as pessoas e preserva a vida que sustenta os territórios.
Hidelgann Araújo é um estrategista de comunicação e mobilizador do terceiro setor, premiado pelo Anthem Awards e com o selo de Direitos Humanos da Prefeitura de São Paulo. Sua paixão pela criatividade e articulação de comunidades e histórias se traduz em uma trajetória que reflete a comunicação como uma ferramenta para gerar impacto social. Já colaborou com Canal Futura, Co.liga, Greenpeace, Politize!, SOMA+ e UNICEF, fortalecendo a sinergia do coletivo e valorizando a pluralidade como base para a inovação.
Hidelgann faz parte da Rede Impacta Nordeste.