Escola dos Sonhos, no interior da Paraíba, é gerida pela comunidade escolar e oferece uma educação inovadora com olhar para as individualidades dos alunos e que fortalece a cultura e o território.
Presente como um dos temas centrais na Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, a educação desempenha um papel crucial para a mudança de direção rumo a construção de uma sociedade mais justa e equilibrada.
O Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 4, intitulado “Educação de Qualidade” elenca a necessidade do acesso a uma educação “inclusiva, equitativa e de qualidade”, que promova oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos e todas.
No Brasil, dois modelos de educação são muito difundidos: o público e o privado. No entanto, a Constituição Federal prevê que escolas comunitárias podem surgir a partir da mobilização da comunidade. Essas escolas são como cooperativas educacionais, cujo objetivo principal é desenvolver serviços de educação por meio de uma comunidade escolar local engajada e comprometida.
Instituídas a partir da Lei nº 11.183/2005, são definidas como escolas comunitárias aquelas constituídas por grupos de pessoas físicas ou por uma ou mais pessoas jurídicas, inclusive cooperativa de pais, professores e alunos, que incluam sua entidade mantenedora representantes da comunidade. Essas instituições podem ou não ser confessionais (vinculadas a igrejas) e devem possuir projeto pedagógico próprio, seguindo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9.394/1996).
As escolas comunitárias geralmente surgem a partir da demanda educacional de uma pequena comunidade local, estando muito presentes em zonas rurais e em áreas periféricas.
Escola dos Sonhos: construindo um futuro colaborativo
O caráter participativo, tanto na gestão quanto no projeto pedagógico, permeia esse modelo de educação. Aspectos culturais e peculiaridades locais norteiam o currículo da escola de modo integrado e participativo, junto com os pais, alunos e professores. O trabalho de cooperação é a essência da escola comunitária.
Uma das características de um modelo de economia colaborativa é construir estilos de vida colaborativos, tendo como base o compartilhamento de recursos de tempo, dinheiro, habilidades, etc. As escolas comunitárias contam com o apoio de parcerias e voluntariado em prol de um objetivo maior e mostram que um futuro colaborativo já é uma realidade.
A Escola Nossa Senhora do Carmo (ou Escola dos Sonhos), fundada em 2005, é um exemplo dessa colaboração. Leila Rocha Sarmento, membro do Comitê Gestor da escola, possuía um projeto de extensão de alfabetização de adultos na universidade onde na época era professora substituta. O projeto de extensão consistia na alfabetização dos terceirizados que trabalhavam na universidade, mas se estendeu para ser um projeto social em conjunto com as Irmãs Carmelitas. As Irmãs queriam iniciar um projeto social de alfabetização dos lavradores do entorno do Carmelo, o que foi o pontapé para o início da escola, ao encontrar parceiros dispostos a se envolver com o projeto.
Com uma educação focada na integralidade do ser humano, os alunos começaram a querer que seus filhos também tivessem essa experiência. Com a vontade de trazer toda a família para esse processo educativo, através de mobilizações em busca de recursos e por meio de campanhas de doações, assim como parcerias articuladas pelas Irmãs Carmelitas, foi comprado um terreno e a escola inicial foi construída.
Assim, durante algum tempo a escola funcionou como um projeto social das Irmãs Carmelitas. Contudo, em 2016 foi anunciada a decisão do Carmelo de não continuar com o projeto. Diante disso, a comunidade escolar decidiu assumir a responsabilidade, tornando a escola em uma escola comunitária, no regime de cooperativa como entidade mantenedora. Agora, a escola se organiza financeiramente a partir de editais, doações e ações dos voluntários em prol de arrecadações como brechós e rifas, por exemplo.
No início dessa nova fase, como Escola dos Sonhos, a comunidade escolar se reuniu para pensar sobre a escola que queriam ter com o seguinte questionamento: qual a escola dos sonhos de cada um? Confrontados constantemente pela metodologia de Paulo Freire, os educadores começaram a desconstruir e ressignificar suas práticas.
No início de todo ano são formados os comitês estudantis com as crianças: de esportes, de economia solidária, de mediação de conflitos, etc. A escola apenas lista os comitês e cada criança escolhe aquele com o qual se identifica. Um plano de ação anual é elaborado no início do ano, elencando as ações que serão realizadas. Essas ações, bem como o seguimento do plano, são analisadas a cada roteiro de aprendizagem (3 semanas). Cada comitê escolhe um representante e um suplente para compor o colegiado estudantil, que também se reúne a cada 3 semanas para ouvir e discutir sobre as ações de todos os comitês.
Os temas de pesquisa são montados a partir da curiosidade das crianças. As crianças não são agregadas por faixa etária ou por seriação, mas pelos temas de interesse. Quando os temas são definidos, distribui-se para cada aluno uma ficha de interesse com perguntas norteadoras (O que o aluno já sabe sobre o tema? O que ele quer saber? Como quer aprender?).
Assim, posteriormente, os educadores podem construir um projeto com objetivos, hipóteses, metodologia e resultados. As fichas de interesse se transformam em um roteiro de aprendizagem. De modo interdisciplinar, as áreas do conhecimento vão permeando os temas dentro do projeto, levando conhecimento para as crianças.
Ao final de cada ciclo de aprendizado, não há prova. Em regime de tutoria, cada aluno é chamado individualmente para dar o feedback sobre sua experiência e sobre o que aprendeu. Além disso, ao final de cada ciclo, o educador avalia o processo, bem como os pais e o próprio aluno (autoavaliação).
A autogestão e autonomia é característica desse modelo de ensino adotado pela escola. O aluno escolhe onde vai estudar, seja debaixo de uma árvore, no pátio ou na sala. Mesmo com tutores à disposição, o aluno é incentivado a pesquisar e procurar outro aluno para tirar dúvidas, cujo nome da prática é “Ensinando é aprendendo”. Se quando, mesmo após essas etapas, o aluno ainda não conseguir ter suas dúvidas esclarecidas, aí sim entra a figura do adulto (tutor).
Atualmente, a Escola dos Sonhos atende 14 comunidades rurais do entorno e 3 urbanas em Bananeiras-PB. Segundo Leila Rocha, membro do Comitê Gestor da Escola dos Sonhos, a grande relevância desse modelo de escola é ter uma proposta educativa voltada para olhar para as individualidades dos sujeitos e ver a educação como fortalecimento da cultura e do território.
“A gente desenvolve uma proposta que parte das demandas apontadas pelas comunidades, com projetos sendo desenvolvidos, as crianças sendo integradas independente de faixa etária e de seriação. Na medida em que a gente consegue olhar para os sujeitos em suas individualidades e construir uma proposta educativa que fortaleça a cultura e o território, a gente está contribuindo para o desenvolvimento da nossa região; a gente está contribuindo para um mundo possível: mais empático, solidário, cooperativo e menos competitivo e individualista”, afirma Leila.
Outras iniciativas
A Escola dos Sonhos em Bananeiras-PB não é uma exceção ao modelo de ensino convencional. Em Portugal, a Escola da Ponte, localizada no município de Santo Tirso, também não adota um modelo de séries ou ciclos e não utiliza salas de aula, mas ambientes de trabalho. Promove a autonomia e consciência cívica dos estudantes, com um forte caráter participativo. Com o auxílio de José Pacheco, fundador da Escola da Ponte, foi criado o Projeto Âncora no Brasil, em 1995.
Inicialmente com o objetivo de melhorar a educação de crianças e jovens de baixa renda do município de Cotia-SP, a escola vem se destacando como referência em aliar assistência social e educação. Centrada na autonomia de toda a comunidade escolar, a aprendizagem ocorre na relação entre as crianças, jovens e professores, cada um tendo sua própria jornada de desenvolvimento. Não há relação hierárquica e o aprender se faz em conjunto. O projeto tem como objetivo formar cidadãos autônomos, responsáveis e democraticamente engajados numa sociedade mais justa. Em 2020, o projeto evoluiu para a “Cidade Âncora”, atendendo um público maior e reunindo além da ONG de assistência social, negócios de impacto socioambiental.
Amanda Queiroga, 27 anos, é Engenheira Ambiental, professora, empreendedora sustentável e consultora Lixo Zero pelo Instituto Lixo Zero Brasil (ILZB). Também atua como consultora em sustentabilidade para PMEs e da palestras sobre esse tema. Acredita que escolhas conscientes podem mudar o mundo, por isso tem como propósito levar a educação ambiental para as pessoas e transformar as empresas de dentro pra fora.
Amanda faz parte da Rede Impacta Nordeste de Jovens Lideranças