Tecnologia social desenvolvida a partir de projeto de extensão do Departamento de Sistemática e Ecologia da UFPB diminui os impactos negativos nos recursos hídricos provocados pelo descarte incorreto de esgoto doméstico e permite um tratamento mais eficiente de efluentes de esgoto quando comparada com os tanques de evapotranspiração convencionais e, ainda, proporciona o reúso da água.
O saneamento básico no Brasil é um desafio complexo que envolve a oferta de serviços essenciais para a população, como abastecimento de água, tratamento de esgoto, coleta e destinação adequada de resíduos sólidos, drenagem urbana e higiene pública. Segundo relatório publicado pelo Instituto Trata Brasil em 2022, quase 35 milhões de pessoas no Brasil vivem sem água tratada e cerca de 100 milhões não têm acesso à coleta de esgoto.
O governo brasileiro tem implementado políticas e programas para melhorar o saneamento básico no país. O Marco Legal do Saneamento Básico, aprovado em 2020, busca estimular investimentos privados no setor, com o objetivo de ampliar o acesso a esses serviços. Contudo, nesses três anos de vigência do Marco do Saneamento, sancionado na Lei 14.026 de 2020, os investimentos no setor atingiram R$ 13,7 bilhões, montante insuficiente para que sejam cumpridas as metas da legislação atualizada.
O Nordeste é uma das regiões do Brasil que enfrenta desafios significativos em relação ao saneamento básico. Segundo dados do “Painel de Saneamento Brasil”, o Nordeste é a região com mais casos de internações por doenças de veiculação hídrica, contabilizando mais de 59 mil internações em 2021. É urgente, portanto, iniciativas que promovam melhores condições de saneamento, principalmente para a população mais vulnerável.
Tecnologias sociais
As chamadas tecnologias sociais são técnicas ou soluções práticas desenvolvidas para resolver problemas sociais e melhorar a qualidade de vida da população. Elas geralmente se concentram em áreas como educação, saúde, saneamento, segurança alimentar, habitação e outras necessidades humanas fundamentais. A participação das comunidades afetadas, tanto no desenvolvimento como na implementação dessas técnicas, é essencial, assim como a sustentabilidade nas soluções apresentadas.
Essas tecnologias desempenham um papel importante no combate à pobreza, na promoção do desenvolvimento sustentável e na resolução de problemas sociais em diversas partes do mundo. São comumente operacionalizadas por organizações não governamentais e instituições acadêmicas e muitas delas têm sido aplicadas no tratamento de esgotos no Brasil. O saneamento ecológico é bastante relevante em áreas rurais e em regiões onde a infraestrutura de saneamento convencional é escassa, fazendo que essas tecnologias sociais contribuam para melhorar a qualidade de vida da população nas comunidades enquanto reduz o impacto ambiental.
O uso de sistemas alternativos pode contribuir para a redução da disseminação de doenças devido à exposição da população aos efluentes não tratados, já que é comum a prática de despejar os efluentes diretamente nos cursos hídricos ou na rede de coleta pluvial.
Fossa Ecológica: solução sustentável para o tratamento de esgoto
As fossas ecológicas, também conhecidas como ecofossas, são sistemas de tratamento de esgoto projetados para minimizar o impacto ambiental e a poluição resultante do descarte de águas residuais domésticas.
As fossas ecológicas foram criadas para serem mais eficientes do que as fossas sépticas convencionais e a principal diferença entre as duas é a forma como o efluente (os resíduos líquidos tratados) é processado. Nas convencionais, o efluente é armazenado e posteriormente bombeado para fora da fossa para ser tratado em uma estação de tratamento de esgoto; nas ecológicas, o efluente é tratado no próprio local.
Os tanques de evapotranspiração (Tevap), são sistemas de tratamento de águas residuais projetados para tratar as chamadas “águas negras”, proveniente de sanitários. As demais “águas cinzas”, advindas de pias, chuveiros e tanques devem ser direcionadas para outro sistema de tratamento, como círculo de bananeiras, por exemplo. Essas são alternativas sustentáveis para o tratamento de águas residuais em locais onde o sistema de esgoto público não está disponível ou não é economicamente viável.
Um ponto importante dessa tecnologia social, que se alinha com o conceito de sustentabilidade, é utilizar a mão-de-obra e conhecimentos locais, bem como materiais que sejam facilmente encontrados na região, como pneus usados e entulhos de construção. É uma estrutura de baixo custo e de fácil operação.
Projeto ecofossas e inovação na UFPB: o TEWetland
O Projeto Ecofossas é um projeto de extensão coordenado pela professora Cristina Crispim, bióloga, do Departamento de Sistemática e Ecologia, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). É uma iniciativa que além de propiciar impacto social positivo para comunidades que necessitam de uma intervenção técnica a nível local, também diminui os impactos negativos nos recursos hídricos provocados pelo descarte incorreto de esgoto doméstico.
A partir desse projeto, a Professora Cristina e alunos do curso de engenharia ambiental desenvolveram um novo modelo de Tevap: o TEWetland. Concebida e patenteada por membros do Laboratório de Ecologia Aquática da UFPB, essa tecnologia permite um tratamento mais eficiente de efluentes de esgoto quando comparada com os tanques de evapotranspiração convencionais e, ainda, proporciona o reúso da água. O modelo inédito proposto une o tratamento de efluentes de esgoto por TEVap com o sistema wetland.
Podendo utilizar plantas aquáticas flutuantes ou emergentes, os wetlands são sistemas projetados que atuam como biofiltro e são capazes de remover uma série de poluentes da água, como: matéria orgânica, nutrientes, patógenos e metais pesados. Ou seja, as plantas vão agir para reduzir a poluição e melhorar os parâmetros da água, o que permite o reuso da água nesse sistema misto inovador criado na UFPB.
Uma grande vantagem dessa tecnologia é a possibilidade de coletar e tratar esgoto comunitário, como de uma rua inteira ou bairro, por exemplo, visto que as casas podem não ter espaço para a construção de um Tevap. Pode ser instalada em praças, parques, terrenos baldios e onde mais houver espaço.
Tereza Cristina, dona de uma pousada em Jacarapé-JP, faz uso dessa tecnologia social para tratar os efluentes do seu estabelecimento e conta que foi um grande benefício. “Essa experiência deu super certo! A gente percebe que todos aprovam e o meio ambiente está agradecendo. Tenho indicado para todos que chegam aqui.”, afirma.
Segundo a coordenadora do projeto Ecofossas, Cristina Crispim, a maior diferença do TEWetland em relação ao Tevap é que o primeiro gera um efluente, com água tratada, para reuso; o Tevap, por sua vez, evapora toda a água.
Ainda, ao longo do tempo, com a expansão populacional da região de implementação, novos sistemas podem ser implantados gradativamente, sem ter a necessidade de fazer superdimensionamentos. O TEWetland pode usar a sua parte superficial para a produção de alimentos, podendo gerar sobre ela uma horta comunitária que pode ser aproveitada pela comunidade. Ainda, a água de reuso pode ser utilizada para fertirrigação, fora do sistema.
Segundo os criadores dessa tecnologia, outro grande benefício proporcionado por ela é o barateamento do transporte de esgoto, já que o TEWetland pretende fazer o tratamento descentralizado, por bairros ou ruas. Dessa forma, não seria necessário transportar para outras áreas distantes, diminuindo a pegada ecológica e reduzindo custos, principalmente de bombeamento e uso de energia.
Muitas das tecnologias sociais voltadas ao saneamento básico no Brasil são conhecidas pelos seus impactos positivos, principalmente em regiões rurais, mas ainda é comum observar a precariedade no saneamento básico em áreas urbanizadas. Por isso, soluções como o TEWetland, capazes de tratar tanto águas cinzas quanto negras, de forma individual ou coletiva, são ótimas opções para amenizar os danos ambientais provocados pela disposição irregular das águas servidas domiciliares nas cidades.Acompanhe mais iniciativas do projeto Ecofossas, da UFPB, pelo instagram @projetoecofossas.
Amanda Queiroga, 27 anos, é Engenheira Ambiental, professora, empreendedora sustentável e consultora Lixo Zero pelo Instituto Lixo Zero Brasil (ILZB). Também atua como consultora em sustentabilidade para PMEs e da palestras sobre esse tema. Acredita que escolhas conscientes podem mudar o mundo, por isso tem como propósito levar a educação ambiental para as pessoas e transformar as empresas de dentro pra fora.
Amanda faz parte da Rede Impacta Nordeste de Jovens Lideranças