Enquanto os holofotes do palco climático se voltam ao debate internacional sobre a Amazônia, no Maranhão, vozes jovens se reuniram para lembrar ao país que justiça climática também se constrói a partir das margens durante o Encontro Norte-Nordeste da Rede de Confluência Periférica, promovido pelo PerifaConnection. Como membro da coalizão a partir da iniciativa Ruma, trago a visão sobre o entrelace de cultura, gênero, raça e território.
O PerifaConnection é uma plataforma nacional que conecta jovens lideranças das periferias brasileiras para disputar narrativas, ocupar espaços políticos e fortalecer agendas coletivas.
Nossa jornada pela Ilha do Amor percorreu territórios que fortaleceram nossas trocas, demonstrando a cultura como ponte entre nossos saberes e abrindo caminhos para o enfrentamento ao racismo rumo à 30º Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, a COP30.
Cultura e economia criativa como motor de mudança social
O cruzamento entre a cultura e a participação cidadã cria um solo fértil para que as raízes da nossa comunidade sejam fortalecidas. Desse modo, é possível vislumbrar estratégias e soluções para as dores comuns, sem deixar de lado particularidades de cada território.

Essa jornada começou no Quilombo Liberdade, parte de um complexo de cinco bairros reconhecido pela Fundação Cultural Palmares (Governo Federal) como primeiro quilombo urbano do país, também considerado o maior da América Latina. Nesse processo, percorremos alguns de seus diversos pontos de cultura.
É importante destacar que a cultura não apenas o povo, mas também estruturou a luta por políticas públicas, garantindo um centro que repassa práticas de economia criativa, liderança e educação. Apesar disso, é preciso questionar o papel das mulheres neste processo e a necessidade de reconhecimento de suas trajetórias.
Gênero, raça e juventudes no centro do debate
Ao caminhar pelos corredores do Convento das Mercês, no centro histórico da cidade, me deparei com a exposição “Mestre Cantadores: Vozes Ancestrais” que homenageia aqueles que entoam versos e conduzem a cartografia social do território. Mas o que me chamou a atenção foi a presença maioritariamente de homens, algo que, na verdade, é histórico devido às raízes do Bumba meu Boi.
Então, se a cultura e gênero são centrais no impacto social, por que essa combinação não é vista em espaço de reconhecimento institucionais como a academia e o setor público? O PerifaConnection é dirigido em maioria por mulheres jovens e negras. Nas organizações presentes no encontro o padrão se repete, somando a participação de mulheres, parte de povos originários e tradicionais.
Esse cenário só reforça a urgência de considerar as intersecções entre impacto social, gênero e raça na construção de políticas feitas pelo estado e de processos de descentralização de fundos de organizações filantrópicas.
Trago esses dois pontos, pois mulheres não-brancas ainda não têm sua relevância reconhecida no mercado tradicional, onde as coisas avançam mais rápido com ritmo acelerado no trânsito de informações, imagine no terceiro setor, ainda em consolidação e disputa. Por isso, o fortalecimento da voz de mulheres a partir de expressões culturais já lideradas por elas é um caminho para virar esse jogo para a nova geração.
Trocas geracionais e celebração das juventudes
Aprender com os mais velhos é sempre revigorante, mas também é necessário ser visto como um movimento estratégico para nós juventudes ativistas. É nesse diálogo onde podemos aprender com erros e acertos do que vieram antes de nós. Durante o segundo dia de encontro, visitamos o Coroadinho, uma das maiores favelas do Brasil, repousando na Casa das Pretas, espaço criado pelo Coletivo Mulheres Negras da Periferia e uma referência de cultura popular e resistência.
Seguindo com as discussões dos painéis do evento, o diálogo geracional foi liderado por grandes nomes do ativismo nortista e nordestino, mulheres (mais uma vez presentes) que reforçaram o Norte-Nordeste como berço de grandes mobilizações, ainda que a narrativa centro-sul se estabeleça como origem dessas lutas. Na verdade, os nossos territórios são verdadeiros laboratórios de soluções para justiça social e climática.
Seguido de um painel de jovens agentes de cultura, mais uma vez a coalizão reforçou a sua narrativa e comprometimento de fortalecimento de elos entre os territórios periféricos a partir da cultura para além do cerne da palavra, agregando aldeias, florestas, terreiros e rios.
Em clima de periferia rumo à COP30
O encontro também foi espaço para a Pré-COP das Periferias, onde vivenciamos trocas entre territórios periféricos, trazendo os aprendizados e vivências dos últimos dias. Dentre as contribuições, a do participante Henrique Kumaruara do Coletivo Jovem Tapajônico de Santarém (PA) deu ênfase à visão sobre a relação entre cultura e clima.
A programação costurou atividades artísticas de coletivos do estado e debates sobre racismo estrutural que resultarão na segunda edição da Agenda Política de Periferias no Combate ao Racismo Ambiental, documento que conecta juventudes periféricas aos debates sobre clima, meio ambiente e justiça climática, em diálogo com a COP30.
Com homenagem à Nêgo Bispo o evento se encerra. Celebramos o pensador quilombola que se consolidou como referência do debate de raça e território, afirmamos nosso compromisso de ampliar esta confluência. Nós seguimos, com novas articulações que nascem em São Luís e nos guiam para a luta contra o racismo ambiental e pela justiça pelo Norte e Nordeste.
Para mim, foi um presente estar em coletivo e saber que não ando só e que nossa luta ecoará para além dos pavilhões da COP.
Sabrina Cabral, é ativista e criadora do blog @sanydapeste, onde aborda temas como meio ambiente, direitos humanos e educação para a juventude periférica do Nordeste. Graduanda em Engenharia Civil na UFC e bolsista do programa Bolsa Jovem da Prefeitura de Fortaleza e BID, é engajada em temas como sustentabilidade, economia criativa e design. É fundadora da iniciativa Ruma, com o objetivo de apoiar o desenvolvimento sustentável a partir das juventudes do Nordeste, conquistando bolsas de desenvolvimento de projetos no MIT e se tornado Representante Juvenil em iniciativas da ONU na América Latina e Caribe, como o acampamento Juventudes Ya! do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA).
Sabrina faz parte da Rede Impacta Nordeste de Jovens Lideranças.