Colaboração, perenidade e investimento são premissas imprescindíveis para que a gente consiga superar a linha tênue entre inclusão e empoderamento financeiro dos catadores e perpetuação de um modelo baseado na exploração.
*Por Saville Alves
90% de todo o resíduo reciclado no Brasil vem da coleta realizada por catadores autônomos. Esse é o dado da pesquisa feita pelo IPEA em 2017. De lá para cá tivemos avanços na aplicação da Política Nacional de Resíduos Sólidos, com novos decretos e acordos correlatos, especialmente no que tange a cadeia de embalagens. Contudo, as taxas de reciclagem do país continuam uma das mais baixas do mundo, cerca de apenas 2% das mais de 80 milhões de toneladas de lixo produzidas ao ano voltam para a indústria como matéria-prima.
Com nossas dimensões continentais, a disparidade entre regiões é bastante evidente. No Sul e Sudeste do país, existem cidades modelo, como Curitiba, Florianópolis e São Paulo, que é a maior recicladora em volume totais. Entretanto, à medida que vamos subindo no mapa, as condições de trabalho, a falta de profissionalização da cadeia e o próprio cenário macro econômico-social vão fazendo com que os índices se aproximem do zero. O Nordeste lidera, infelizmente, o ranking da região que tem menor remuneração por catador.
Vexame.
Para quem acredita que o marco de 95% de reciclagem do alumínio é uma grande vitória para o país, questiono: como podemos aceitar uma cadeia em que o principal fornecedor é uma pessoa em alta vulnerabilidade social e sem equipamentos e materiais adequados para exercer a sua função?
Há cinco anos, quando iniciei meu trabalho com economia circular, entendi logo de cara que a venda do material não é suficiente para gerar margens de lucro sustentáveis e que existia um gap de contratação de serviço para a coleta.
Vejamos, para a disposição do lixo comum, cada um de nós paga ao município uma taxa que subsidia o serviço de coleta, de transbordo (para cidades maiores) e a de disposição final em um aterro sanitário. Isso permite que grandes empresas acessem orçamentos milionários e tenham infraestrutura, tecnologia, equipamentos, treinamentos e tudo o que é necessário para rodar bem o processo.
Já quando falamos de reciclagem e do dado dos “90%”, percebemos que não há recursos disponíveis para que o serviço possa ser realizado em mesmas condições. Portanto dificilmente o resultado será próximo. Ainda assim, cooperativas e catadores vêm realizando seus trabalhos; negócios de impacto e startups vêm desenvolvendo soluções potencialmente escaláveis; e o setor privado tem colocado recursos diretos para crescer na cadeia.
Entretanto problemas estruturais necessitam de soluções estruturantes.
Colaboração, perenidade e investimento são premissas imprescindíveis para que a gente consiga superar a linha tênue entre inclusão e empoderamento financeiro dos catadores e perpetuação de um modelo baseado na exploração.
Se você, assim como eu, entende que a reciclagem precisa ser inclusiva e eficiente, indico começar agora mesmo a descartar corretamente e se manter atento aqueles que estão puxando esse sistema na ponta. Visibilidade não resolve o problema, mas é um bom primeiro passo.
“Eu sonho, eu crio, eu faço acontecer”, este é o mantra de Saville Alves, cofundadora da SOLOS, startup de impacto que transforma a economia circular em presença na vida das pessoas, dos territórios e de marcas. Formada pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) em comunicação social, sua militância iniciou a partir das experiências na universidade pública, quando atuou como uma das principais lideranças em movimentos de jovens empreendedores. Essas vivências levaram Saville a atuar no mercado em empresas como Braskem S.A. e Oi S.A, e no terceiro setor nas ONGs TETO e ARCAH. Essa pluralidade de percepções gerou um olhar que busca harmonia e levou Saville a ser eleita pela Forbes uma das 20 mulheres mais inovadoras das Ag Techs. LinkedIn | Email