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O impacto social do mercado Nerd: Economias criativa e periférica podem tornar Fortaleza a capital geek no Nordeste

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Investindo em projetos ambiciosos nos setores de tecnologia, cultura e inovação, a cidade de Fortaleza traz perspectivas para que jovens das periferias trabalhem no setor criativo nerd. Porém, ainda há um longo caminho para a consolidação do setor de forma equitativa.

*Foto de capa: Divulgação/Rede Cuca

É impossível não ser pego pelo estereótipo nerd dos anos 80/90: adolescentes com habilidades sociais inversamente proporcionais ao seu grande intelecto.

Socialmente desajustados, esses jovens eram geralmente representados por um homem branco com look ‘excêntrico’ e poder aquisitivo suficiente para suprir seu interesse excessivo em jogos e gibis.

Porém, a evolução da tecnologia e a virada do milênio trouxeram uma mudança de panorama na mídia, percebendo que era impossível ignorar o potencial econômico e a vasta diversidade desse público.

A ascensão da Cultura Geek e potencial econômico

O mercado geek, já considerado apenas um nicho, hoje se posiciona como uma indústria em ascensão. Vamos analisar isso a partir do que eu chamo de “revolução nerd”.

A “primeira revolução nerd” começou com a construção de universos fantásticos e adaptações cinematográficas, que fizeram a cultura geek alcançar públicos geral, emplacando franquias como ‘Avatar’, ‘Vingadores’, ‘Harry Potter’ e ‘Jurassic World’ no panteão de maiores bilheterias da história.

Atualmente vivemos a “segunda revolução nerd”, facilitada pela ascensão da cultura japonesa de animes e mangás em 2010, abrindo a porta para o Brasil se tornar um dos maiores consumidores da cultura asiática. No topo do mainstream encontramos donghuas, manhuas, doramas e k-pop.

E aí vai uma observação importante: o público consumidor ainda não consegue enxergar que as perspectivas de geração de renda e carreira neste ramo, principalmente as juventudes negras, periféricas e nordestinas.

O maior evento Geek e Pop do Norte e Nordeste investe no impacto social!

O SANA, que teve início como um modesto festival na cidade de Fortaleza para entusiastas de animes e mangás, floresceu para se tornar o mais significativo evento geek do Norte-Nordeste com um impacto surpreendente: o evento já injetou mais de 22 milhões de reais na economia local, destacando o potencial inexplorado do setor geek para impulsionar a região Nordeste.

“A cultura [pop e geek] te influencia e te dá várias coisas: muitas opções de cabelo, roupas, acessórios, lifestyle. E influenciam você a querer aquilo e a trabalhar mais para consumir. O problema, a meu ver, é que as pessoas ainda não veem isso como uma forma de trabalho, apenas como uma forma de consumo.”

Isabor de Sousa, cantora e bailarina de k-pop da periferia de Fortaleza, participante das apresentações do SANA, entre 26 e 28 de janeiro deste ano no Centro de Eventos do Ceará.

Pensando em dar acesso a esta experiência para jovens em vulnerabilidade, a organização tem investido no projeto Ação Geek, que levou mais de 20 mil estudantes da rede pública da capital e região metropolitana para o evento gratuitamente em parceria com prefeituras e governo estadual.

A ideia é proporcionar para esse público uma experiência equiparada à de eventos do mesmo setor da região Sudeste. Porém, quando a própria cultura nerd e geek ainda é escassa de personagens diversos, as perspectivas de futuro se fecham e revelam a hostilidade do próprio mercado.

“A galera tem um receio em se trabalhar com a cultura, principalmente quando a cultura pra pretos, a cultura black, porque tem essa questão do racismo velado e do elitismo. E isso até mesmo atrapalha o processo criativo de produtores periféricos.”

Jefferson Ferreira, produtor cultural e fundador da iniciativa Black Heroes, sala temática do SANA para super-herois e ícones negros da cultura pop, a primeira atração do Nordeste no tema.

Jefferson destaca a nostalgia e senso de pertencimento do público como motores que levaram a Black Herores para fora dos muros do SANA. Além de coordenar o coletivo, o jovem é produtor cultural da Rede CUCA (Centros Urbanos de Cultura, Arte, Ciência e Esporte) da Prefeitura de Fortaleza, onde uniu os dois trabalhos em intervenções sociais nos territórios periféricos da cidade.

Política pública e oportunidades na economia criativa para as juventudes periféricas

A Rede CUCA é uma política estabelecida em Fortaleza e reconhecida nacionalmente pelos seus 5 amplos polos. Sempre marca presença no SANA com stands apresentando suas iniciativas, trazendo os seus alunos e bolsistas para viverem a experiência de trabalhar com fotografia, filmagem e educação socioambiental dentro do evento.

Só que investir no potencial existente na Rede CUCA é apenas a ponta do iceberg quando se fala de políticas públicas para as juventudes de Fortaleza.

A cidade tem se apropriado título de Cidade do Design recebido da Rede Cidades Criativas da UNESCO e tem investido em projetos ainda mais ambiciosos na economia criativa liderados pela a Secretaria Municipal de Juventude.

Programa Futuros: Fundamentado no ensino-aprendizagem como metodologia ativa de formação e expressão criativa, o programa de bolsas integra os jovens nas atividades da Rede Cuca e das Políticas Públicas de Juventude em Fortaleza nas áreas de comunicação, tecnologia, artes, meio ambiente, direitos humanos e esporte com ações sob supervisão docente.

Escolas Criativas: Design, moda, programação e empreendedorismo social. Esses são os temas das escolas criativas realizadas nos últimos anos. Com  diversos percursos formativos, o objetivo é preparar jovens para atuar, profissionalmente através de uma formação continuada e de qualidade, incentivando o protagonismo juvenil e o empreendedorismo.

Juventude Digital: Vinculado à Fundação de Ciência, Tecnologia e Inovação (Citinova), o programa possui laboratórios espalhados pela Rede CUCA e qualifica jovens para o mercado de tecnologia com cursos, oficinas, eventos e conexões com oportunidades de emprego em diversas áreas da tecnologia: programação, design, marketing, dados, jogos e manutenção de computadores.

Rede Juv – Rede de equipamentos da Juventude de Fortaleza: Expandindo política pública de juventude, a Rede Juv trabalha com educação, esporte e cultura na periferia e locais com alta concentração de juventudes. Ela também conta com a Bolsa Rede JUV, programa que oferece oportunidades de atuação nos diversos equipamentos e projetos integrantes da Rede, com o objetivo de garantir a participação ativa das juventudes.

Esse e outros programas mostram que é possível e necessário que o poder público invista em projetos inovadores, para que a juventude periférica e nordestina tenha oportunidades de ver que esses setores representam não apenas uma fonte de entretenimento, mas também uma oportunidade única de empreendedorismo e novação.

Sabrina Cabral, é ativista e criadora do blog @sanydapeste, onde aborda temas como meio ambiente, direitos humanos e educação para a juventude periférica do Nordeste. Graduanda em Engenharia Civil na UFC e bolsista do programa Bolsa Jovem da Prefeitura de Fortaleza e BID, é engajada em temas como sustentabilidade, economia criativa e design. É fundadora da iniciativa Ruma, com o objetivo de apoiar o desenvolvimento sustentável a partir das juventudes do Nordeste, conquistando bolsas de desenvolvimento de projetos no MIT e se tornado Representante Juvenil em iniciativas da ONU na América Latina e Caribe, como o acampamento Juventudes Ya! do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA).

Sabrina faz parte da Rede Impacta Nordeste de Jovens Lideranças.