Das diversas formas de dividir a história humana, gosto particularmente, da divisão proposta por Alvin Toffler, no clássico A Terceira Onda. Toffler divide o nosso tempo em três grandes períodos: Agrícola, Industrial e da Informação. Como o livro é de 1980 e a internet ainda estava nascendo, Toffler batizou esse terceiro período de “Era da Informação”. Alvin Toffler não foi o único a propor períodos da história da humanidade. John Durant, autor do The Paleo Manifesto, também divide a vida humana em períodos ou Eras: duas na pré-história (Animal e Paleolítica) e três na história (Agrícola, Industrial e Era da Informação).
Durant vai além e defende que a transição (mudança) das Eras sempre é associada a uma grande revolução (quebra de paradigmas). Da Era Animal para a Paleolítica tivemos a ascensão dos grandes cérebros; da Paleolítica para a Agrícola surgem os métodos agrários; da Agrícola para a Industrial, nasce a fabricação em larga escala e da Industrial para a Informação temos a proliferação dos computadores e da internet.
Além destes, existem outros inúmeros pensadores que compartilham deste pensamento, mas, apesar disso, não é de longe uma verdade absoluta. É uma visão dentre muitas que podem explicar a história da humanidade. Apesar disso, gostaria que você, leitor ou leitora, compartilhasse desse pensamento para navegarmos a partir daqui.
Olhando o gráfico dá para ver logo de cara que tivemos três grandes Eras em nossa história como humanidade. Então, tivemos apenas duas oportunidades de enfrentar transformações radicais de padrões. Vamos pensar um pouquinho nisso? Se você, assim como eu, nasceu lá pela década de 80 para 90, então você foi educado e pegou o finalzinho do modelo industrial (estático e altamente especializado), e conforme os anos iam passando, teve que aprender – por conta – a lidar com um ambiente em constante mudança e multifacetado. O que acontece quando temos um hardware antigo e tentamos rodar um software novo?
Dá problema!
Quando paramos para pensar, todos conhecemos a lógica de uma linha de montagem. Caso não tenha visto, recomendo o filme Tempos Modernos de Charles Chaplin. Ele faz uma crítica contundente, sarcástica e irônica ao sistema capitalista de produção em massa. A matéria-prima chega ao trabalhador, ele executa sua tarefa e passa adiante. Seu colega pega a matéria-prima (transformada) e acrescenta mais uma modificação e passa ao próximo colega, e assim por diante até que o produto seja finalizado. Essa lógica não muda muito, sejam pessoas ou máquinas fazendo as pequenas transformações e passando adiante o produto. Essa é a lógica da linha de montagem e é com essa lógica que devemos ter cuidado.
A lógica da linha de montagem é linear: temos a etapa um, depois vem a etapa dois, três, quatro… e assim por diante. A gestão organizacional enraizou essa mesma lógica em sua estrutura. Você, sendo um operário, pode ser promovido a supervisor; de supervisor a gerente; de gerente a diretor do setor… e assim sucessivamente. Cada pessoa se torna especialista, realiza uma única tarefa, passa adiante e quanto mais vezes realiza essa mesma tarefa se torna mais hábil e mais rápido consegue passar adiante. Cada tarefa ou atividade é realizada por uma pessoa ou grupo de pessoas, essas pessoas são agrupadas em setores ou departamentos e ficam responsáveis por uma parte específica do processo.
Não existe uma conexão entre as pessoas, exceto aquelas que têm ligação entre as etapas (a pessoa da primeira etapa sempre vai passar para a pessoa da segunda etapa, mas nunca vai ter contato com a pessoa da quinta etapa). Essa “herança” foi completamente absorvida pelas organizações e tornou a departamentalização um meio para a produtividade.
Dentro da estrutura linear da linha de montagem, você sabe exatamente como vai receber a matéria-prima e como deve passá-la adiante. E se você receber a matéria-prima fora do padrão – dá um bug e para tudo – isso interrompe o fluxo e para o processo. Nessa lógica, tudo é previsível e segue um mesmo padrão, as coisas são engessadas e se algo sair do padrão todo o fluxo é interrompido. É igual a pedir num restaurante fast food para tirar o tomate, pode prestar atenção que o sanduíche vai demorar a sair porque quebra o fluxo linear das coisas. Faz um teste qualquer dia.
Agora, quero que você se imagine como dono de uma fábrica durante a Revolução Industrial. Você tem um desafio…. Como conseguir mão de obra que consiga seguir esse padrão linear, repetitivo, segmentado da linha de montagem? Afinal, as pessoas não aprenderam a lidar com esse contexto, pois até então a manufatura – a produção artesanal – era o único padrão conhecido. O que você faria?
Curiosamente – ou nem tanto – a escola como conhecemos hoje (segmentada por disciplinas, massificada, pública e gratuita) nasceu naquela época. Sir Ken Robinson, em seu livro Libertando o Poder Criativo, conta como isso aconteceu.
O ano era 1860 e os países da Europa, além de alguns estados dos EUA, começaram a implantar um sistema de ensino público – até aquele momento eram raras as iniciativas de educação em massa no mundo – o índice de analfabetismo no mundo era enorme. Na Europa, países como a Hungria, Áustria, Inglaterra, Suíça, Holanda, Itália e Bélgica foram pioneiros na criação de um sistema de ensino em massa. E, não por coincidência, o sistema de ensino foi estruturado para suprir as necessidades da então nascida Revolução Industrial (Linha de Montagem).
Relembre um pouquinho como funciona uma escola e compare como se parece com uma fábrica em seu padrão linear. A escola tem um uniforme, igual a uma fábrica. Tem horário de entrada e saída, igual a uma fábrica. Tem um sinal (apito) para sinalizar a entrada e saída, igual a uma fábrica. Tem atividades repetitivas, igual a uma fábrica. Tem um crescimento linear – série após série – como uma fábrica. Tem disciplinas segmentadas e que não se conectam – Matemática não se conecta à Educação Física, igual a departamentalização de uma fábrica.
Tem um grupo de pessoas que diariamente convivem num espaço sob supervisão, como uma fábrica. Tem punições através da cadeia comando/controle, como uma fábrica. E aí? É parecido ou não é? Não é de se surpreender? Afinal o sistema educacional tinha como principal objetivo “adestrar” as novas gerações para trabalharem na linha de montagem, que era o símbolo de prosperidade e modernidade da época. Com isso fica fácil concluir: a missão do sistema educacional público era dar formação básica para as pessoas trabalharem como operários, suprindo a demanda das indústrias.
Tudo isso para te dizer uma verdade dura… Apesar de não sermos culpados, fomos educados, “treinados”, para um mundo que não existe mais. A escola tradicional e massificada nos treinou para um mundo linear, segmentado e previsível, esse mundo não existe mais. É só dar uma olhada ao redor, nosso mundo é multidisciplinar, multijanelas, conectado e imprevisível.
Pare e pense um pouquinho como é seu dia… Você acorda e pega o celular, encaminha uma mensagem pelo WhatsApp, depois vai tomar café e liga a TV para ver as notícias. Logo você chega ao trabalho e liga o computador, abre o e-mail profissional, pessoal, Facebook, Instagram, uma planilha e mais outras mil janelas. Daí recebe uma mensagem pelo WhatsApp e responde por e-mail, logo vê um relatório e faz uma videochamada pelo tablet com um colega do outro lado do mundo.
Estamos constantemente em movimento, iniciando uma atividade que conecta a outra e depois em mais outra. Nosso mundo está conectado com possibilidades infinitas de autocuradoria e customização, de uma forma que nunca se viu antes. No mundo conectado e não linear, você nunca sabe de onde vem a próxima informação. Celebridades nascem de um dia para o outro no YouTube, ideias de negócios se tornam empresas gigantes graças ao crowdfundings em minutos, recebemos um link de um amigo mostrando um produto que resolve todos os nossos problemas.
Passamos boa parte de nossas vidas aprendendo a viver num mundo que não existe mais, e levamos isso para nosso trabalho inevitavelmente. A lógica linear não existe mais, se alguém ou alguma empresa ainda comete o erro de usá-la, está fadada ao conflito e ao fracasso.
É um grande desafio que estamos vivenciando, temos que aprender a desaprender para reaprender. Talvez a atual crise que vivemos do COVID19 fosse o gatilho, ou melhor, o divisor de águas para acentuar que velhos paradigmas devem ser rompidos em nossos projetos, em nossas organizações e em nossas vidas. Mudar nunca é algo fácil, mas o preço de não mudar pode ser muito alto.
Convido você, caro leitor e leitura, a refletir sobre como sua organização atua, sobre como você está lidando com seus projetos e com sua equipe. O primeiro passo para mudar é refletir.
César Ricardo A. Barreto é Gestor de projetos sociais, Escritor, Mentor LifeProject, Co-Founder ONG. MBA CAPM® PRINCE2 Agile® PMDPro® PgMDPro®. www.gpsocial.com.br