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Entenda como as CSAs conectam comunidades rurais e urbanas através da economia solidária

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No cenário atual de desafios alimentares e ambientais, as Comunidades que Sustentam a Agricultura (CSAs) oferecem uma solução inspiradora. Impulsionadas pela economia solidária, essas redes estão transformando a maneira como os alimentos são produzidos e consumidos, oferecendo um modelo sustentável que conecta diretamente agricultores e consumidores, promovendo benefícios mútuos e desenvolvimento local.

Com o crescimento populacional, um dos grandes desafios em relação à alimentação é produzir mais alimentos sem degradar ainda mais o meio ambiente. A agropecuária, que inclui desde os cultivos de alimentos até a criação de animais, é responsável pela maior fonte humana de emissões de metano do planeta, segundo a Agência Internacional de Energia. Diante da emergência climática que enfrentamos, transformar os sistemas agrícolas e alimentares é um imperativo global que deve estar no centro do debate sobre adaptação e resiliência. É essencial incentivar práticas agrícolas sustentáveis que protejam a biodiversidade, promover soluções baseadas na natureza, assegurar condições de trabalho justas e garantir a segurança nutricional e alimentar para todos.

Além dos impactos ambientais ao longo de todo o ciclo produtivo na agricultura convencional, também existem problemas socioeconômicos. Nesse modelo, quem mais lucra com a venda de alimentos são os intermediários (como os mercados), e não os produtores. Aos produtores é reservada uma parte muito inferior ao valor obtido do consumidor final. No entanto, existem alternativas mais sustentáveis para plantar, processar, distribuir e comercializar alimentos.

A agroecologia combina conhecimentos tradicionais e científicos para criar sistemas agrícolas sustentáveis e resilientes, priorizando a conservação da biodiversidade, a manutenção da saúde do solo e o uso responsável dos recursos naturais. As práticas agroecológicas incluem a rotação de culturas, o uso de adubos verdes, compostagem, controle biológico de pragas e a integração de culturas e criações animais. Além de se preocupar com o aspecto ambiental, a agroecologia também valoriza a justiça social, buscando fortalecer comunidades locais e assegurar a segurança e a soberania alimentar.

A agroecologia e a agricultura familiar têm uma relação intrínseca e complementar, já que a agricultura familiar, caracterizada por pequenas propriedades geridas por famílias que dependem do cultivo para subsistência, encontra nessa abordagem um modelo viável para promover as práticas agrícolas. Esse tipo de agricultura desempenha um papel crucial na segurança alimentar e no desenvolvimento rural, já que enquanto se compromete com a conservação dos recursos naturais e restauração dos ecossistemas, também fornece alimentos tradicionais e nutritivos. 

Fonte: freepik.com

Em 2019, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e o Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA) lançaram a Década das Nações Unidas para a Agricultura Familiar, que se estende de 2019 até 2028. Essa iniciativa tem como objetivo concentrar os esforços dos líderes de todo o mundo para trabalhar coletivamente na formulação e implementação de políticas sociais, econômicas e ambientais voltadas ao fortalecimento da agricultura familiar.

No Brasil, a agricultura familiar brasileira é a principal responsável pelo abastecimento do mercado interno, somando 3,9 milhões de propriedades no país, representando 77% de todos os estabelecimentos agrícolas e empregando mais de 10 milhões de pessoas no Brasil. O Nordeste concentra 47,8% de todos os agricultores familiares do país, embora receba só 14,1% do crédito distribuído pelo Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), do governo federal. 

A agricultura familiar muitas vezes enfrenta desafios como acesso limitado a mercados, crédito e tecnologia. A economia solidária surge como uma ótima alternativa para superar esses obstáculos, promovendo a organização coletiva em torno de cooperativas, associações e outras iniciativas.

A economia solidária é um modelo alternativo de economia que valoriza ações de colaboração, solidariedade e coletividade, ao incentivar que as relações entre pessoas e empresas sejam mais justas e sustentáveis. Focando na colaboração e não na competição, é um tipo de solução viável para combater o desemprego, principalmente entre as populações mais vulneráveis.

Aplicada a agroecologia, a partir do incentivo à cooperação, autogestão e valorização dos produtos locais, práticas da economia solidária permitem o fortalecimento das comunidades rurais e contribuem para o desenvolvimento regional. Diversas experiências alternativas de comercialização de produtos agroecológicos no âmbito da economia solidária e consumo responsável tem sido implementadas, como, por exemplo, as Comunidades que Sustentam a Agricultura (CSA).

CSA – Comunidades que Sustentam a Agricultura

Originada a partir do movimento Teikei, que surgiu no Japão na década de 1970, a CSA (Comunidade que Sustenta a Agricultura) é uma iniciativa sem fins lucrativos criada para apoiar a produção local de alimentos. Funcionando como um movimento dinâmico entre produtores e consumidores, que atuam em colaboração, a CSA adota uma visão de rede. Os consumidores pagam um valor mensal e recebem os produtos durante um período acordado (semanal ou quinzenalmente). Essa interação cria uma situação de ganha-ganha: os agricultores obtêm maior previsibilidade de recursos financeiros e reduzem o desperdício em toda a cadeia de produção, enquanto os compradores têm acesso a alimentos frescos e de qualidade, com preços acessíveis e respeitando a sazonalidade.

Esse modelo se baseia em princípios como aprendizagem mútua, diversificação das culturas, preços justos, distribuição independente e gestão compartilhada. Com a responsabilidade, os riscos e os benefícios da produção agrícola sendo compartilhados, os consumidores se tornam co-agricultores, participando ativamente dessa dinâmica. A iniciativa busca promover um consumo mais consciente e saudável, com alimentos livres de agrotóxicos, cultivados de maneiras que apontem para o desenvolvimento agrário sustentável.

Alimentos fornecidos pela CSA Flor de Areia, integrante da Rede CSA Parahyba. (Fonte: equipe CSA Parahyba)

Ao adotarem um processo colaborativo que se apoia na economia solidária, as CSAs fomentam a agricultura familiar baseada em princípios agroecológicos, contrários à lógica de mercado da agricultura convencional. Manter o foco no cultivo e consumo local torna a cadeia mais sustentável, promovendo um circuito mais curto devido a essa conexão direta e transparente, sem intermediários. Para aderirem ao modelo, os co-agricultores (ou consumidores) precisam realizar um investimento financeiro, que funciona como uma assinatura. Os agricultores envolvidos geralmente fornecem raízes, tubérculos, legumes, frutas, leite, ovos, folhosas e até PANCs (Plantas Alimentícias Não Convencionais).

No Brasil, o projeto da CSA – Comunidade que Sustenta a Agricultura surgiu em 2011 e atualmente conta com mais de 300 comunidades em todo o país. A maioria das CSAs se concentram no sudeste, no nordeste há aproximadamente 33, em funcionamento ou em processo de criação. O campo de expansão das CSAs no Nordeste tem muito potencial, dado que a região reúne o maior número de agricultores familiares do país. 

As CSAs ainda atuam como centros de formação para agricultores que desejam aprender mais sobre a agroecologia. Desde 2014, a CSA Brasil oferece uma formação de 4 dias, tanto para agricultores interessados quanto para consumidores ativos, em que oferecem orientações práticas no campo e mostram como todas as tarefas administrativas são realizadas. Algumas questões que são respondidas na formação são: como criar uma CSA, quantas pessoas são necessárias para o funcionamento, qual o tamanho da área necessária, quais os custos e como planejar a diversidade no campo.

CSA – Paraíba

A Rede CSA Parahyba foi fundada em 2020, em meio a pandemia da COVID-19 e atualmente conta com 4 CSAs em funcionamento em João Pessoa (Flor de mel, Flor de quilombo, Flor de areia, e Mata D’água), com agricultores do Quilombo do Bonfim (Areia-PB) e do território Mata d’Água (Alhandra-PB). Uma outra CSA está sendo planejada em Campina Grande (PB), com agricultores do Quilombo Grilo (Riachão Bacamarte, PB). Atualmente, as CSAs paraibanas atendem cerca de 47 famílias.

A rede paraibana adota a auto-organização inspirada nas abelhas, onde a colmeia é a casa que recebe os alimentos; as operárias são as pessoas que vão até a casa retirar seus alimentos em cota; as campeiras organizam os comprovantes dos pagamentos; a jardineira é quem dialoga diretamente com a família de agricultores; e o zangão é quem faz as entregas das cotas.

Foto: agricultora Penha, que entrega na CSA Flor de Areia, na Paraíba. (Fonte: equipe CSA Parahyba)

“Conheci o movimento da CSA no final de 2020, em meio a pandemia. Então um movimento que buscasse integrar campo-cidade, trazendo a perspectiva de uma economia horizontal, sustentável e participativa, que busca quebrar com a lógica impessoal de mercado, foi quase que uma necessidade imediata para mim. O movimento é muito potente, conhecer quem produz o que você come é muito potente e se organizar coletivamente também, apesar dos grandes desafios. Desde então, todas as semanas recebemos uma variedade de alimentos (12 produtos por semana) orgânicos e da estação! Ainda, os participantes participam em atividades que organizam o recebimento das cestas, exemplo: validar os comprovantes, definir com o agricultor quais serão os alimentos, separar os alimentos em cestas, bem como outros.”

Ariadne Bogo, colaboradora da CSA Flor de Areia, na Paraíba

A rede também atua na frente de capacitações e troca de saberes sobre plantio, cuidados da terra, biodiversidade, insumos orgânicos, logística e outros temas. Isso permite que os agricultores tenham um grupo de apoio para troca de experiências e ajuda mútua diante dos desafios. Além disso, buscando multiplicar a ideia para mais pessoas, a rede organiza encontros com diversas organizações paraibanas para divulgar a experiência e inspirar outros grupos a promoverem esse modelo.

Amanda Queiroga, 27 anos, é Engenheira Ambiental, professora, empreendedora sustentável e consultora Lixo Zero pelo Instituto Lixo Zero Brasil (ILZB). Também atua como consultora em sustentabilidade para PMEs e da palestras sobre esse tema. Acredita que escolhas conscientes podem mudar o mundo, por isso tem como propósito levar a educação ambiental para as pessoas e transformar as empresas de dentro pra fora.

Amanda faz parte da Rede Impacta Nordeste de Jovens Lideranças