Opinião

Em que fracassamos até agora?

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Como superar a distância de expectativas entre quem ajuda e quem é ajudado em iniciativas sociais?

Candelária era a cozinheira,  a camareira e às vezes até a recepcionista de uma modesta pousada em Cartagena, na Colômbia. Era negra com mais de sessenta anos e acumulava outras responsabilidades no trabalho, como a compra de alimentos, de materiais de limpeza e de outros materiais que garantiam a normalidade no funcionamento daquele lugar escondido num bairro em revitalização.

Trabalhava na pousada desde a inauguração, há cinco anos, e mostrava felicidade no que fazia. As refeições eram servidas por ela em uma mesa familiar, com dez lugares, para todos os hóspedes que se misturavam e se revezavam para tomarem o café da manhã, cuidadosamente servido por Candelária.

Após três dias ensaiando uma conversa, se sentiu à vontade para sentar na mesa com aquele hóspede que era o primeiro a comer. Curiosa, perguntou de onde ele era e o que fazia acordado tão cedo numa cidade turística. Ele era brasileiro e respondeu que havia ido para um evento no centro de convenções ali ao lado.

Candelária perguntou sobre o que era aquele evento, já que havia outra hóspede que também estava participando. O brasileiro teve dificuldades para encontrar a melhor resposta, e tentou: ‘é um evento sobre problemas sociais em países da América Latina’.

Ela não entendeu o que eram problemas sociais, mas não perguntou. O hóspede percebeu a dúvida em seu rosto e tentou explicar. Falou sobre a pobreza dos países, que era muito similar a que existia na Colômbia. Muitas pessoas não tinham onde morar, o que comer e quando adoeciam, não tinham acesso a hospitais. Seus filhos não conseguiam acessar escolas, e quando tinham um lar para viver, faltava luz e saneamento básico. Por causa disso, ele continuou: ‘organizações, empresas e outras pessoas tentavam encontrar soluções naquele evento para enfrentar e resolver os problemas sociais desses países’.

Candelária se calou e voltou à pia. Após dez minutos, retornou, pediu licença para sentar e se abriu. Falou que não acreditava em soluções para problemas sociais. Disse ao brasileiro que uma vez, aquela famosa organização internacional de saúde esteve no bairro que morava, prometendo ajudar os moradores dali que vivem em casas improvisadas, feitas de madeira e plástico. Algumas visitas, muita conversa e dois meses depois, a organização sumiu sem deixar sinal — e nem ajuda.

O semblante de Candelária mudou, mas ela continuou a falar. Disse que há dois anos uma fundação da cidade  ‘ensinava pessoas a conseguirem um emprego’. Seu filho estava participando das atividades da fundação e adorando. Durante um evento do projeto, ele infelizmente foi baleado por assaltantes que levaram a sua motocicleta, o único meio de transporte da família. A fundação lamentou e disse poder ajudar na recuperação do filho que, segundo Candelária, só não está paraplégico devido a sua fé em Deus, o único que não a abandonou até hoje.

O brasileiro então mudou de assunto, pois não sabia como continuar aquela conversa. Agradeceu imensamente à Candelária pela confiança e por compartilhar suas histórias e disse que jamais esqueceria daquele dia. Aquela era a única solução que ele podia oferecer.

Tudo isso me fez pensar sobre a enorme distância e desconexão que ocorre entre os universos dos que são ajudados e daqueles que, com a melhor das intenções, tentam ajudar. Qual seria o limite das ações sociais de empresas e fundações? Em que medida a atuação fragmentada de líderes e empreendedores sociais prejudica o resultado dos projetos que são financiados? Quantas são as decisões tomadas sem evidências e quantas escolhas de destinos humanos são baseadas em preferências pessoais, ideologias empoeiradas e palpites egoicos? Até que ponto a nossa visão de “solucionadores” resolve mais os nossos problemas do que os problemas dos afetados? Quantas atividades executamos, no alto de nossos métodos e técnicas, sem observar os caminhos já percorridos por outros atores ou sem ouvir os que serão beneficiados?

Em que fracassamos até agora? O que podemos fazer daqui para frente para mudar a visão de realidade de pessoas como Candelária?

Gabriel Cardoso é um profissional interdisciplinar com ampla experiência e abordagem empreendedora. É formado em administração, com mestrado em educação e é MBA em economia brasileira para gestão de negócios, além de educador do século 21 pela Universidade de Ciências Aplicadas de Tampere, Finlândia. Hoje é gerente-executivo do Instituto Sabin, organização responsável pelo investimento social privado do Grupo Sabin. Autor e organizador de livros sobre empreendedorismo social e educação empreendedora é também especialista em ESG; negócios e investimentos de impacto; inovação social; investimento social privado.