Opinião

O desenvolvimento sustentável com visão sistêmica de Brasil

4 mins de leitura

Por Gláucio Gomes

Vivemos um momento de aquecimento do debate nacional sobre um projeto nacional de desenvolvimento sustentável para o Brasil. De construção de uma política que seja consistente e que oriente, a partir de princípios convergentes na sociedade, a atuação de governos, em todos os níveis, da sociedade civil organizada e de empresas e empreendedores, ao reconhecerem a relevância e a criticidade do tema. Alguns pontos se apresentam como merecedores de especial atenção nesse processo. 

O primeiro ponto é o cuidado que precisamos ter para que uma agenda nacional sobre desenvolvimento sustentável não seja exclusivamente pautada pelo contexto da Amazônia e seus aspectos geopolíticos. É uma tendência preocupante, quando observamos as narrativas em construção. 

“Por mais relevantes que sejam a preservação e as estratégias para aproveitar as valiosíssimas oportunidades que há na biodiversidade amazônica (…) esse não é um desafio específico àquele contexto na realidade brasileira.”

Por mais relevante que sejam a preservação e as estratégias para aproveitar as valiosíssimas oportunidades que há na biodiversidade amazônica para gerar desenvolvimento econômico com melhorias de condições de vida e de trabalho para os povos da região, esse não é um desafio específico àquele contexto na realidade brasileira. São igualmente críticas as situações de desmatamento, de geração de passivos ambientais e dos efeitos devastadores dessa degradação e da crise climática sobre os povos que vivem, por exemplo, no Cerrado e na Caatinga, assim como estão presentes as oportunidades em sua biodiversidade.

No Semiárido, por exemplo, é alarmante o ritmo do avanço da desertificação. Os efeitos imediatos, e ainda mais assustadores em longo prazo, no agravamento do cenário de escassez e insegurança hídrica para as comunidades. E as consequências na agricultura, principalmente para os pequenos e médios produtores, praticantes da agricultura familiar, que já convivem com a precariedade de infraestrutura e a insuficiência de investimentos e políticas públicas, com desmonte da rede de proteção social e de fomento e suporte à produção rural de base. 

Muitas das abordagens, tecnologias e estratégias que estão sendo trabalhadas para o desenvolvimento sustentável, considerando preservação, recuperação e aproveitamento de oportunidades da biodiversidade na Amazônia, tais como em campos da bioeconomia, também são aplicáveis e bastante pertinentes em outros biomas críticos brasileiros. 

Vale lembrar que o Brasil tem uma História bastante marcada por políticas de desenvolvimento nacional com base em “balas de prata” – na exploração predatória de oportunidades tidas como únicas e messiânicas, que geraram histeria coletiva e correrias por parte de aproveitadores e oportunistas. Um péssimo hábito, de mobilizar todos os esforços e tomar momentos de oportunidade como soluções únicas para todos os problemas brasileiros, para finalmente cumprir-se com a promessa fantasiosa de “país do futuro”. No fim das contas, foram momentos da História que levaram a maior concentração de riquezas por parte de privilegiados e que deixaram pelo caminho rastros de pobreza, violência e degradação em comunidades e aldeias, especialmente no Norte e no Nordeste.

A História do país também é marcada por ocasiões em que narrativas foram disseminadas no sentido de pedir compreensão e paciência a setores da sociedade menos privilegiados e mais vulneráveis, em nome de investimentos concentrados que seriam mais estratégicos ou prioritários em outros segmentos. Discursos repletos de promessas eternas e práticas cheias de soluções imediatistas, que, mais uma vez, deixaram partes da sociedade esperando até hoje por suas recompensas pela paciência e compreensão que tiveram.

“Não se pode tratar políticas de desenvolvimento com uma lógica de futebol de várzea, em que todos os atores envolvidos correm atrás da bola ao mesmo tempo e sem senso de coletividade, sem visão sistêmica, ecológica e estratégica.”

Não se pode tratar políticas de desenvolvimento com uma lógica de futebol de várzea, em que todos os atores envolvidos correm atrás da bola ao mesmo tempo e sem senso de coletividade, sem visão sistêmica, ecológica e estratégica, orientados por objetivos claros e noção de efetividade. Mais do que pensar no desenvolvimento sustentável da Amazônia, é preciso pensar em um projeto de desenvolvimento sustentável para o Brasil, que considere seus povos, sua sociobiodiversidade, seu dinamismo e a pulsão de vida que há de Norte a Sul, em suas dimensões continentais.

Qualquer estratégia de desenvolvimento sustentável apenas é válida se for social, política e economicamente inclusiva, respeitosa às culturas e identidades dos povos locais, democrática e que envolva a ampliação das capacidades das pessoas que vivem nos territórios para que se tornem protagonistas, empreendedores e lideranças em suas trajetórias. No final do dia, a principal potência para o desenvolvimento efetivamente sustentável de um território é sua gente.

Gláucio Gomes atua hoje como diretor de desenvolvimento na Adel. É especialista em gestão do desenvolvimento local e co-fundador e sócio-diretor da Rummos Assessoria Pesquisa e Avaliação. Tem 20 anos de experiência em planejamento estratégico, gestão, mobilização de recursos, monitoramento e avaliação de programas de desenvolvimento humano, fortalecimento institucional e de iniciativas de investimento social e sustentabilidade corporativa em níveis nacional e internacional.