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Dia mundial sem carro: Estratégias de mobilidade urbana evoluem, mas a maioria ainda precisa sair do papel

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No Dia Mundial sem Carro, para além das atividades realizadas na data para desestimular o uso dos automóveis, é preciso implementar as diversas estratégias já definidas para melhorar de forma concreta a mobilidade urbana da população brasileira.

Milhares de pessoas estão indo ou vindo de um lugar para outro a todo instante. As cidades e centros urbanos, principalmente, não param. As pessoas se deslocam de casa para o trabalho; do trabalho para faculdade; da escola para o shopping entre inúmeros trajetos possíveis. A forma como esses caminhos são percorridos é o que se entende por mobilidade urbana e os meios escolhidos para fazer essa locomoção afetam diretamente a nossa qualidade de vida e interferem na saúde física e mental de todos os que habitam esses centros urbanos. Os fatores do uso cada vez maior de veículos que utilizam combustíveis fósseis estão diretamente ligados ao aumento da poluição do ar, problemas respiratórios e prejuízos ambientais.

Por esse motivo é urgente encontrar outras opções de mobilidade urbana que levem a redução do uso de automóveis. A importância de meios de transporte alternativos vem sendo discutida há bastante tempo, mas ainda precisa ser estimulada e implementada, principalmente, pelo poder público. Esse tema ganha mais destaque hoje, 22 de setembro, instituído como o Dia Mundial sem Carro. A data é celebrada em cidades do mundo todo com atividades em defesa do meio ambiente e da qualidade de vida.

O Brasil possui desde 2012 uma Política Nacional de Mobilidade Urbana que tem os seguintes princípios: acessibilidade universal; desenvolvimento sustentável das cidades, nas dimensões socioeconômicas e ambientais; equidade no acesso dos cidadãos ao transporte público coletivo; eficiência, eficácia e efetividade na prestação dos serviços de transporte urbano; gestão democrática e controle social do planejamento e avaliação da Política Nacional de Mobilidade Urbana; segurança nos deslocamentos das pessoas; justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do uso dos diferentes modos e serviços; equidade no uso do espaço público de circulação, vias e logradouros.

No entanto, na prática muitos desses fundamentos ainda precisam sair do papel. Temos no Brasil, algumas iniciativas que estão empenhadas em promover outras formas de mobilidade urbana e dessa forma diminuir o número de congestionamentos, da poluição, do consumo de combustível, da emissões de gases de efeito estufa e melhorar o “ir e vir” de toda população, afetado pelo crescimento desordenado das cidades e pelo déficit no sistema de transporte. Outra forma de atuação é na educação, já que a maior parte da população tem em mente que ter carro é necessário para um deslocamento eficaz (e muitas vezes realmente é) e com ações de reeducação se torna possível aderir a outros métodos de transporte como metrô, carro compartilhado e bicicleta.

Uma dessas iniciativas é o Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP) fundado em 1985, nos Estados Unidos, por ativistas pró-mobilidade sustentável. O ITDP tornou-se ao longo dos 35 anos de atuação uma das organizações que lideram atualmente o debate, as ações e políticas para a promoção de transportes sustentáveis em todo o mundo.

No Brasil, o ITDP possui vários programas nesse sentido como: Mobilidade por Bicicletas, Desenvolvimento Urbano (implementação de políticas urbanas e projetos alinhados aos princípios do transporte sustentável), Mobilidade a Pé (priorização das políticas de mobilidade que tenham o pedestre como foco), Transporte Público (oferecendo suporte às cidades e regiões metropolitanas no desenvolvimento de transporte público de qualidade), Gestão da Mobilidade (estímulo ao desenvolvimento de estratégias que conciliem deslocamentos eficientes com equidade no acesso) e a MobiliDADOS, que vem produzindo, nos últimos anos, uma série de boletins e publicações que apresentam e problematizam os principais desafios de mobilidade urbana nas cidades brasileiras.

Mobilidade urbana no Nordeste

No Nordeste, algumas iniciativas já se destacam no cenário de mobilidade urbana. Uma delas é a capital baiana. Salvador é a décima colocada no eixo Mobilidade, no Ranking Connected Smart Cities de 2021, sendo a primeira colocada da Região Nordeste. A cidade, que é a quarta mais populosa do país, possui mais de 1,3 milhão de passageiros por dia. Um dos fatores que levaram Salvador a conquistar essa posição foram as obras no metrô, que ainda estão em andamento, mas que já conectam 33 quilômetros com duas linhas que interligam boa parte da capital.

Apesar disso, a cidade ainda possui diversos desafios em relação à mobilidade urbana. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Salvador tem o terceiro maior percentual de tempo de deslocamento no trajeto casa e trabalho entre as capitais do Brasil, com 22,02% – perdendo apenas para São Paulo (31,03%) e Rio de Janeiro (25,34%).

No mesmo ranking, Recife, capital pernambucana, fica na 13ª colocação no comparativo nacional e segundo lugar no Nordeste. A mobilidade da terceira maior cidade da região é um dos principais desafios para o desenvolvimento da capital, já que de acordo com o relatório da companhia holandesa TomTom Traffic Index, que avalia 416 cidades em 57 países, Recife era a cidade brasileira com o maior nível de congestionamento em 2020. Como forma de solucionar as questões de mobilidade, a Prefeitura de Recife criou o Plano de Mobilidade Urbana do Recife, que está em fase de implantação com 4 das 8 etapas concluídas. Considerada uma iniciativa ousada, o plano inclui recomendações para o desestímulo ao uso do automóvel e o incentivo ao transporte público e aos modos ativos de transporte, bicicleta e caminhada.

Dá pra ir a pé e de bicicleta também

A melhora na mobilidade urbana também está em atitudes individuais como optar, quando possível, em realizar um deslocamento a pé ou de bicicleta, por exemplo. 39% da população urbana brasileira se desloca diariamente a pé, segundo um relatório do Sistema de Informações da Mobilidade Urbana, plataforma mantida pelo Ministério do Desenvolvimento Regional. Mas caminhar na maioria das cidades pode ser um desafio por falta de uma infraestrutura e segurança adequadas que estimulem esse modo de deslocamento.

Porém já existem avanços, três cidades nordestinas foram reconhecidas por melhorias voltadas à mobilidade a pé pelo Prêmio Cidade Caminhável 2021, promovido pelo Movimento SampaPé!, com apoio nacional do ITDP Brasil e internacional da organização Walk 21, e que visa reconhecer e premiar projetos e iniciativas realizadas por órgãos públicos em municípios brasileiros que tenham contribuído para melhoria da caminhabilidade.

As três cidades escolhidas, entre 28 iniciativas inscritas de 16 cidades, foram: Fortaleza (CE), Conde (PB) e Caruaru (PE). Entre os quesitos avaliados estão as condições para os pedestres, o impacto, participação social, colaboração e inovação dos projetos.

Ações para um futuro de mobilidade eficaz e sustentável

De acordo com o estudo “Desafios para gestão equitativa da mobilidade urbana” realizado pelo ITDP existem estratégias de gestão da mobilidade (GdM) que podem orientar soluções capazes de reduzir as externalidades geradas pelo trânsito motorizado e melhorar as condições para a promoção de uma mobilidade mais sustentável.

O estudo alerta que para o contexto brasileiro as medidas sugeridas também precisam ampliar a mobilidade das populações periféricas, sem reforçar a segregação socioterritorial observada nas cidades.

Segue um trecho do estudo:

“O debate sobre novas formas de garantir uma mobilidade pública, sustentável e de qualidade é latente em nível mundial. Pensar sobre a redemocratização do espaço viário é uma urgência. Uma vez garantidas condições melhores de circulação por transporte público coletivo e ativo, a tendência é a ampliação da qualidade de vida e a melhoria do ambiente urbano. Contudo, as estratégias de cobrança devem ter caráter redistributivo, tornando as oportunidades urbanas mais acessíveis para todas as pessoas”.

Alguns apontamentos sugeridos pelo estudo para soluções em mobilidade urbana são: Subsídio da mobilidade urbana com a criação do Sistema Único de Mobilidade Urbana com direcionamento de percentuais mínimos de investimento público no setor, a tributação de aplicativos de transporte com a cobrança pelo uso do espaço viário, a criação de um imposto municipal de proprietários ou titulares de imóveis. No transporte público: priorização de investimentos em transporte público especialmente em áreas periféricas, redução ou isenção do Imposto sobre Serviços (ISS).

No transporte individual motorizado: tarifação das vagas de estacionamento em vias ou fora das vias. A gestão das vagas e seus respectivos recursos são gerenciados na escala municipal, tarifação dos veículos de pelo uso do espaço viário de acordo com o tipo de veículo, tributação pela propriedade de veículos excedentes e para veículos de luxo e/ou importados. No transporte ativo: fomento do uso da bicicleta para realização de entregas, incentivo das viagens a pé e em bicicleta, até 2 km e 8 km, respectivamente, dependendo do usuário, a partir da garantia de espaços seguros e confortáveis, integração dos modos ativos ao transporte público, viabilizando a realização de viagens longas sem o uso de automóveis e motocicletas, entre outras.