Opinião

ODS em alerta. ESG sob ataque. Para onde estamos indo?

4 mins de leitura

Alguns setores têm resistido à adoção de critérios ESG. No entanto, quando olhamos mais profundamente, percebemos que essa resistência muitas vezes vem de setores com grande pegada ambiental.

Há alguns meses li a matéria “ONU alerta: o mundo não está cumprindo os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável”, que apresenta informações do Relatório da ONU sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável 2024.

O Relatório tem outras afirmações que chamam a atenção: Sem investimentos maciços e ações em escala, o cumprimento dos ODS – o projeto para um mundo mais resiliente e próspero e o caminho para sair das atuais crises globais – permanecerá indefinida.

Os impactos persistentes da pandemia da COVID-19, a escalada de conflitos, as tensões geopolíticas e o crescente caos climático prejudicaram gravemente o progresso.

O Relatório traz ainda informações sobre prioridades, oportunidades de ação e dados relevantes pelo mundo, mas a informação inicial é que mais chama a atenção: menos de um quinto das metas dos ODS estão caminhando para serem cumpridas.

Quando eu li que atualmente apenas 17% das metas estão na direção correta, me deu uma sensação de frustração, apesar de saber que as expectativas pós-pandemia eram bem baixas. Então, fico me perguntando: e os esforços de empresas, sociedade civil e governos em alcançarem os ODS? E todas as práticas ESG que as empresas e instituições tem apresentado, que estão presentes em muitos seus relatórios de atividade e de sustentabilidade? E as instituições de terceiro setor e os negócios de impacto socioambiental que tem aumentado com projetos e atuação incríveis? Em alguma medida, parece que a conta não fecha.

Acabei lembrando de uma foto que há tempos circula nessa rede social (acho que viralizou há alguns anos em um post da Consultoria Sustentaí). Se todas as marcas estão salvando o planeta, quem é que o está destruindo? O pensamento caminhou nesse sentido, ainda mais quando visualizamos dados como o da pesquisa Amcham – Humanizadas, em que 71% das empresas afirmam adotar práticas ESG, reforçando também a adesão à agenda 2030.

E aí, a gente volta para o mundo real. Quantas vezes saímos de casa e avistamos alguém em situação de vulnerabilidade? Quantos casos de denúncias contra racismo e outros preconceitos a gente vê diariamente? O que temos acompanhado sobre a necessidade de investir em saúde mental no ambiente corporativo, e fora dele? Quantas desigualdades nos deparamos quando estamos nas grandes cidades do Brasil? Com que frequência ficamos sabendo de assédios e situações de trabalho análogos à escravização em empresas? E sobre corrupção, evidência de fraudes e relatórios “maquiados”? Com essas reflexões, percebemos o quanto ainda precisamos avançar nessas agendas.

Na publicação ESG Trends Ed. 4, a matéria de capa era “ESG sob ataque”, foram apresentados alguns exemplos não alinhados ao ESG ou de organizações que estão revendo suas práticas, critérios e compromissos com agenda ESG. “De flecha, o ESG virou alvo. Depois do entusiasmo do mercado, organizações reveem suas metas e surgem críticas por parte de diversos setores da sociedade”.

Os principais ataques ao ESG citados na publicação são relacionados a:

  • Critérios demais – abrigam tantos assuntos que podem perder a consistência. Falta foco. É complicado definir o que é bom para o mundo (que ODS aderir?).
  • Falta de confiança nas métricas – fraudes/ erros em balanços, indicadores não reais.
  • Greenwashing – falta de critérios claros e métricas padronizadas. Fazer tudo parecer ESG.
  • Shareholder não está contente – conflito entre a agenda e o interesse dos acionistas.

Em paralelo às empresas implantando ESG, MBAs, eventos e investimentos direcionados também há o surgimento de movimentos anti-esg, originado nos Estados Unidos. Pessoas e empresas têm resistido à adoção desses critérios, e segundo Pedro Paro, em uma coluna da Revista Exame, “alguns críticos argumentam que a agenda ESG ameaça economias consolidadas, empregos e indústrias tradicionais. No entanto, quando olhamos mais profundamente, percebemos que essa resistência muitas vezes vem de setores com grande pegada ambiental, que contribuem significativamente para as mudanças climáticas”.

E para onde estamos indo?

O citado relatório recente da ONU sobre os ODS repercute avanços em implantação de energia renovável; avanços em algumas regiões na paridade de meninas na conclusão da escolaridade em todos os níveis; o aumento do acesso à internet em cerca de 70% em oito anos. Outro destaque são as décadas de progresso contra o HIV/ Aid, que fornecem um modelo para a superação de outras pandemias por meio da solidariedade global e do financiamento de avanços científicos.

No Brasil, também foi criado voluntariamente o ODS 18 – Igualdade Étnico Racial, sendo instituída Câmara Temática para gerar iniciativas que possam trazer avanços a pauta.

Com relação ao ESG, continuo acreditando não ser uma “modinha”. Temos importantes movimentos no Brasil, da chamada Nova Economia, em que os modelos econômicos têm sido repensados, trazendo protagonismo às causas socioambientais. O Capitalismo Consciente provoca essa urgência em pensarmos no modelo capitalista que estamos “acostumados”, por meio de 4 pilares: Propósito maior (causa), Orientação a stakeholders, Cultura Consciente e Liderança Consciente.

Em 2023, assisti à palestra do Fábio Barbosa, no fórum do CCB, onde ele repetiu algo que sempre comenta: “as pessoas aderem à sustentabilidade por 3 “Cs”: convicção, conveniência ou constrangimento”. E para essa aderência, é preciso ter consciência para transformarmos as organizações. Precisamos nos unir, fortalecer e ressaltar instituições, políticas públicas e atores que estejam envolvidos nesse ecossistema.

Então, vamos continuar a entender e a capacitar sobre o tema, vamos identificar e reconhecer ações que já existem, vamos incluir a pauta na estratégia organizacional com ações e metas de ESG, que favoreçam o alcance das metas ODS, vamos desenvolver lideranças conscientes e vamos buscar nos conectar cada dia mais com o impacto positivo que queremos gerar nas organizações e para a sociedade. Como aprendi com o sistema B: “Não é sobre ser a melhor do mundo, e sim ser melhor PARA o mundo”. Sejam negócios, comunidades, pessoas.

Jana Ricarte é Administradora, Consultora Organizacional na Ricart Consultoria – Gestão, Processos & ESG, Especialista em Liderança Estratégica e em Consultoria em MPEs. Multiplicadora B, Colíder do Capitalismo Consciente Nordeste.