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Ciência, tecnologia e inovação social direto do Ceará: Conheça o ITEVA

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Com o surgimento dos negócios de impacto social, alguns atores do investimento social privado tem olhado as ONGs como algo defasado. No entanto, ao analisarmos o impacto que milhares de organizações proporcionam junto ao público atendido, percebemos que são fundamentais. Afinal, muitos problemas sociais não são possíveis de serem solucionados somente a partir da ótica do lucro.

Independente do formato jurídico da organização, as critica às ONGs muitas vezes recai sobre seu modelo administrativo/corporativo ou sua capacidade de inovar no atendimento à população e solucionar os grandes problemas sociais e ambientais da nossa sociedade. De fato, algumas organizações possuem grandes desafios para estruturar uma operação eficiente e criar projetos inovadores, realmente capazes de transformar a realidade da população e não somente proporcionar um alívio imediato (que também é importante, principalmente pela situação social precária de uma grande parcela da população).

No entanto, existem organizações que superaram esse desafio com muita criatividade e inovação, aliando as demandas sociais da ponta (população assistida) com tecnologias sociais alinhadas com os desafios do presente e do futuro. O Instituto Tecnológico e Vocacional Avançado, o Iteva, é uma dessas organizações.

Fabio Beneduce, Coordenador Geral e Fundador do Iteva. Foto: Iteva

Sediada em Aquiraz, no Ceará, o Iteva é uma das organizações mais inovadoras, não só da região Nordeste, mas do Brasil. Está há 27 anos desenvolvendo dezenas de projetos que ligam ciência e tecnologia com uma metodologia própria, alinhados à Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável.

O portal Impacta Nordeste entrevistou Fábio Beneduce, fundador do Iteva, onde nos contou um pouco mais sobre o trabalho desempenhado na instituição e sua inspiradora trajetória de sucesso. Confira!

De uma casualidade, nasceu uma ideia

Fábio Beneduce é físico. Mudou-se para Aquiraz, no Ceará, no início dos anos 90 com sua esposa Vanessa, e reside na cidade até hoje. Em 1993, Fábio, Vanessa e alguns amigos cientistas e pesquisadores das áreas de agronomia, biologia, arquitetura e construção civil, perceberam que a população de Aquiraz não tinha muito conhecimento sobre tecnologia. Os amigos, então, tiveram a ideia de levar este conhecimento através de ações sociais para os alunos da rede pública do município.

Durante as palestras, algo chamava bastante atenção: as apresentações em Power Point, feitas de forma diferenciada e de exímia qualidade. “Um dia, uma pessoa chegou para mim e falou ‘Tenho interesse por este Power Point que você está fazendo. Teria como fazer um pra mim?’”, relembra Fábio.

Foi então que o grupo de pesquisadores, em parceria com o SEBRAE, identificaram o grande potencial de mercado para aquela metodologia e passaram a oferecer cursos de qualificação profissional em multimídia para jovens em situação de vulnerabilidade social da comunidade de Aquiraz.

A medida que mais pessoas iam sendo capacitadas, o negócio foi se expandindo. Aos poucos, mais e mais demandas para desenvolvimento da comunicação digital de empresas foram chegando. Em 1999, o Iteva foi, de fato, formalizada.

Segundo Fábio, apesar do público-alvo da iniciativa ser de jovens carentes, seu negócio não nasceu como projeto social, e sim como uma “empresa social”. Na época em que a empresa foi institucionalizada, entre 2003 e 2004, o conceito de negócio de impacto social que conhecemos hoje ainda nem estava consolidado, o que leva o Iteva a ser considerado um dos pioneiros no ecossistema no Brasil e na região Nordeste.

Geodésica do Iteva é resultado de pesquisa experimental, pioneira no Ceará. Todo o processo de construção foi garantido por meio de experimentos e sua montagem foi bem complexa, com isolamentos e revestimentos que garantem seu perfeito funcionamento. O espaço é adaptado de acordo com a ação a ser realizada. Foto: Iteva

Certo dia, um amigo de Fábio, na época diretor de uma empresa, disse que queria colocar recursos para o Iteva através do Fundo da Infância e Adolescência, uma das leis de incentivo criado pelo governo federal para apoiar projetos sociais voltados para crianças e adolescentes – mas Fábio ficou reticente com a oferta.

“Ao meu ver, essa doação iria descaracterizar o lado do empreendedorismo. Ele disse que eu estava enganado, que eu deveria investir na formação dos jovens e deixar o empreendedorismo acontecer de forma autônoma. Então entendi que era possível captar recursos para a minha organização através de leis de incentivo”, comenta.

Hora de voar

Depois de resultados positivos e com a empresa/organização estruturada, era chegada a hora de ir além, de conseguir captar mais recursos para aumentar o impacto proporcionado. Inicialmente, a missão era conseguir apoio de empresas no Ceará, mas a ideia logo caiu por terra quando Fábio verificou que grande parte delas possuía baixa capacidade contributiva no estado e, portanto, tinham poucos recursos para doar.

É na região Sudeste onde estão concentradas as mais importantes empresas do Brasil, além de escritórios de grandes empresas estrangeiras. Para atingir esse mercado, Fábio readaptou suas estratégias de negócios e chegou a nomes como IBM, Gerdau, Microsoft, Cielo, Banco do Brasil Seguros, que hoje integram o time de apoiadores do Iteva.

Com novos apoiadores, o Iteva expandiu seus negócios, contribuindo para o desenvolvimento de mais projetos sociais, o que levou a instituição se tornar referência no terceiro setor no Brasil e no exterior. 

União e parcerias com outras instituições

Grande parte da equipe de trabalho do Iteva é oriunda dos projetos do instituto, os “pratas da casa”. Muito deles foram selecionados na rede pública de ensino do estado do Ceará. Segundo Fábio, ele mesmo ia atrás dos melhores alunos para fazer parte dos projetos e posteriormente, da própria organização. Até que a chegada da Escola Estadual de Educação Profissional surgiu como uma alternativa para os estudantes com interesse no ensino profissionalizante em tecnologia.

Projeto Midiacom. Foto: Iteva

Na época, em uma conversa com diretores da Microsoft, Fábio ouviu que o projeto desenvolvido no Iteva era “muito bom e de uma complexidade muito grande”, sendo referência inclusive para a própria Microsoft. Apesar do comentário positivo, Fábio questionou o porquê da Microsoft não injetar mais recursos além do que o Iteva já recebia. A resposta? “Porque você não tem muita escala.”

“Percebi que não dava para considerar a chegada da Escola de Ensino Profissional como uma concorrente direta, nós tínhamos que ser ‘aliados’. Propomos ao governo uma conversa sobre o assunto e nos fizeram a proposta de aplicar nossa metodologia nas Escolas de Ensino Profissional. O Iteva passou a formar novos alunos também nestas escolas.”, diz Fábio.

Na época, o Iteva sentiu a necessidade de desenvolver alguns softwares para a instituição, um deles um sistema gerenciador de projetos sociais. A partir dessa demanda, o instituto passou a recrutar alunos das escolas profissionalizantes para ajudá-los no desenvolvimento destes softwares. 

A evolução dos alunos foi grandiosa e o Iteva ganhou diversas bolsas de estudos para outras instituições de ensino, como a Faculdade Farias Brito no curso de Ciências da Computação.

Desenvolvimento de software. Foto: Iteva

Áreas de atuação do ITEVA

A metodologia do Iteva é voltada para a capacitação de jovens e adolescentes nas áreas de computação gráfica, produção multimídia, programação, redes, desenvolvimento de softwares e, claro, comunicação digital. A corpo gestor é composto por jovens formados na própria instituição.

O trabalho de comunicação digital desenvolvido pelo Iteva, o Programa Midiacom, conquistaram dezenas de clientes em todo o Brasil. Coca-Cola, Tetrapack, Petrobras, Citibank, Gerdau e a Escola Superior de Propaganda e Marketing, a ESPM, são alguns exemplos.

A área energética, especialidade de Fábio, também possui grande valor dentro da instituição. “Temos um centro de pesquisas inovador onde desenvolvemos diversas coisas interessantes, como por exemplo, um sistema próprio de ar-condicionado.”, explica Fábio.

Além do público jovem, o Iteva também possui projetos voltados para pessoas idosas. Cerca de 75% da população idosa no Brasil está à procura de alguma ocupação produtiva. Com esse dado em mente, Fábio logo pensou: “Quero algo que esteja de acordo com as necessidades do próprio idoso.”

Projeto Construcom. Foto: Iteva

A partir de um projeto de pesquisa para analisar métodos construtivos sustentáveis, utilizando técnicas de baixo impacto ambiental, nasceu o Projeto Construcom. O projeto tem como objetivo qualificar pessoas a partir de 60 anos em Edificação e Processos Construtivos Sustentáveis, utilizando o tijolo solo-cimento.

Fabio conversou com alguns de seus parceiros e financiadores e falou sobre sua ideia. O Iteva adquiriu os equipamentos necessários para realizar estudos de solo e a produção do tijolo ecológico solo-cimento. Como experimento e resultado final, o instituto testou e aprovou o material, utilizando-o na construção da estrutura de sua sede.

O projeto foi muito bem recebido e a captação de recursos para viabilizá-lo bateu recorde na instituição. Com o montante, foi construído uma fábrica para a produção de tijolo-cimento automatizada. Após o curso, a organização trabalha a organização socioprodutiva desse grupo, seja em microempresas, empreendedorismo individual ou cooperativas.

De acordo com Fábio, o próximo passo é instalar uma máquina manual para fabricação de tijolo dentro de um presídio do Ceará. Com o material, o estado poderá utilizá-lo em obras públicas, como escolas e casas populares. “O projeto piloto contará, inicialmente, com a participação de 100 presos. Com a capacitação adequada, ao saírem da cadeia, isso vai ajudá-los a encontrar uma nova profissão.”

Projeto Professores Digitais. Foto: Iteva

Com uma ampla atuação, o Iteva também oferece inclusão digital para docentes da rede pública através do Professores Digitais e estimula o interesse da criança para o aprender e gostar de estar na escola por meio do Projeto Cientista do Futuro – CDF.

Desafios e oportunidades para o terceiro setor e os negócios de impacto social no Nordeste

Para Fábio, o maior desafio no campo social é a ausência de um conhecimento aprofundado dos empreendedores sobre o próprio negócio. “Tanto na área social como nos projetos ligados ao social, é fácil perceber o amadorismo por parte de alguns, a falta de conhecimento e profissionalização. Por isso que é tão importante a existência de instituições para dar o suporte necessário para que os empreendedores do terceiro setor consigam formatar suas ideias e objetivos.”

“É importante entender o que está acontecendo. O mundo é dinâmico e tecnológico, as coisas mudam de um dia para o outro. Portanto, esteja sempre antenado.”

Fábio Beneduce, Coordenador Geral do Iteva

Já na região Nordeste, segundo Fábio, a situação é ainda mais desafiadora. “Por aqui ainda há uma visão muito conservadora aliado a falta de profissionalismo. Grande parte das iniciativas do Nordeste focam apenas no assistencialismo básico, deixando de lado o investimento em projetos realmente inovadores que chamem a atenção de potenciais apoiadores.” 

Mas qual seria o segredo para criar um projeto de impacto social de sucesso como o Iteva? A dica é estar sempre atualizado. “É importante entender o que está acontecendo. O mundo é dinâmico e tecnológico, as coisas mudam de um dia para o outro. Portanto, esteja sempre antenado.”, finaliza.