Quer trabalhar em uma organização de impacto? Entenda como está o cenários das vagas nas organizações do Nordeste
Desde dezembro de 2020, coleciono informações sobre as vagas do setor de impacto positivo e divulgo as oportunidades na Comunidade Trabalhar com Impacto. Nesses quase 3 anos, foram mais 2.000 vagas divulgadas e mais de 300 mil pessoas alcançadas por meio das redes sociais e da comunidade.
Como cria do Nordeste, algo me chama atenção no contexto das vagas da região. Há aspectos das vagas da região que quando comparadas às oportunidades no restante do país retratam um pouco do que estamos vivendo como um ecossistema de impacto. Avaliando, percebi que esses pontos também ressoam em outros mapeamentos, e por meio desse artigo quero externalizar o que os dados estão dizendo sobre Trabalhar com Impacto no Nordeste do Brasil.
Onde estão as vagas?
Do total de vagas já coletadas e analisadas até então, somente 5,4% são do Nordeste, contemplando 8 dos 9 estados da região, não tendo somente o histórico de vagas de organizações do Piauí. Destas vagas, a maior parte foram de instituições públicas (como secretarias e projetos do setor público que estão relacionados à causas de impacto), ocupando o segundo lugar estão as Organizações da Sociedade Civil e em terceiro os negócios de impacto. Ao todo, avaliamos aqui 110 vagas de 38 organizações diferentes que atuam em 17 causas de impacto.
Das vagas disponibilizadas, 86,1% são oferecidas no modelo presencial, 7,4% no modelo híbrido e 6,5% no modelo remoto, dados significativamente diferentes da média nacional, onde 73,3% das vagas são presenciais, 10,4% no modelo híbrido e 16,3% remoto. Adicionalmente, a região Nordeste fica abaixo da média nacional em relação a média de vagas por organização, são 2,9 vagas/organização, enquanto o Brasil tem 3,8 vagas/organização.
Esse último dado corrobora com a fase de operação das organizações de impacto no Nordeste, principalmente as OSCs e Negócios de Impacto. De acordo com o Mapeamento SEBRAE de Negócios de Impacto Socioambiental do Rio Grande do Norte¹, a maioria das organizações do estado estão nessa fase, momento que o negócio está validando o seu modelo e testando o mercado a fim de encontrar a melhor proposto de valor em termos financeiros e de impacto. Assim, não necessariamente há uma grande demanda pelo crescimento do time quanto a fase seguinte, a de tração, justificando o crescimento das organizações em um ritmo um pouco mais desacelerado quando comparadas às demais regiões do país.
¹O Mapeamento foi realizado em 2022 como uma iniciativa do SEBRAE RN em parceria com a Impacta Nordeste e nesta análise foi utilizado como base comparativa em termos proporcionais extrapolando a análise para a região Nordeste por ausência de um mapeamento que contempla-se e estratifica-se todos os 9 estados da região.
“E o salário, ó!”
Antes de mencionar sobre a média salarial da região, vamos partir da análise dos tipos de vagas que são divulgadas. Como podemos observar na nuvem de palavras abaixo, a maioria das vagas da região são da área de projetos e gestão (relacionamento e administração), sobressaindo também as vagas relacionadas a fase de ida ao mercado e expansão (mobilização, comercial, marketing, entre outros termos).
Quando olhamos para os níveis de cargo, na Trabalhar com Impacto classificamos as vagas em 8 categorias: Estágio, Trainee, Assistente/Auxiliar, Analista, Coordenação/Supervisão, Gerência, Diretoria e Consultoria (contratação de empresas prestadora de serviço para projeto temporário). As proporções entre cada nível são semelhantes comparando as organizações do Nordeste às demais regiões do Brasil, exceto para as vagas de estágio cujo o percentual total é cerca de 52,7% maior que a nacional; número que balanceado pelo reduzido número de consultorias buscadas, que é 43,5% menor que a frequência de contratação comparando com as outras organizações no Brasil.
Outro reflexo das proporções entre os cargos está no modelo de contratação. O modelo celetista corresponde a 32,6% dos contratos trabalhistas nacionais, enquanto o modelo PJ/MEI e por termos de estágio é distribuído proporcionalmente no percentual restante, sendo que 28,8% das vagas não informaram seu modelo de contratação. Já no Nordeste, as contratações PJ dominam com 28,3% e a contratação CLT ocupa somente 23,9% das vagas. Esse cenário demonstra não somente uma predominância da pejotização de cargos relevantes para a rotina das organizações, mas também a grande responsabilização dada à baixas posições, como a de estágio, já que as organizações, em sua maioria são pequenas – o Mapa¹ aponta que 36% são MEI e 76% possuem até 6 colaboradores – e estão em fase de estruturação e crescimento.
Das oito categorias de vagas, somente 5 costumam vir com a publicização dos seus salários nas vagas do Nordeste. E nesse aspecto, as vagas mais altas e mais baixas apresentam uma grande divergência da média nacional. Vale sinalizar que a média salarial para a posição de coordenação / supervisão tem como peso as vagas no setor público para este nível de cargo, quando não consideradas, o valor médio segue próximo às vagas de analista e assistente.
Outro aspecto a se salientar é a divergência entre a correspondência média do salário e nível de cargo. Cargos altos possuem salários mais baixos que cargos intermediários.
Por outro lado, salvo as categorias gerência e estágio, os demais cargos possuem baixa diferença percentual entre o salário do Nordeste e do Brasil, contrapondo a diferença do salário médio nacional considerando todos os setores de trabalho que, de acordo com a pesquisa do IBGE de 2019, o salário no Nordeste era 27,9% inferior à média nacional.
O que pode estar acontecendo?
Com base em escutas de recrutadores e lideranças do setor de impacto, minha experiência construindo e acelerando negócios de impacto, as informações expostas anteriormente refletem o modo como as organizações da região se estruturam para o crescimento e o que enfrentam no seu dia a dia como cenário financeiro. Podemos resumir o cenário das organizações em 3 pontos:
- Indicações como forma de recrutamento: Pelo porte das organizações e uma demanda de atenção para o seu crescimento, as novas oportunidades são pouco externalizadas e passam a ser alimentadas pela contratação de pessoas que já estão próximas à organização ou pessoas indicadas dentro do próprio ecossistema, sem haver um processo de formalização da chamada do processo seletivo. Por esse motivo, mesmo que os mapeamentos nacionais apontem que 16% dos negócios de impacto estão no Nordeste (Pipe, 2019), somando todos os outros tipos de organização, somente 5,4% das vagas divulgadas são de organizações do Nordeste.
- Crescer pela base, não pela liderança: Ao criar uma nova área na organização ou buscar suprir o aumento das demandas, quem é contratado para esta missão é estagiário e não uma pessoa com experiência. Supõe-se que isso acontece tanto por ser uma mão de obra mais barata e as organizações estarem em fase de entrada no mercado com menos investimento e margens de lucro mais apertadas, quanto pela mentalidade de start-up difundida fortemente no ecossistema da região há algumas décadas, onde presume-se que pessoas iniciantes na vida profissional estão dispostas a assumir mais riscos para o crescimento de um negócio. Não à toa, o salário médio para estágio no Nordeste chega a ser menor que a metade do salário médio da mesma posição no Brasil.
- Confusão entre cargos e salários: Somando a mentalidade de start-up descrita anteriormente e a ausência de pessoas com conhecimento em gestão de recursos humanos na maioria das organizações, há a consequência da grande divergência entre o salário e o cargo descrito. Na tentativa de atrair talentos, é comum que os cargos ganhem altos títulos, nomes robustos e até mesmo em inglês (!) para servir como um salário emocional. Contudo, possuem salários baixos, pois corresponde ao quanto as organizações podem ofertar. Além disso, o volume de contratos no modelo PJ tenta inflar e dar mais competitividade às oportunidades, com a redução de pagamento de impostos, mas não há um repasse devido e ajustado na mesma proporção. Movimento que também se repete a nível nacional.
Importante salientar que os dados possuem recorte temporal, logo possuem validade de leitura e interpretação com base nas médias e custos de vida do ano da publicação deste artigo; o banco de dados é atualizado semanalmente e os resultados podem ter mudanças expressivas ao longo do tempo. Os dados também são baseados no que as organizações estão dispostas a compartilhar, podendo também haver um viés nesse aspecto.
Todos esses dados são propriedade da Trabalhar com Impacto, que há quase 3 anos vem democratizando o acesso às oportunidades no setor de impacto no Brasil e atuando com processos seletivos e orientação de carreira para quem deseja ingressar no setor de impacto.
Esperamos que essa breve análise tenha sido útil e estamos abertos à parcerias que queiram somar nesse processo de transformação do setor de impacto pelo ativo mais importante dele: As pessoas. De onde vieram esses dados, existem mais detalhes como os valores de salários de fato, a localização detalhada, áreas das vagas e a localização deles, ou seja, há muito mais para retratar, discutir e analisar sobre o que está acontecendo no ecossistema de impacto quando nos referimos à gestão de pessoas.
Dica da redação: Você pode conferir um pouco mais sobre o panorama das vagas no setor de impacto na participação da Bárbara no Podcast Impacto na Encruzilhada, conduzido por Fábio Deboni. Clique aqui para conferir.
Bárbara Oliveira Ferreira, trabalha no segmento de negócios sociais desde 2017, já representou a região Nordeste na Brazil Conference at Harvard & MIT e na Youth Ag Summit. Atualmente trabalha com aceleração de impacto e é uma das primeiras brasileiras a trabalhar com a metodologia SROI de avaliação de impacto em projetos sociais. Além disso, em 2020 fundou a comunidade Trabalhar com Impacto uma rede que democratiza e potencializa o acesso à oportunidades de trabalho dentro do setor de impacto socioambiental.
Barbara faz parte da Rede Impacta Nordeste de Jovens Lideranças.