Para além de opiniões, ponderações e sensações que possamos ter sobre este tema – sobre isso venho refletindo há algum tempo e com bastante frequência – me atenho aqui neste artigo a algumas interpretações possíveis frente aos dados recém-lançados pelo GIFE, em ótimo formato de infográfico, das duas últimas edições do Censo GIFE – 2016 e 2018.
Vale destacar que este tema – investimentos e negócios de impacto – passou a integrar o censo GIFE a partir da edição de 2016, por se tratar de uma agenda nova no universo do investimento social privado (ISP). A própria Rede Temática de Negócios de Impacto do GIFE foi criada em 2016, na esteira desta aproximação destas agendas.
Antes de mais nada, segue o link do infográfico para quem ainda não viu ou que viu apenas transversalmente: https://mosaico.gife.org.br/censo-gife/infograficos/4.
Pra começo de conversa
Tenho escrito, refletido e participado ativamente deste campo dos investimentos e negócios de impacto buscando sempre a convergência com os campos do ISP e da inovação social. Meu último livro, lançado em meados de 2019 – Impacto na Encruzilhada – tem bastante conteúdo sobre estes temas.
Deixo abaixo alguns dos vários artigos que já publiquei sobre o tema:
É preciso fortalecer organizações intermediárias do ecossistema de negócios de impacto! Como?
Impacto na encruzilhada: para onde estamos indo?
O que não te contaram sobre negócios de impacto
Do Fundacentrismo ao Impactocentrismo: a filantropia na antessala do século 21
Mitos, dilemas e oportunidades dos negócios de impacto
Venture Philanthropy: importa menos o nome e mais o que ele traz consigo
Portanto, as críticas e reflexões que tenho feito, há algum tempo, têm o objetivo de provocar discussões sobre quais seriam as formas mais profícuas de institutos, fundações e empresas apoiarem esse campo, de fomentarem que seu ecossistema cresça, se fortaleça e se diversifique, numa ótica que vai muito além do mero e imediato benefício direto institucional.
Tá bom, mas e os dados?
Feito este longo e necessário preâmbulo, vamos ao que interessa. Uma análise mais profunda no infográfico me permitiu identificar pelo menos quatro principais achados:
Um: Afinal, quem compõe o universo de institutos e fundações envolvido com o tema?
Pergunta de um milhão de dólares, pois muitos querem saber qual o tamanho da amostra de institutos e fundações envolvidos, de fato, com o tema. Ainda que o Censo GIFE não represente todo o ISP do país, podemos inferir que os dados levantados pelo Censo trazem uma boa impressão do “andar desta carruagem” no setor do ISP como um todo.
Feita essa ressalva, o gráfico a seguir permite observar que a maioria deste universo (60%) ainda não está engajada com o tema.
60% das organizações não têm envolvimento com o campo de negócios de impacto (Fonte: Censo GIFE 2018)
Dos que já estão envolvidos (40%) – parte esquerda do gráfico (cores amarelo, laranja e vermelho), apenas 19% aportam recursos no tema; os demais (21%) ou não aportam recursos ou não informaram.
Outro dado que o infográfico revela: dos 60% que não têm envolvimento com o tema, um terço não tem intenção de apoiar essa agenda nos próximos três anos, e os dois terços restantes declaram estar buscando se informar a respeito.
Resumo da ópera: tema ainda novo para o conjunto de investidores sociais privados e, portanto, há uma “avenida” de possibilidades pela frente. Me arrisco a dizer que ainda estamos numa fase de flerte e possível aproximação.
Dois: Quanto de recursos ($) está sendo investido nesta agenda?
E os institutos e fundações já envolvidos com o tema têm aportado qual volume de recursos e pra que tipo de iniciativas deste campo?
Vale retomar o dado do gráfico anterior, dando um zoom nos 40% que declaram já envolver-se com o tema. Destes, um terço afirma aportar até 5% de seus respectivos orçamentos, o que está em linha com a Recomendação 2 da Aliança pelos Investimentos e Negócios de Impacto, que sugere que institutos e fundações aloquem até 5% de seus orçamentos, até 2020, para fomentar este campo. Por outro lado, neste universo dos 40% é possível identificar que 21% (ou seja um quinto) não aportam recursos ao tema. Daí poderíamos indagar: como seria envolver-se com o tema sem alocação de recursos? Veremos no próximo tópico.
Quanto ao volume de recursos aportado no tema, observa-se no gráfico a seguir que houve expressivo aumento entre as duas edições do Censo, saltando de R$ 81 milhões em 2016 para R$ 117 milhões em 2018.
O volume de investimento do ISP em negócios de impacto aumentou 44% em 2018, em relação a 2017 (Fonte: Censo GIFE 2018)
O crescimento deste aporte de recursos é, obviamente, digno de celebração. Entretanto, seria prudente colocarmos uma lupa neste dado de R$ 117 milhões, pois deste montante, R$ 80 milhões são aporte de empresas e caberia melhor compreender quantos aportes, de quantas empresas e em quais negócios de impacto ele se dá.
Essas indagações, convém lembrar, estão ancoradas em 2 “mantras” que temos sustentado no campo do ISP:
- importância de que o capital filantrópico aporte recursos para o fortalecimento deste ecossistema (de investimentos e negócios de impacto), ainda em construção e passível fortalecimento, regionalização e diversidade pelo país; e
- necessidade de convergir este fortalecimento a partir do suporte a organizações intermediárias deste setor.
Convém lembrar que boa parte destas organizações conta em âmbito global com suporte da filantropia e de governos e que, no contexto brasileiro, elas são, em geral, organizações sem fins lucrativos e, portanto, parte da sociedade civil que historicamente tanto o ISP busca apoiar e fortalecer.
Seria forçar demais a barra neste tipo de correlação? Seria forçar a barra crer que organizações intermediárias do campo de impacto são também parte da sociedade civil que a filantropia busca fortalecer?
Resumo da ópera: o volume de recursos do ISP neste campo é crescente (44%), mas ainda não nos permite identificar com profundidade onde e como ele vem sendo alocado. Os dados indicam que há crescimento percentual tanto em apoio direto a negócios quanto a intermediários, porém os índices atuais seguem baixos:
“o repasse de recursos para intermediários e diretamente para negócios de impacto passou, entre 2016 e 2018, de 6% para 16% e de 8% para 14%, respectivamente”.
Três: Como institutos e fundações têm se envolvido com o tema?
A forma como institutos e fundações vêm se envolvendo com o tema revela o apetite da organização frente a um novo tema que tem estado mais presente em seu radar. Convém destacar que a observação do contexto internacional do setor fundacional nos traz diferenças e semelhanças no envolvimento do setor com o tema. Talvez a maior diferença para a realidade brasileira passa, por enquanto, pela interface dos fundos patrimoniais com a indústria do investimento de impacto. Como a regulamentação dos fundos patrimoniais é recente no país e que este instrumento ainda não esteja presente na maioria dos institutos e fundações do setor, será uma variável a ser acompanhada nos próximos anos.
Voltando aos dados do infográfico, podemos identificar algumas preferências na forma como vem se dando a aproximação e o envolvimento de institutos e fundações com o tema. São três principais maneiras de aproximação e envolvimento que os dados nos revelam:
- observar e se aproximar, pouco a pouco
- envolver-se por meio de participação em eventos e redes, mas ainda sem alocação de recursos
- envolver-se mediante alocação de recursos (seja no ecossistema, em organizações intermediárias e/ou com investimento ou apoio direto a negócios de impacto).
Obviamente, venho defendendo esta última opção, por dois motivos básicos:
- porque “cair pra dentro” do tema trará aprendizados mais profundos e orgânicos ao instituto/fundação (às equipes, lideranças e conselho, e consequentemente poderá gerar desdobramentos em sua estratégia de atuação)
- porque envolver-se com mais profundidade e com alocação de recursos também contribui para fortalecer este ecossistema.
Resumo da ópera: O momento é de observação e aproximação, sobretudo por meio de eventos, espaços formativos e de articulação. Daí a importância da própria Rede Temática de Negócios de Impacto do GIFE, de eventos do setor (como o Fórum de Investimentos e Negócios de Impacto, por exemplo), dentre outros espaços e iniciativas.
Quatro: Quais seguem sendo os principais desafios pela frente?
O último achado do infográfico que abordo aqui diz respeito aos desafios que institutos e fundações têm pela frente na aproximação com esta agenda. O gráfico a seguir nos ajuda a perceber que:
- para 41% não houve desafios ou eles estão sendo solucionados
- para 25% o maior desafio é relativo à decisão institucional
- para 14% o desafio é orçamentário
Principais desafios para atuar com o tema de negócios de impacto social (Fonte: Censo GIFE 2018)
Como vimos nos quatro achados abordados ao longo do texto, nota-se o quanto a agenda de negócios de impacto segue numa tendência crescente de aproximação com o campo do ISP.
Por outro lado, em se tratando de uma agenda nova para o universo de institutos e fundações, o número de players do ISP efetivamente engajados na agenda é ainda pequeno, diante das oportunidades e necessidades que o ecossistema de impacto apresenta.
Tentando projetar um olhar mais adiante, é possível supor uma tendência de crescimento desta aproximação/envolvimento destes campos. Espera-se, ao menos, que este processo siga reforçando alguns dos “mantras” que têm sido discutidos entre institutos e fundações mais engajados neste tema – de que o capital filantrópico siga apoiando o ecossistema de impacto e organizações intermediárias chaves. A conferir o que a próxima edição do Censo GIFE nos mostrará.
(Artigo original publicado no portal GIFE)
Fabio Deboni é Engenheiro Agrônomo e mestre em recursos florestais pela ESALQ/USP. É gerente-executivo do Instituto Sabin e membro do Conselho do GIFE. Participa ativamente do engajamento de institutos e fundações no campo das finanças sociais e negócios de impacto. Autor do livro Impacto na Encruzilhada