Elaborado em parceria com Emerge e Systemiq, relatório da ICC Brasil apresenta o potencial da bioeconomia do conhecimento no País. Modelo de desenvolvimento econômico deve ser impulsionado por 5 setores-chave no Brasil até 2032.
A ICC Brasil, representante da International Chamber of Commerce (ICC – Câmara Internacional de Comércio) no Brasil, se uniu à Systemiq, empresa de consultoria focada em soluções ambientais, e à Emerge, focada em inovação e P&D por meio de deep techs, para lançar o estudo “O potencial do Brasil na bioeconomia do conhecimento”.
O material foi apresentado oficialmente no dia 6 de agosto, Dia da Bioeconomia, durante a 2ª edição da São Paulo Climate Week, importante evento que reúne líderes, organizações, comunidades e cidadãos engajados em construir soluções climáticas para o Brasil e o mundo, e revela uma oportunidade estratégica para o Brasil se posicionar como líder global em desenvolvimento sustentável, focando na integração de conhecimento científico, tecnológico e tradicional, para gerar valor a partir da biodiversidade.
Entre os destaques da publicação, está o potencial de mercados-chave. A estimativa é de que a bioeconomia do conhecimento (modelo de desenvolvimento econômico que utiliza recursos biológicos renováveis para produzir bens, serviços e energia de forma sustentável) possa gerar entre US$ 100 e US$ 140 bilhões em receitas anuais para o Brasil até 2032, em cinco setores-chave: alimentos, materiais, agronegócio e saúde animal, farmacêutico e cosméticos.
O estudo apresenta cenários de recorte nacional, desafios e recomendações para mitigar e resolver gargalos sobre o tema. Para sua realização, a ICC Brasil, a Systemiq e a Emerge contaram com ICC Global, Fundo Vale, Itaú, Natura e Nestlé como apoiadores estratégicos e com o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima como apoiador institucional.
Destaques do potencial de mercados-chave
O estudo aprofunda o potencial dos cinco setores estratégicos. Importante ressaltar que o setor de energia não foi considerado neste estudo por já haver análises e projeções relevantes nessa agenda. Veja abaixo os cinco setores-chave:
- Alimentos: com uma indústria consolidada e exportadora e uma biodiversidade rica em espécies endêmicas com alto valor nutricional, o setor de alimentos pode gerar entre US$40 e US$50 bilhões até 2032. Soluções da bioeconomia do conhecimento, como fermentação de precisão e revalorização de resíduos agroalimentares, impulsionam a substituição de ingredientes sintéticos e criação de ingredientes funcionais e alimentos de maior valor nutricional.
- Materiais: explorando uma base industrial diversificada, energia limpa e abundância de biomassa, o Brasil pode liderar o desenvolvimento de materiais circulares e biodegradáveis, com potencial de gerar entre US$20 e US$30 bilhões anuais até 2032. Isso inclui inovações em bioplásticos, embalagens compostáveis e madeira engenheirada, articuladas a cadeias produtivas já existentes.
- Agronegócio e Saúde Animal: com a maior biodiversidade do mundo e centros de excelência como a Embrapa, o setor pode se posicionar como fornecedor de soluções biológicas e regenerativas, gerando entre US$18 e US$25 bilhões por ano até 2032. Isso impulsionará práticas sustentáveis, criando alternativas que reduzam a dependência de insumos químicos e aumentem a resiliência produtiva.
- Saúde (Farmacêutico): com instituições de ponta como Fiocruz e Butantan, e um dos maiores sistemas de saúde do mundo (Sistema Único de Saúde – SUS), o Brasil pode se tornar um polo de bioinovação com potencial de gerar entre US$12 e US$20 bilhões por ano até 2032. Soluções da bioeconomia do conhecimento como a bioprospecção de plantas medicinais, microrganismos e enzimas confere ao país a oportunidade de transformar a biodiversidade em soluções globais terapêuticas, e retomar a produção local de ingredientes farmacêuticos ativos (IFAs) críticos, reduzindo vulnerabilidades externas.
- Cosméticos: combinando sua imensa biodiversidade com uma indústria nacional criativa e inovadora, o Brasil tem a oportunidade de consolidar cadeias sustentáveis de insumos e ampliar a diferenciação de produtos por inovação baseada em biodiversidade e conhecimento tradicional. Com isso, pode se posicionar como fornecedor global de bioativos e cosméticos sustentáveis, movimentando entre US$8 e US$12 bilhões anuais até 2032. O setor já lidera em notificações no SisGen, evidenciando sua capacidade de converter pesquisas em inovação comercial.
Apesar do grande potencial, o Brasil enfrenta desafios significativos, denominados “vales da morte da inovação”. Esses vales são classificados em três categorias: no Vale da Morte Tecnológico, as tecnologias ainda em estágio inicial não conseguem superar a distância entre a pesquisa aplicada e o protótipo funcional. No Vale da Morte do Escalonamento as inovações não encontram infraestrutura adequada para validação industrial e produção em escala. E no Vale da Morte da Comercialização a inserção competitiva dos produtos no mercado é impedida devido a barreiras regulatórias, financeiras e de demanda. Cada uma dessas etapas exige abordagens distintas para serem mitigadas.
Para superar esses gargalos, o Brasil precisa de uma estratégia estruturada em três eixos de ação. Cada um desses eixos demanda instrumentos e mecanismos específicos, orientados por missões e desenhados com base em experiências consolidadas, tanto nacionais quanto internacionais.
Para enfrentar o Vale da Morte Tecnológico, o Brasil precisa fortalecer sua base científica para proteger os ativos da biodiversidade e ampliar o desenvolvimento de soluções em bioeconomia. Evitar o Vale da Morte do Escalonamento requer aprimorar o sistema de inovação para transformar conhecimento em negócios tecnológicos. E para enfrentar o Vale da Morte da Comercialização, é essencial melhorar as condições de mercado para escalar soluções da bioeconomia.
Recomendações para impulsionar a bioeconomia do conhecimento no Brasil
O Brasil possui uma oportunidade única de liderar a bioeconomia do conhecimento, mas para que isso se concretize, o estudo propõe uma estratégia estruturada em cinco eixos de ação, conectados ao desafio de superar os três vales da morte da inovação. São eles:
- Fortalecer a base científica: tendo como missão ampliar em 10 vezes o mapeamento genético de microrganismos da biodiversidade nacional nos próximos 10 anos.
- Consolidar o ecossistema de inovação: tendo como meta aumentar em 20 vezes o número de startups de base tecnológica em bioeconomia nos próximos 10 anos.
- Criar condições de mercado: com foco na ampliação em 10 vezes da participação da biotecnologia aplicada e da inovação baseada na bioeconomia do conhecimento na economia global.
- Fortalecer a regulamentação: a bioeconomia é uma agenda que converge potenciais econômicos, oportunidades industriais, preservação ambiental e soluções para desafios globais, como segurança alimentar, saúde e mudança do clima. Para que ela seja implementada de forma estruturada, são necessários alguns ajustes regulatórios, tendo dois deles como prioridade:
a. A padronização da aplicação da Lei da Biodiversidade, que envolve a construção de um ambiente regulatório estável e orientado à inovação. Uma iniciativa que deverá ser conduzida com participação de órgãos públicos, setor privado e sociedade civil, buscando simplificar procedimentos e garantir segurança jurídica para empresas, pesquisadores e comunidades.
b. A definição de uma taxonomia específica para o setor. Hoje, não há uma taxonomia que permita classificar e rastrear adequadamente os ativos e fluxos financeiros associados à bioeconomia. A inexistência de definições claras — como a diferenciação entre fertilizantes e biofertilizantes, ou a caracterização de produtos como oriundos ou não da biodiversidade brasileira — dificulta o monitoramento de investimentos e a formulação de políticas públicas.
- Criar arquitetura financeira integrada: integrar subvenção econômica, crédito, equity, compras públicas e incentivos fiscais, respeitando o estágio de maturidade tecnológica (TRL) dos projetos e seus respectivos riscos.
Avançar na agenda da bioeconomia do conhecimento demanda um caminho de convergência entre avanço científico, transformação industrial e proteção dos ecossistemas e saberes tradicionais. A tradicional tríade de atores da inovação, conhecida como “hélice tripla” — governo, universidades e empresas — não é mais suficiente. É necessário expandir para uma hélice sêxtupla, que una governo, academia, setor produtivo, investidores, sociedade civil e a própria natureza como ator e fonte de inovação.
“É necessário entender que as respostas não virão de um único ator ou setor, mas de todos agindo em conjunto. É apenas a partir da articulação desses seis atores que será possível criar modelos sustentáveis, inclusivos e competitivos para posicionar o Brasil como liderança global de bioeconomia do conhecimento”, complementa Gabriella Dorlhiac, diretora executiva da ICC Brasil.
O relatório também aponta que, para destravar a bioeconomia do conhecimento no país, será preciso superar três desafios principais. O primeiro é a dificuldade em gerar conhecimento estratégico sobre os biomas e traduzi-lo em soluções. O segundo envolve um sistema de financiamento que concentra recursos em setores estabelecidos, e deixa de atender cadeias emergentes em momentos críticos. E o terceiro é a fragilidade da infraestrutura de inovação e as exigências regulatórias que atrasam ou desestimulam novos negócios.
“O Brasil tem uma oportunidade única de liderar a nova revolução industrial verde. O trabalho que lançamos hoje traz evidências concretas sobre como transformar nossa biodiversidade em soluções globais, com base científica, escala econômica e respeito à sociobiodiversidade. Nossa ambição é contribuir para que o Brasil lidere a bioeconomia do futuro, com mais renda, empregos de qualidade e inserção nas cadeias globais de valor. Esse estudo é um chamado a ação. Com a COP30 se aproximando, temos a chance de mostrar ao mundo que o Brasil é capaz de transformar conhecimento em prosperidade e biodiversidade em soluções”, comenta Felipe Faria, da Systemiq.
A bioeconomia do conhecimento enfatiza o papel estratégico do conhecimento científico, tecnológico e tradicional na geração de valor, indo além da simples extração de recursos para ativar uma nova economia baseada em pesquisa, inovação e produtos de alto valor agregado, com respeito à sociobiodiversidade e compromisso com a sustentabilidade.
“O Brasil reúne todos os elementos para liderar globalmente a Bioeconomia do Conhecimento: biodiversidade, ciência, empreendedorismo, indústria e capital. Este estudo, construído com base em dados e na escuta de quase 100 especialistas de diversos setores, traça caminhos concretos e revela um horizonte promissor, desde que haja ação coordenada para implementar essa estratégia a fim de transformar potencial em resultado”, finaliza Daniel Pimentel, da Emerge.
Para baixar o sumário executivo do estudo “O potencial do Brasil na bioeconomia do conhecimento”, clique aqui.