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Fundos filantrópicos se unem em estratégia inédita no Brasil

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Aliança entre Fundos reúne fundos filantrópicos que trabalham pela equidade racial, direitos humanos e sustentabilidade ambiental para enfrentar os impactos da COVID-19 em comunidades tradicionais

*Com informações de Fundo Casa Socioambiental

Foi lançada no último dia 26/08, a Aliança entre Fundos . A iniciativa inédita e inovadora de filantropia colaborativa no Brasil tem como objetivo ampliar a captação de recursos para fortalecer quilombolas e indígenas no enfrentamento dos impactos da pandemia da COVID-19. A ação reúne três fundos tradicionais no campo da filantropia social: o Fundo Baobá para Equidade Racial, o Fundo Brasil de Direitos Humanos e o Fundo Casa Socioambiental.

A primeira ação coletiva do grupo será o lançamento de editais, com previsão de abertura das inscrições em setembro. O aporte inicial será de R$ 2,5 milhões distribuídos entre os editais voltados para as comunidades quilombolas e indígenas. O lançamento da iniciativa foi marcado pela roda de conversa “Impactos da COVID-19 e a filantropia para justiça social no Brasil”. Participaram da Live de lançamento, Selma Moreira, diretora executiva do Fundo Baobá, Allyne Andrade, superintendente adjunta do Fundo Brasil, e Maria Amália Souza, fundadora e diretora de desenvolvimento estratégico do Fundo Casa. O evento também contou com a participação de David Fleischer, representante da Inter-American Foundation (IAF) para o Brasil e Uruguai. A mediação foi de Fernanda Lopes, diretora de programas do Fundo Baobá. O encontro abordou questões referentes ao campo da filantropia no Brasil e os desafios para fazer com que os recursos cheguem até às organizações, grupos, coletivos de base e comunitários dos povos indígenas e quilombolas.

Escuta ativa

Na abertura do evento, o representante da IAF ressaltou que a necessidade de ampliar o apoio às comunidades de base foi um dos fatores primordiais para o apoio da organização à Aliança. Segundo ele, o forte vínculo já estabelecido entre os Fundos e as comunidades quilombolas e indígenas é fundamental para a atuação direta nestes grupos. “A Aliança entre Fundos aumenta a capilaridade das ações. Principalmente em localidades isoladas, que possuem mais dificuldade de acesso a recursos públicos e ao capital estrangeiro. Além disso, são Fundos temáticos, com forte ênfase em justiça social, que estão trabalhando juntos e trazendo experiências em enfoques diferentes para problemas que afetam toda a sociedade. E segundo, estão concentrando esforços e recursos para apoiar iniciativas locais inovadoras no enfrentamento aos impactos da pandemia”, disse Fleischer. “Outros apoiadores nacionais e internacionais devem investir nessas iniciativas”, afirmou.

Em 2020, os três Fundos já se mobilizaram individualmente para ações emergenciais a fim de reduzir os impactos da pandemia da COVID-19. As ações incentivaram a aproximação entre os Fundos e fortaleceram o diálogo entre pares para aprimorar as estratégias de promoção da justiça social no país. “Quando do início da pandemia da Covid-19, todos os Fundos, e nós três aqui em particular, iniciamos ações emergenciais. O processo de iniciar editais de ação emergencial nos permitiu ficar ainda mais conectados, próximos, com uma escuta ativa para entender qual era a demanda do campo. Trazemos esta expertise. Por isso, nosso desejo é fazer com que a Aliança se torne mais robusta”, disse Selma Moreira, diretora executiva do Fundo Baobá.

Da esquerda para a direita: Selma Moreira (Fundo Baobá), Allyne Andrade (Fundo Brasil), Maria Amália Souza (Fundo Casa), Fernanda Lopes (Fundo Baobá) e David Fleischer (IAF). (Arte: Fundo Casa Socioambiental)

Allyne Andrade, superintendente adjunta do Fundo Brasil de Direitos Humanos reforçou este argumento. “Nossa proximidade com o campo faz com que consigamos dar respostas rápidas. Quanto mais pessoas pudermos contar para fortalecer essas iniciativas, colocar dinheiro no campo para fortalecer e apoiar essas lutas, mais impactos positivos teremos”, afirmou.

Também Maria Amália, do Fundo Casa, enfatizou o convite para que novos investidores e filantropos apoiem a iniciativa e destacou que o envolvimento da sociedade é fundamental para defender a vida dos povos tradicionais. “Não é possível, por exemplo, continuar acreditando que os indígenas e os quilombolas devem defender a Amazônia, ao custo da própria vida, sem receber investimentos do Brasil e, dependendo de recursos, de fora do país. O único jeito de proteger a Amazônia e os biomas vitais para o equilíbrio planetário é investindo nessas populações que são os verdadeiros guardiões da Amazônia, um bioma da maior importância para o equilíbrio da vida do planeta”, disse.

Resiliência

A expectativa dessa parceria é fortalecer a resiliência das comunidades locais e a promoção da justiça racial, social e ambiental. Selma Moreira lembrou que o Fundo Baobá enxergou de perto os efeitos do racismo nas comunidades quilombolas. “A gente entendeu os efeitos latentes do racismo na estrutura da nossa sociedade. Foi este panorama que nos motivou a entrar na Aliança para atender estas demandas urgentes. E para reconhecer a sabedoria dos quilombolas pelo processo de escuta, com recursos para que as organizações locais tenham protagonismo, liderando seus projetos e soluções para melhorar suas demandas para uma vida plena”.

“estamos assistindo a uma tentativa de apoiar a invasão de terras indígenas, a exploração de recursos naturais, a escalada dos conflitos e da violência contra as comunidades e lideranças indígenas. Por estes motivos, apoiar os povos indígenas é apoiar a defesa e ampliação da própria democracia brasileira”

Já Allyne Andrade, do Fundo Brasil de Direitos Humanos, reforçou que os povos indígenas enfrentam neste momento violações a seus direitos constitucionais de forma ainda mais acentuada. “Neste exato momento, mais de 170 povos indígenas estão em Brasília marcando posição contra a tese do marco temporal, que pode restringir o acesso destes povos às suas terras ancestrais e está sendo apreciada no Supremo Tribunal Federal”, disse, acrescentando que “estamos assistindo a uma tentativa de apoiar a invasão de terras indígenas, a exploração de recursos naturais, a escalada dos conflitos e da violência contra as comunidades e lideranças indígenas. Por estes motivos, apoiar os povos indígenas é apoiar a defesa e ampliação da própria democracia brasileira”, avaliou Allyne.

Maria Amália, do Fundo Casa Sociambiental, por sua vez, salientou que a instituição foi criada por atores do campo socioambiental da América do Sul que perceberam que os recursos não chegavam aos grupos mais vulneráveis. “Entre os pontos em comum com os parceiros da Aliança está o esforço de compartilhar nossa experiência com líderes sociais dos países vizinhos, o que resultou na criação de quatro novos fundos socioambientais que passam a disponibilizar mais recursos, e de forma coordenada, por toda região. Multiplicar esta experiência colaborativa é fundamental. Queremos inspirar, agregar e estimular outras formas de organização no campo da filantropia social. Sozinho, ninguém resolve tudo”, afirmou.