“A cultura é a forma como um povo se reconhece.” – Chica Xavier

Eu sempre gostei de cinema, sempre foi determinante na minha vida. Lembro até hoje do primeiro dia que fui a uma sala de cinema. Assisti ao filme Xuxa Popstar no cinema Glauber Rocha. Minha mãe me levou. Chegamos na metade do filme e depois vimos tudo de novo. Que sensação maravilhosa! Mas, desde a adolescência, eu me perguntava: cadê as representações negras no cinema?
Segundo a Paramount Global, 23% dos negros e negras no Brasil se sentem representados como criminosos em filmes e séries. Se pensarmos nos trabalhadores do audiovisual, a situação é ainda mais alarmante. De acordo com o artigo Diversidade de Raça e Gênero no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, entre 2002 e 2023, diretores homens brancos representaram 70% dos vencedores na categoria “Melhor Ficção”, enquanto diretores negros foram significativamente sub-representados.
Esse cenário escancara a necessidade de mais diversidade nas funções-chave do audiovisual brasileiro. E é justamente esse o papel que se propõe a desempenhar a Casa de Cinema Negro Baiano Chica Xavier.
Quem foi Chica Xavier e por que essa homenagem?
Chica Xavier, nascida em Salvador em 22 de janeiro de 1932, foi uma das maiores referências negras nas artes cênicas do Brasil. Sua trajetória inclui papéis marcantes em novelas como Sinhá Moça (1986), Renascer (1993) e Força de um Desejo (1999). Ela também atuou em filmes como Xica da Silva (1976), Filhas do Vento (2004) e Ganga Zumba (1963), reforçando sua relevância para o cinema brasileiro. Além de seu trabalho artístico, Dona Chica foi uma liderança religiosa do candomblé, o que a tornou uma figura ainda mais significativa para a cultura afro-brasileira.
A homenagem à Chica Xavier no nome da Casa de Cinema Negro Baiano reflete o reconhecimento de sua trajetória. Heraldo de Deus, um dos integrantes do projeto, comenta:

“Dona Chica tem tudo isso e ainda é gente da nossa terra. Quando pensamos em alguns nomes, o dela foi unanimidade. Acho que todo mundo que consumiu TV nas décadas passadas se sente um pouco filho dela.”
Impactos sociais e culturais da Casa Chica Xavier
O lançamento da Casa de Cinema Negro Baiano Chica Xavier representa um marco para o audiovisual baiano. Mais do que um espaço físico, é um território simbólico que propõe fortalecer a presença negra no audiovisual, desde a formação técnica até a difusão de narrativas autênticas.
Atualmente, a Casa está realizando oficinas de capacitação em parceria com instituições como a Salcine, Secult Salvador e o Cimatec. Essas ações são fundamentais para a qualificação técnica de profissionais negros, preparando-os para atuar em diversas frentes do audiovisual. Como destaca Heraldo de Deus:
“O grande impacto agora é fazer esse quilombo formativo: impulsionar o mercado a partir da qualificação técnica para profissionais negros de Salvador.”
Contribuição para o fortalecimento econômico do setor
O setor audiovisual enfrenta um desequilíbrio econômico que afeta diretamente a representatividade negra. Heraldo de Deus explica:
“Ainda existe um desequilíbrio quando pensamos em cinema no nosso estado. Nossa contribuição é a qualificação técnica, oportunizar espaços para apreciação e discussão sobre cinema negro e proporcionar uma ampliação de alcance das nossas narrativas.”
Além da formação, a Casa também tem como objetivo abrir portas para profissionais negros no mercado audiovisual, criando pontes com empresas, financiamentos e redes de exibição.
Narrativas Negras Autênticas: O Coração da Casa
A autenticidade das narrativas negras é um dos pilares fundamentais da Casa Chica Xavier. Para Heraldo de Deus:
“Acreditamos que é importante olhar pro lado e se reconhecer. O cinema tem um papel essencial na construção de imaginários e identidades. Quando pessoas negras têm a oportunidade de contar suas próprias histórias, elas transformam não só o audiovisual, mas toda a sociedade.”
Esse reconhecimento é essencial para a construção de narrativas que realmente representem a diversidade cultural do Brasil. Com oficinas, debates e produções independentes, a Casa busca impulsionar um cinema negro baiano com alcance nacional e internacional.
A Bahia e o papel estratégico na produção audiovisual negra
A Bahia, com sua riqueza cultural e histórica, ocupa um papel essencial na produção audiovisual negra nacional. Como destaca Heraldo:
“A Bahia tem um jeitinho único de fazer as coisas, o que torna nossa produção ainda mais especial. A Casa Chica Xavier é mais um espaço de acolhimento e está de portas abertas!”
A força da produção audiovisual negra baiana reside em sua capacidade de dialogar com temas globais sem perder a autenticidade local. Essa abordagem fortalece o setor e amplia o alcance das narrativas negras, promovendo a diversidade e a representatividade na cultura audiovisual brasileira.
Legado e perspectivas futuras
A Casa de Cinema Negro Baiano Chica Xavier surge como um espaço de resistência, formação e produção audiovisual. Ao homenagear Chica Xavier, a Casa se conecta com uma trajetória de luta e conquistas que ecoa na história do audiovisual brasileiro. Dona Chica simboliza a persistência de artistas negros em um ambiente historicamente excludente, abrindo caminho para que novas gerações possam ocupar esse espaço com suas próprias narrativas.
A trajetória de Chica Xavier e o surgimento da Casa de Cinema Negro Baiano evidenciam a importância de narrativas autênticas no fortalecimento da cultura negra. Em um cenário onde a diversidade ainda enfrenta barreiras, iniciativas como essa se destacam pelo impacto cultural e social que geram, impulsionando o audiovisual negro baiano e fortalecendo identidades e histórias que merecem ser contadas e reconhecidas.

Jônatas Akillah Pereira, 29 anos, é formado em Publicidade e Propaganda na Universidade Salvador (UNIFACS) desde 2015 e graduando em Bacharelado Interdisciplinar em Artes com enfase em Cinema e Audiovisual na Universidade Federal da Bahia (UFBA). Tem experiências profissionais como social media, marketing político e na área de cinema como editor e produtor. É um apaixonado pela tecnologia, escrita e cinema. Um eterno aprendiz sempre disposto a absorver o que o mundo e as pessoas em sua volta estão dispostos a ensinar. Busca direcionar o seu conhecimento para a luta antirracista.
Jonatas faz parte da Rede Impacta Nordeste.