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O mês da consciência negra em Salvador e a visão de uma utopia possível

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No mês da consciência negra, Salvador foi sede de três grandes eventos que abordaram temas como diversidade, afroempreendedorismo e economia criativa.

O debate sobre a diversidade nunca esteve tão em alta. A inclusão social de diferentes pessoas não é mais uma questão de opinião e sim uma obrigação para empresas e gestões públicas, principalmente se querem ser vistas de forma positiva pelo público e pelo mercado.

Nesse sentido, os festivais realizados em Salvador, cidade mais negra fora da África, no último mês de novembro, mostraram a força da diversidade e da cultura afro-brasileira, e proporcionaram, mesmo que temporariamente, a visão de uma utopia possível.

Os eventos foram muito além do entretenimento. Eles reuniram mentorias, palestras sobre afrofuturismo, afroempreendedorismo, moda e culinária que resgataram a ancestralidade e trouxeram o sentimento de pertencimento de todo um público, mostrando uma diversidade única que poucos lugares podem ostentar.

A experiência única de poder ser quem eu sou

A diversidade gera uma sensação de pertencimento em um ambiente benéfico para que pessoas diferentes sejam o que elas realmente são, sem medo de represálias. E foi exatamente isso que eu senti ao participar do Festival Afropunk.

Jônatas Akillah Pereira no Festival Afropunk (Arquivo pessoal).

O festival ilustrou bem o que foi o mês de novembro em uma cidade tão singular como Salvador, onde a tradição ancestral negra se misturou ao afrofuturismo acentuando uma diversidade que sempre esteve na capital baiana.

Naquele espaço eu pude ser quem eu sou sem medos e constrangimentos. A diversidade era presente em tudo no evento envolvendo empreendedorismo e a economia criativa. Foi uma experiência única e transformadora.

O evento, uma versão brasileira do mundialmente conhecido como maior festival negro do mundo, trouxe à luz questões de raça, gênero, sexualidade e identidade tornando-se uma ferramenta poderosa para encorajar transformações e novos olhares.

Antes de ser um festival, o Afropunk era um movimento cultural, com objetivo de ser resistência dentro de uma comunidade punk rock, dominada por pessoas brancas. O documentário Afro-Punk lançado em 2003, dirigido por James Spooner, foi o ponto de partida do movimento.

Realizado nos dias 26 e 27 de novembro contou artistas dos mais diferentes estilos como o Rap, Hip Hop, Trap e MPB. Entre atrações estavam Emicida, Liniker e Black Pantera, que se apresentam no sábado (26) e Baco Exu do Blues, A Dama feat. MC Carol e Attooxxá & Karol Conká que tocaram no domingo.

A experiência do Afropunk não era só resumida a música. Os próprios participantes também eram atrações, principalmente os looks, a diversidade das roupas era profusão bastante orgânica. Todo mundo parecia ser feliz naquele espaço.

Alguns dos looks no festival Afropunk (Divulgação).

Os stands de afroempreendedores misturado a experiências visuais, o grafismo e os pontos para tirar fotos eram os outros atrativos do festival. Tudo planejado para que pessoas negras, cis, não-binários, LGBTQIA+ entre outros pudessem sentir esse pertencimento e vivenciassem esses dois dias em harmonia.

O futuro sob a lente afro

Quando falamos em utopia, pensamos na construção de um futuro melhor. Mas a construção de um futuro melhor para todos deve ter diversas lentes. E foi exatamente isso que o Festival Afrofuturismo proporcionou.

O festival, realizado nos dias 18 e 19 de novembro, debateu assuntos sobre tecnologia, tendências, inovação, empreendedorismo e futurismo sobre a perspectiva afrocentrada. É considerado o maior evento de tecnologia da América Latina com o foco na população negra, sendo também o primeiro a falar sobre questões relacionadas ao tema.

Paulo Rogério no Festival Afrofuturismo (Divulgação).

Nas palavras de Paulo Rogério, fundador do Vale do Dênde e um dos criadores do Festival Afrofuturismo:

“O futurismo é algo tradicionalmente elitizado, discutido normalmente apenas em grandes universidades como Yale e Harvard. Com o festival, queremos popularizar o conceito e colocá-lo sob uma lente afro. Temos como objetivos ser o destino para o profissional de tecnologia negro fazer networking, conhecer pessoas e novas ideias.”

O projeto está na sua quarta edição possuindo como sede pontos turísticos do centro histórico de Salvador como o Teatro Gregório de Mattos, Palacete Tira Chapéu, Largo Tereza Batista, Casa do Benin, além do novo Hub de Inovação do Centro Histórico — a Casa Vale do Dendê.

O tema para este ano foi “Por uma abolição econômica” com o foco no fomento e debate sobre a reparação histórica e econômica dos afrodescentes aqui no Brasil.

A potência da conexão preta

Valorizar e fomentar a economia criativa preta, assim como estimular o desenvolvimento de políticas públicas antirracista são caminhos para transformar essa utopia em realidade.

Nesse sentido, o Festival Salvador Capital Afro, trouxe vivências com o propósito de conectar o público e fomentar a economia criativa preta da cidade, assim como estimular o desenvolvimento de políticas públicas necessárias para o posicionamento de Salvador como uma cidade antirracista.

O festival, que aconteceu entre os dias 30 de novembro e 4 de dezembro, reuniu 180 artistas entre shows, apresentações e manifestações artísticas e proporcionou conexões nas esferas pública, econômica, educacional e cultural, visando fomentar o afroempreendedorismo e o turismo afro.

Estiveram presentes aproximadamente 15.000 pessoas, em 12 espaços no Centro Histórico, que contaram com uma programação totalmente gratuita com mais de 230 atividades entre reuniões de negócios, palestras e oficinas, além dos 90 afroempreendedores na Feira AfroBiz e 56 gestores e mentores de negócios.

O que os três festivais deixaram bastante nítido a importância da diversidade na sociedade, nos negócios, nas relações, ou seja, em tudo que ser humano estiver conectado.

Diversidade e inclusão não podem ser uma onda do momento, pois para muitos é a possibilidade de sobrevivência em um país onde as desigualdades ainda são muito acentuadas. Se quisermos transformar essa utopia em realidade, devemos investir na diversidade. Como disse, Arthur Lima, fundador da AfroSaúde e especialista em saúde e diversidade:

“Não existe futuro sem a diversidade”

Jônatas Akillah Pereira, 29 anos, é formado em Publicidade e Propaganda na Universidade Salvador (UNIFACS) desde 2015 e graduando em Bacharelado Interdisciplinar em Artes com enfase em Cinema e Audiovisual na Universidade Federal da Bahia (UFBA). Tem experiências profissionais como social media, marketing político e na área de cinema como editor e produtor. É um apaixonado pela tecnologia, escrita e cinema. Um eterno aprendiz sempre disposto a absorver o que o mundo e as pessoas em sua volta estão dispostos a ensinar. Busca direcionar o seu conhecimento para a luta antirracista.

Jonatas é um dos jovens selecionados no programa Impulsio.ne e faz parte da Rede de Jovens Lideranças de Impacto do Nordeste.