Opinião

As pessoas sempre tiveram opiniões diferentes. Agora têm fatos diferentes

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Por Gabriel Cardoso

O que você vai ler não é original, porém é urgente. Neste ano, mais do que nos outros, é preciso que a discussão seja retomada, reaquecida e repetida.

Diferentemente de nossos avós, o desafio de hoje não é ter acesso à informação. Concordamos que a internet oferece todo tipo de informação, por diversos meios, várias fontes e com múltiplas perspectivas.  

E se temos quantidade e qualidade de informação gratuitamente na internet, o que nos falta? Acredito que algumas virtudes e habilidades, entre as quais destaco a capacidade de analisar e avaliar a qualidade da informação que encontramos e recebemos.

Não é novidade que estamos organizados e isolados, a partir de algoritmos dos aparelhos e aplicativos que usamos. Também em bolhas sociais que reverberam nossas preferências, nosso comportamento e nossos hábitos. Se este texto apareceu para você em alguma rede social, é muito provável que seu histórico tenha indicado ao algoritmo que este tema, este site ou este escritor pudesse capturar a sua atenção.

Em paralelo, se o texto chegou aí pelo WhatsApp, Telegram ou outra plataforma de comunicação similar, é porque quem o compartilhou participa das mesmas bolhas que você ou porque imaginou que o assunto poderia, de algum modo, reverberar com o aquilo acredita ou precisa conhecer. Sei que há a possibilidade de ter chegado até você por alguém que queira contradizer algo que pensa, mas essa possibilidade, me parece, tem se tornado cada vez mais rara.

As bolhas sociais, formadas pelas pessoas que selecionamos para conviver ou nos comunicar, além das bolhas digitais, formadas por algoritmos que nos conhecem melhor do que nós próprios, passaram, portanto, a criar realidades distintas e alternativas.  Como disse Anne Applebaum, na sua excelente obra ‘O crepúsculo da democracia’: “As pessoas sempre tiveram opiniões diferentes. Agora têm fatos diferentes”.

Muitas dessas realidades não são propriamente realidades, como sabemos: mas projeção de realidades. São pequenas e grandes mentiras, teorias de conspiração, ilusões, falsas narrativas, fake news, cenários presumidos e por aí vai. 

Algumas dessas projeções são cuidadosamente criadas por ideólogos ou partidários com o objetivo de desinformar ou mal informar. Outras são descompromissadamente geradas e difundidas como fatos, mas que no fundo retratam apenas opiniões que querem fortalecer uma visão específica de mundo. É fácil: todos quase todos têm os meios necessários para agir assim, sem necessariamente ter conhecimento, cuidado, autocrítica e bom senso necessários.

“Esse aumento ao acesso a informação de qualquer tipo, sem referência, validade e autoridade tem gerado danos na realidade”

Esse aumento ao acesso a informação de qualquer tipo, sem referência, validade e autoridade (política, acadêmica, cultural ou moral) tem gerado danos na realidade — a verdadeira realidade, eu quero dizer —, dificultando progressivamente a distinção, por um cidadão médio, entre uma teoria de conspiração e um fato, por exemplo. Tais danos, como temos visto, já estão impactando a saúde pública, as relações familiares, a convivência e a coesão social e, em alguns casos, até a democracia.

Não pense que isso surgiu agora, nos últimos quatro anos. Está aqui um movimento que tem se fortalecido progressivamente na última década, por diversos motivos. Cita-se o crescimento do volume de informação e de ferramentas de comunicação; a progressiva facilidade para criar e disseminar conteúdo; o aumento do tempo de conexão e uso das redes sociais; a crescente sofisticação dos algoritmos de aparelhos e aplicativos que usamos; e, especialmente, o poder concentrado e desregulado das poucas empresas proprietárias das redes sociais – as big techs.

E o que fazer? O longo caminho envolve uma combinação de ações individuais e coletivas nos âmbitos político, tecnológico e individual.  De imediato e urgente – indo além de uma discussão ampla sobre a excessiva concentração de poder das big techs na era contemporânea – é necessário popularizar e massificar a capacidade de humanos para encontrar, analisar e avaliar informações. A isso se dá o nome de pensamento crítico e análise crítica (não confundir com pensamento oriundo da teoria crítica, da Escola de Frankfurt).

Contra fatos diferentes, o pensamento e a análise crítica devem ser a blindagem necessária a ser forjada nos brasileiros por políticas, universidades, escolas e empresas. Isso se, somente se, pretendermos diminuir os riscos e as consequências sociais, econômicas, políticas e ambientais que temos enfrentado e que vão aumentar ainda mais com a dinâmica informacional e comunicacional perigosa e caótica dos dias de hoje.

Gabriel Cardoso. Gerente executivo do Instituto Sabin. Mestre em Educação; 21st Century Educator (TAMK – Finlândia); especialista em Economia Brasileira para Negócios (USP); especialista-docente em Gestão de Projetos; e bacharel em Administração. Docente no Centro Universitário UDF, conselheiro no Programa Academia ICE, no The Enactus Global Faculty Research Network e no AshokaU Exchange Agenda Council. Autor dos livros ‘Mude, você, o mundo: manual de empreendedorismo social’ e ‘Empreendedorismo social e políticas públicas na educação’.