Impacta Nordeste

O Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência e a luta pela igualdade de gênero

Data criada em 2015, tem como principal objetivo mostrar a importância das mulheres cientistas e estimular jovens mulheres e meninas a se interessarem pela área. Conheça algumas iniciativas espalhadas pelo país que lutam por uma participação mais igualitária das mulheres nas ciências.

*Foto da capa: Cientistas criadoras da Rede Kunhã Asé de Mulheres na Ciência/Divulgação. Observação: Foto tirada antes da pandemia.

Questões de gênero e a importância da ciência, pautas do momento, são também temas que permeiam o Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência, comemorado nesta sexta-feira, dia 11. A data criada em 2015, pela Assembleia Geral das Nações Unidas, tem como objetivo aumentar a conscientização sobre a importante atuação das mulheres na ciência e reforçar a toda a comunidade internacional que a ciência e a igualdade de gênero devem avançar lado a lado, a fim de enfrentar os principais desafios mundiais e alcançar todos os objetivos e metas da Agenda 2030. 

Dados da ONU e da UNESCO mostram como é importante dar visibilidade e promover esforços para participação igualitária das mulheres nas ciências. As mulheres representam menos de 30% dos pesquisadores no mundo, principalmente em áreas como ciências, tecnologia, engenharia e matemática (STEM, na sigla em inglês). E cerca de 30% de todas as alunas que entram no ensino superior optam por áreas relacionadas ao STEM.

A ONU Mulheres elaborou, em 2020, o relatório “Las Mujeres En Ciencias, Tecnología, Ingeniería Y Matemáticas En América Latina Y El Caribe” que expôs as barreiras de gênero existentes nas ciências e nas tecnologias. O relatório demonstra que elas estão presentes em todas as fases do desenvolvimento, desde a tenra idade e de forma estrutural, na sociedade. Como também alerta para a urgente diminuição desses entraves e cita como um ponto de partida as ações e projetos que já vêm sendo desenvolvidos na América Latina e no Caribe e que visam ampliar a representatividade das meninas e mulheres nas áreas STEM

Já a UNESCO lançou em 2018 a publicação “Decifrar o código: educação de meninas e mulheres em ciências, tecnologia, engenharia e matemática (STEM)” que trata das principais dificuldades que levam a baixa representatividade das mulheres nas áreas STEM e cita diversas iniciativas ao redor do mundo de alcançar a igualdade de gênero e o empoderamento econômico das meninas e mulheres por meio da educação.

Dificuldades e incentivos

No Brasil, de acordo com Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), as mulheres representam 40,3% dos 77,8 mil pesquisadores nas cinco maiores áreas de conhecimento que declararam ter doutorado na Plataforma Lattes. Com destaque da presença feminina nas áreas de saúde que representa 28.612 ou 36,73% do total. Mesmo sendo maioria em algumas áreas da ciência, as brasileiras ainda encontram uma grande dificuldade quando se fala em equidade de gênero e quando se fala na ocupação de cargos de liderança dentro da pesquisa científica e embora a participação feminina nas ciências exatas esteja aumentando, a desigualdade permanece quando o assunto são publicações, citações, bolsas concedidas e colaborações.

Mesmo com essas dificuldades, nomes promissores têm surgido em diversas áreas de atuação do campo científico. Um exemplo é a amapaense, Aira Beatriz, uma jovem cientista que entrou para a lista Under 30 da Forbes, que traz alguns dos nomes mais promissores de jovens brasileiros. Aira, além de ganhadora de vários prêmios na área de agronomia e desenvolvimento sustentável, também é embaixadora da Juventude pela ONU, liderança do programa Amazon Scientists, patrocinado pela Embaixada dos Estados Unidos no Brasil, e parceira da Nasa Education.

Aira Beatriz, jovem cientista e cofundadora do Instituto Leva Ciência do Amapá. (Foto: Arquivo pessoal)

A jovem afirma que atuar no campo da ciência é desafiador e que vários momentos da vida, não só por ser jovem, mas também por ser mulher passou por fases de invalidação. “Hoje mesmo estando em uma posição com um excelente potencial representativo e com uma base fortalecida, muitos não valorizam o papel feminino que luta para conseguir espaço no cenário científico. Acredito que um dos nossos maiores desafios como meninas e mulheres seja quebrar o reforço de estereótipos no qual somos sujeitas ainda na infância como quando meninos são estimulados por meio de atividades que os incentivem a desenvolver o interesse por STEM e boa parcela de meninas são condicionadas a atividades do lar, por exemplo. Ainda na fase adulta as mulheres encontram muita dificuldade para continuar na carreira científica por receberem menos financiamentos de pesquisa comparado aos homens, além de uma parte precisar enfrentar uma jornada de responsabilidade com afazeres domésticos, maternidade ou até mesmo falta de apoio por parte do cônjuge”.

“Nossos maiores desafios como meninas e mulheres seja quebrar o reforço de estereótipos no qual somos sujeitas ainda na infância como quando meninos são estimulados por meio de atividades que os incentivem a desenvolver o interesse por STEM e boa parcela de meninas são condicionadas a atividades do lar”

Para Aira é preciso colocar em prática ações afirmativas que assegurem o espaço de meninas e mulheres na ciência. “Precisamos destinar mais bolsas de incentivo, em especial às mais vulneráveis, como mulheres em situação de risco social, pretas, indígenas e quilombolas. Um investimento que seja a curto, médio e longo prazo, além de que precisamos fortalecer a nossa rede de apoio para termos uma base cada vez mais consolidada e segura”. 

É nesse ponto que o Instituto Leva Ciencia, do qual a Aira é uma das fundadoras, atua, por meio do incentivo e promoção à iniciação científica e tecnológica. Para garantir a permanência dos estudantes no programa são fornecidas cestas básicas, material didático, vale-transporte e ajuda de custo para os eventos. A iniciativa já impactou mais de 2 mil estudantes da rede pública e conta com 25 alunos premiados nacional e internacionalmente.

Desafios aumentam com a pandemia

Na pandemia de covid-19 as mulheres pesquisadoras mostraram ter um papel fundamental em diferentes estágios da batalha contra o coronavírus desde o avanço do conhecimento sobre o vírus, até o desenvolvimento de tecnologias para produção de testes de alta qualidade e eficiência, bem como desenvolvimento de vacinas contra a covid-19. 

No entanto, apesar de a pandemia ter elucidado a importante atuação das mulheres nas pesquisas científicas, também trouxe um impacto negativo sobre as carreiras de algumas cientistas. Por exemplo, a sobrecarga de tarefas relacionadas a família e cuidados com crianças e idosos contribuiu para ampliar e apontar as desigualdades de gênero no sistema científico.

Esse foi um dos motivos que fizeram surgir a Rede Brasileira de Mulheres Cientistas, que conta com mais de 3 mil cientistas brasileiras. Em 2021, em meio a pandemia, a rede lançou um manifesto denunciando “as consequências do posicionamento do governo federal ao afrontar a ciência e desprezar a vida da população brasileira, colocando em risco aqueles que tinha por dever proteger”.

O manifesto também pontuou sobre a situação das mulheres cientistas no país: “Somos cientistas, ainda sub-representadas nas universidades e nas instituições de pesquisa brasileiras, segundo dados do CNPq, e, neste momento tão dramático, que afeta inclusive as nossas produções científicas, buscamos atuar em defesa das mulheres a partir de uma perspectiva que busca a atenção a algo praticamente ignorado no debate público: a condição das mulheres brasileiras na pandemia. Há uma ausência completa de políticas públicas voltadas a apoiar as mulheres e meninas neste momento de crise humanitária. É preciso exigir que o Estado brasileiro cumpra seu papel”.

Fortalecendo as futuras gerações

Outro grupo de cientistas que merece destaque é a Rede Kunhã Asé de Mulheres na Ciência, que foi criada por quatro jovens pesquisadoras da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e que hoje reúne mais de 70 mulheres em todo o Brasil e no exterior. A porta-voz da Rede e mestra em Ciências Biológicas – Biodiversidade Neotropical, Fernanda Dias, lembra o importante papel das mulheres na contribuição para a ciência e como as mulheres que acabam por ganhar destaque dentro das suas áreas tornam-se referência para as futuras gerações.

Encontro da Rede Kunhã Asé de Mulheres na Ciência. (Foto: Divulgação. Observação: Foto tirada antes da pandemia).

Fernanda explica que ainda é muito difícil promover a igualdade de gênero na área das ciências e que existem muitos desafios em todas as etapas que envolvem uma mulher cientista. “Um deles é o vazamento de duto que ocorre ainda na infância quando as meninas além de serem desencorajadas das atividades mais complexas, não possuem referências de mulheres cientistas, o que as faz não se enxergarem como capazes de ocupar um cargo de cientista. O vazamento de duto permanece na graduação e pós-graduação, quando as mulheres sofrem com diversas questões, entre elas: machismo, sexismo, humilhação, racismo, lgbtqifobia, assédios morais e sexuais, falta de recursos financeiros, bem como pressões com publicação e com a maternidade”.

Ela também aponta que já existem alguns avanços para melhorar esse cenário, entre eles, a criação de redes de apoio a mulheres cientistas em diversos setores da área das STEM. “A criação de redes é de extrema importância para que as mulheres possam ser ouvidas, compartilhem informações acadêmicas, fortaleçam parcerias com outras mulheres, mas principalmente um lugar onde possam discutir estratégias para mudar esse cenário. Ainda temos muitos caminhos a serem trilhados começando com o respeito dos cientistas homens cisgêneros, a existência de mais mulheres cientistas em posições de poder (ocupando cargos de diretoria, coordenação, curadoria, entre outros),entre outros”, afirma a representante da Rede. 

Na visão da Rede Kunhã Asé, uma atitude que pode aumentar a participação de mulheres nas ciências é começar a falar de equidade de gênero e de mulheres na ciência no ensino fundamental e médio. “Crianças e adolescentes tendem a não ter mulheres cientistas como referência nessas idades, justamente por não ser abordado pelos próprios professores dentro da sala de aula. Citar mulheres cientistas que fizeram história (Ada Lovelace, Rosa Luxembugo, Rosa Parks, Marie Curie, Rosalind Franklin) e que fazem história (Malala Yousafzai, Emmanuelle Charpentier e Jennifer Doudna, Maria Ressa) faz toda a diferença, é você trazer para a realidade delas que mulher pode ser sim cientista. Outra forma de fazer isso é trazer mulheres cientistas para conversar e/ou dar uma palestra com as crianças e adolescentes, sendo uma ótima alternativa de abordar a questão da equidade de gênero na ciência dentro desses ambientes de ensino”, reforça Fernanda Dias. 

“A criação de redes é de extrema importância para que as mulheres possam ser ouvidas, compartilhem informações acadêmicas, fortaleçam parcerias com outras mulheres, mas principalmente um lugar onde possam discutir estratégias para mudar esse cenário.”

A Rede Kunhã Asé de Mulheres na Ciências atua combatendo a disparidade de gênero e popularizando a ciência feita por mulheres, principalmente, para as meninas. Três grupos de trabalho são alguns dos carros chefes das atividades da rede: Semear, Germinar e Florescer. O Semear é voltado para as meninas na faixa etária escolar e tem ações com foco na divulgação científica, ampliando a visão das meninas sobre o mundo científico e aumentando o número delas ingressando nas ciências, por meio de atividades junto às escolas ou abertas ao público. O Germinar tem como principal intuito evitar o chamado “Vazamento de Duto”, que se caracteriza pela saída de mulheres e outros grupos marginalizados de dentro da academia. Uma das ações é a realização de debates entre as cientistas a fim de identificar problemas e propor ações que possam alterar essa estrutura patriarcal, dando suporte às mulheres cientistas de início de carreira. Já no Florescer é feito o mapeamento dos problemas enfrentados por mulheres cientistas ao longo de suas carreiras, promovendo soluções para resolvê-los, como também a promoção de ações voltadas para capacitação de mulheres em diferentes áreas.

Outra iniciativa que visa ampliar a visibilidade das pesquisas realizadas pelas mulheres cientistas e inspirar e envolver mulheres e meninas na ciência é o Museu Espaço Ciência, localizado em Olinda/PE. O espaço preserva, interpreta e promove o patrimônio científico da humanidade: mantém um acervo de experimentos; cria condições para a fruição e compreensão e promoção do patrimônio científico. Durante essa semana, o espaço está promovendo a Semana das Mulheres e Meninas na Ciência com diversas atividades, dentre elas uma remota que falar sobre o trabalho de três cientistas: Rosalind Franklin, principal responsável pela descoberta da estrutura do DNA; e as contemporâneas Ester Sabino e Jaqueline Goes, que fizeram parte da equipe brasileira que sequenciou, em tempo recorde, o genoma do SARS-COV-2, responsável pela covid-19. 

Por fim, o Dia Internacional das Mulheres e Meninas nas Ciências lembra que a garantia da maior representatividade está diretamente ligada à redução das situações de vulnerabilidades sociais provocadas pela desigualdade de gênero, permitindo o empoderamento econômico e maior contribuição ao desenvolvimento sustentável do planeta de acordo com a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, aprovada pela Assembleia das Nações Unidas.

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