Opinião

O futuro da equidade de gênero no Brasil: Como avançar no ODS 5 – Igualdade de gênero da Agenda 2030?

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Décimo ano que “comemoramos” o Dia Internacional da Mulher, após a criação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU. E o que evoluímos (ou não) na equidade de gênero, até aqui?

Segundo Relatório sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, lançado em 2024, pela ONU, apenas 17% das metas estão atualmente na direção correta e 30% das metas estão estagnadas ou regredindo, globalmente.  

É fato que não conseguimos avançar como gostaríamos, no entanto, existem iniciativas e OSCs voltadas para mulheres que são um alento nessa luta, como o Grupo Mulheres do Brasil, que atua com mais de 20 causas pelo protagonismo feminino e igualdade de gênero; o Instituto RME – Rede Mulher Empreendedora, que promove o empreendedorismo feminino; o movimento Mulher 360, que une empresas comprometidas na promoção da equidade de gênero e na ampliação da participação das mulheres no ambiente empresarial, dentre tantas outras iniciativas, locais ou nacionais. 

Com relação a políticas públicas alinhadas ao ODS 5, temos evoluído, mesmo que a passos lentos, como exemplos temos: políticas para o combate da violência contra a mulher, com a ampliação das CMBs – Casa da Mulher Brasileira, a elaboração do Plano e Políticas Nacional de Cuidados, com a criação de Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) e a Lei de Igualdade Salarial e critérios remuneratórios, que será explorada mais a frente nesse artigo.

Trazendo dados sobre o ODS 5, se avaliarmos somente o indicador 5.5.2 da meta 5.5: “Garantir a participação plena e efetiva das mulheres e a igualdade de oportunidades para a liderança em todos os níveis de tomada de decisão na vida política, econômica e pública”, o percentual de mulheres em cargos gerenciais saiu de 36,8% em 2015 para 39,4% em 2024, no Brasil, e de 39,8% em 2015 para 43,5% em 2024, no Nordeste, segundo dados do IBGE

No estudo Panorama Mulheres 2023 – Brasil, realizado pelo Talenses Group em conjunto com o Insper e divulgado pela HSM Management, a participação de mulheres em Conselhos passou de 10% em 2017 para 21% em 2023. Em cargos de Diretoria Executiva, a participação das mulheres passou de 21% para 26%.

 Quando avaliamos dados que trazem interseccionalidades, os números são ainda mais desoladores. Em pesquisa realizada em 2023 pelo Pacto Global em parceria com a 99jobs, 81% das empresas brasileiras têm, no máximo, 10% de mulheres negras em cargo de liderança. O levantamento revela ainda que 70% das mulheres negras são lideradas por homens. Em 2024, a consultoria Talento Incluir fez uma pesquisa e constatou que menos de 0,5% das vagas em liderança são ocupadas por pessoas com deficiência.

Pensando na Agenda 2030, muitas empresas têm adotado políticas de DE&I, e assumindo compromissos de terem, até 2030, 50% de mulheres em cargos de liderança. Na contramão dos retrocessos anunciados nos EUA, com crescimento da articulação anti-ESG e “anti-woke”, empresas no Brasil tem reforçado os seus compromissos publicamente e implantado ações para a paridade de gênero em seus quadros. 

A Blend Edu fez uma pesquisa benchmarking – Panorama das Estratégias de Diversidade 2024 e tendências para 2025, com empresas que atuam no Brasil, e uma das questões era sobre o contexto brasileiro diante do cenário americano. Foi perguntado sobre o sentimento acerca de DE&I, o índice geral de otimismo (favorabilidade) dos respondentes nos próximos 5 anos é de 72%.

Mesmo com o índice satisfatório não é descartada a possibilidade de os movimentos globais e norte-americanos terem gerado uma desaceleração no nível de adesão das empresas à agenda de DE&I, mas segundo a análise da Blend Edu, não veem uma descontinuidade dentre aquelas que já iniciaram seus esforços. Nas últimas semanas, pude acompanhar pelo Linkedin e canais de notícias, o movimento que divulgou um manifesto reafirmando seu compromisso com a agenda de diversidade e inclusão no Brasil. Organizações como o Movimento Mulher 360, o Fórum de Empresas e Direitos LGBTI+, a Rede Empresarial de Inclusão Social, a Iniciativa Empresarial pela Igualdade Racial, o Fórum Gerações no Mercado de Trabalho, o Movimento pela Equidade Racial, o Pacto de Promoção da Igualdade Racial, e o Instituto Ethos fazem parte do manifesto, representando mais de 700 empresas, como Bayer, Danone, Gerdau, Mondelēz, Natura, Nestlé, Volkswagen e Unilever.  

O Capitalismo Consciente Brasil, movimento do qual eu faço parte como A.Gente e que propõe elevar a consciência das lideranças, a partir de quatro pilares: Propósito maior, Cultura Consciente, Liderança Consciente e Orientação a Stakeholders, também se pronunciou recentemente ratificando o apoio a Agenda 2030, alicerçada por temas como mudanças climáticas, diversidade e inclusão e condução éticas dos negócios.

Em um artigo para a Revista Exame, Margareth Goldenberg, Gestora Executiva no Movimento Mulher 360, comenta: “Minha vivência, de mais de 20 anos, mergulhada nas jornadas de DE&I em inúmeras grandes empresas, me assegura que as jornadas de DE&I precisam operar com base em três principais mudanças: focar em resultados em vez de intenções, eliminar sistemas que perpetuam discriminação e iniquidades em vez de ”consertar” indivíduos e comunicar o valor ganha-ganha deste trabalho em vez de focar apenas em alguns em detrimento de outros”.

Eu acredito que essas mudanças são fundamentais para melhoria nos indicadores, e acrescento a importância de junção de ações em empresas, políticas públicas e organizações da sociedade civil em prol da equidade de gênero, para realmente obtermos avanços significativos.

Em 2023, foi instituída a Lei 14.611, de Igualdade Salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens, buscando agir na redução das desigualdades de gênero, sanando as disparidades salariais, entre mulheres e homens que ocupam os mesmos cargos ou funções idênticas de igual valor. A Lei obriga as empresas com 100 funcionários ou mais a apresentarem dados salariais, que farão parte do Relatório de Transparência Salarial publicado em março e setembro de cada ano. Além da publicação dos dados, as empresas com diferenças salariais serão notificadas e precisarão elaborar e implantar um Plano de Mitigação de Diferenças Salariais. 

No último relatório apresentado, em setembro de 2024, podemos perceber que as mulheres têm rendimento de 79,31% comparado com o dos homens. Quando analisamos as diferenças salarias em cargos de Dirigentes e Gerentes, as mulheres recebem 73% da remuneração média dos homens no Brasil. A Lei tem enfoque sobre a disparidade salarial, mas eu vejo como um passo para olharmos também para a inserção de mais mulheres no mercado e aumento do número de mulheres em cargos de liderança.

Reforçando as leis federais, Estados e Municípios também vem implementando nos últimos anos legislações favoráveis a equidade de gênero, como a Lei 18.322/23 – Lei da Equidade Salarial no Estado do Ceará, a Lei 14.343/21 – Selo Lilás no Estado da Bahia e o Decreto 36.121/22 – Selo Pacto pela Mulher do Município de Salvador, do qual faço parte do Comitê Gestor e que credencia empresas, instituições e organizações que promovem políticas pró-equidade de gênero entre homens e mulheres e a inclusão de mulheres vítimas de violência em postos de trabalho. 

Apesar do aumento do número de legislações acerca do tema, podemos ver que são bem recentes, e ainda não é possível percebermos e cobrarmos avanços nas reduções das desigualdades de gênero, entretanto como ativistas, lideranças em organizações e cidadãos precisamos acompanhar e apoiar a implementação de ações efetivas para a equidade de gênero. Só assim podemos ter expectativas que a Agenda 2030 será cumprida com parte das metas positivas.

Desde que comecei a atuar com projetos voltado as mulheres e principalmente após a assumir a liderança do Núcleo Salvador, do Grupo Mulheres do Brasil, onde permaneci por 3 anos, tenho buscado contribuir na redução das desigualdades, seja como voluntária com mentorias e formações específicas para mulheres, seja como Consultora, Palestrante e Facilitadora em capacitações para o fortalecimento do protagonismo feminino. Sei que é pouco, mas sou parte do movimento de mudança.

Mais um 08 de março e alguns querem transparecer que tudo são flores, mas não são, estamos longe disso. A gente precisa fazer algo todos os dias, em todos os meses. Eu me sinto responsável por isso e busco fazer o mínimo possível, estudando e trabalhando por essa causa que não é minha, ou só das mulheres, é uma luta constante de todos nós! Convido vocês a se unirem em prol da redução das desigualdades de gênero! Vamos junt@s?

Jana Ricarte é Administradora, Consultora Organizacional na Ricart Consultoria – Gestão, Processos & ESG, Especialista em Liderança Estratégica e em Consultoria em MPEs. Multiplicadora B e A.Gente do Capitalismo Consciente Brasil.