O estado apresenta inventário de emissões, tecnologias sustentáveis e ações de resiliência que reforçam o protagonismo do Nordeste na agenda climática global, mostrando como o Ceará avança em adaptação, transição energética e restauração ambiental.
*Foto de capa: Elmano de Freitas, chefe do Executivo cearense representou os estados do Nordeste. (Divulgação: Governo do Ceará)
O Ceará consolida-se como referência nacional na agenda de adaptação e transição energética durante a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), realizada entre 10 e 21 de novembro, em Belém (PA). Com quase metade da população vivendo em áreas vulneráveis, as discussões sobre adaptação ganharam destaque entre gestores, pesquisadores e movimentos sociais.
Dalila Menezes, gerente de Planejamento do Ipplan, reforçou a dimensão social da crise climática: “Fortaleza tem 42% da população em áreas de risco. É para essas pessoas que precisamos trabalhar”. Para ela, integrar planejamento urbano, mitigação e políticas sociais é central para reduzir impactos de alagamentos, ilhas de calor e infraestrutura precária.
O secretário de Urbanismo e Meio Ambiente, João Vicente, destacou o papel das cidades na resposta climática. “Adaptação e mitigação são eixos centrais da COP30. Capitais como Fortaleza vivem desafios semelhantes e precisam de soluções integradas”, afirmou.
A presença cearense na conferência também evidencia a centralidade do semiárido nas estratégias climáticas nacionais. Único bioma exclusivamente brasileiro, a Caatinga desempenha um papel crucial no equilíbrio climático global e está entre os ecossistemas mais eficientes do planeta na captura de carbono. Um estudo da Universidade Estadual Paulista (Unesp) aponta que, entre 2015 e 2022, o bioma foi responsável por quase 50% de todo o sequestro de carbono do Brasil, apesar de ocupar apenas 10% do território nacional, um dado que reforça a urgência de sua conservação.
Com uma delegação formada por gestores públicos, pesquisadores, lideranças comunitárias e movimentos ativistas, o Ceará reafirma o compromisso do estado com soluções climáticas integradas e apresenta políticas, programas e projetos estruturantes que conectam adaptação urbana, inclusão social e resiliência territorial.
Ceará como “laboratório do semiárido” na COP30
Entre as principais entregas do Governo do Ceará na COP30 está o lançamento do Inventário Estadual de Emissões de Gases de Efeito Estufa, documento técnico elaborado pelo ICLEI – Governos Locais pela Sustentabilidade em parceria com a Secretaria do Meio Ambiente e Mudança do Clima (Sema). O estudo reúne e sistematiza dados sobre emissões e remoções de gases de efeito estufa no estado entre 2018 e 2023, oferecendo um panorama inédito para orientar políticas públicas.

Durante a apresentação no espaço Brasil Nordeste, estande do Consórcio Nordeste, o governador Elmano de Freitas ressaltou que o inventário é uma ferramenta estratégica para o aprimoramento das políticas de mitigação. “Esses dados servirão como base para fortalecer nossas ações de enfrentamento às mudanças climáticas e acelerar a transição para uma economia de baixo carbono”, afirmou.
A Sema e a Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace) apresentaram o painel “Recaatingamento e restauração da Caatinga”, reforçando o compromisso do estado com a recuperação do bioma. “Definimos o recaatingamento como tema prioritário da nossa participação na COP e construímos esse debate de forma ampla, envolvendo órgãos governamentais, setor produtivo e sociedade civil. É uma agenda que nasce no Ceará e que chega fortalecida à conferência”, destacou a secretária Vilma Freire.
A Semace também integrou o painel “Reposição Florestal e o Cadastro Ambiental Rural como ferramentas no enfrentamento às mudanças climáticas”, no qual o superintendente João Gabriel Rocha sublinhou o papel do Cadastro Ambiental Rural (CAR) como instrumento de regularização e governança ambiental. O Ceará aparece em posição de destaque nacional, é o terceiro estado do país e o primeiro do Nordeste em número de imóveis rurais com análise concluída, somando 64.443 cadastros finalizados.
No eixo de agricultura sustentável, a Secretaria do Desenvolvimento Econômico (SDE) apresentou o Programa de Eficiência do Uso da Água no Setor Agropecuário, desenvolvido com SDE, Funceme e Ipece e financiado pelo Banco Mundial. O projeto amplia a eficiência hídrica em áreas irrigadas do médio e baixo Jaguaribe. “Monitoramos essas áreas e instalamos estações de medição para garantir maior eficiência no uso da água. É um case importante que demonstra a responsabilidade do estado com a sustentabilidade no agronegócio”, explica o secretário-executivo Silvio Carlos Ribeiro.
Fortaleza e o desafio do calor extremo nas cidades
Na esfera municipal, o prefeito de Fortaleza, Evandro Leitão, lançou durante a sessão Mutirão contra o Calor Extremo, organizada pela Presidência da COP30 e pela Cool Coalition (PNUMA), o Observatório de Riscos Climáticos de Fortaleza. A plataforma georreferenciada permite monitorar temperatura, sensação térmica, chuvas e outros indicadores em tempo real, orientando ações de prevenção e resposta aos impactos climáticos.
“Fortaleza é conhecida como a Terra do Sol, mas o crescimento urbano acelerado intensificou as ilhas de calor e ampliou vulnerabilidades, principalmente nas periferias. O Observatório vai orientar ações de mitigação e melhorar a atuação da Defesa Civil e de outros órgãos em eventos extremos”, contextualizou o prefeito.
Evandro Leitão também participa de agendas voltadas à ampliação das áreas verdes na revisão do Plano Diretor, à integração de ações climáticas com as áreas de Educação e Saúde e à Sessão Ministerial de Alto Nível sobre Gerenciamento de Resíduos e Economia Circular. Neste painel, será proposto um pacto para impulsionar o Projeto de Biometano de Resíduos Sólidos, estimulando municípios a transformar resíduos de aterros sanitários em energia limpa, uma iniciativa alinhada às metas nacionais de descarbonização.
Juventudes, educação e ciência
A Universidade Federal do Ceará (UFC) marca presença expressiva na COP30, com pelo menos 19 integrantes de sua comunidade acadêmica participando da conferência. Entre eles está Sabrina Cabral, fundadora do projeto Ruma e integrante da Rede Impacta Nordeste. A iniciativa capacita meninas e pessoas LGBTQ+ de escolas públicas do Nordeste nas áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática (STEM).
Em Belém, Sabrina participa de atividades dentro e fora dos pavilhões oficiais e coordena ações na Green Zone, espaço dedicado à sociedade civil. Um dos destaques de sua agenda é a participação no painel “Justiça Climática para as Juventudes e Infâncias Brasileiras: perspectivas sobre raça, gênero, deficiências e territórios”, que ocorre em 18 de novembro.
Outra representante da UFC na conferência é Jaiane Brasil, doutoranda em Microbiologia Médica e integrante do Grupo Aplicado em Microbiologia Médica (GrAMM). Ela ministra a palestra “Saúde Climática e Resistência Antimicrobiana: conexões entre microbiologia, agricultura e sustentabilidade na Amazônia”. “As mudanças climáticas intensificam o surgimento e a disseminação de microrganismos resistentes, como consequência direta do aumento global das temperaturas e de alterações ambientais”, explica.
Também presente na COP30, Natália Tatanka, mestranda em Gastronomia e integrante do programa de extensão Gastronomia Social, representa o projeto Gastronomia e Terapia, que oferece formação culinária como ferramenta terapêutica e de geração de renda para pessoas em situação de vulnerabilidade. A iniciativa é realizada em parceria com o Movimento de Saúde Mental do Bom Jardim.
Agricultura regenerativa
Pesquisadores da Embrapa integram a programação técnica da Agrizone, a Casa da Agricultura Sustentável na COP30, apresentando tecnologias para a agricultura tropical com foco em baixo carbono, manejo sustentável e adaptação climática. Entre os representantes cearenses está Ana Clara Rodrigues Cavalcante, chefe-geral da Embrapa Caprinos e Ovinos (Sobral/CE).
Segundo Ana Clara, os dados científicos são fundamentais para mostrar que existem tecnologias capazes de promover o uso sustentável dos recursos naturais, garantindo produção segura de alimentos e fortalecendo sistemas pecuários sustentáveis que geram emprego, renda e dignidade no meio rural. Ela reforça que “esse conhecimento técnico ajuda a superar visões polarizadas que muitas vezes dificultam o avanço da agenda ambiental.”
Em setembro, como preparação para a COP30, o ICID (Conferência Internacional sobre Clima e Desenvolvimento) e a Embrapa realizaram em Fortaleza o evento “Diálogos pelo Clima – Bioma Caatinga”, reunindo pesquisadores e gestores para discutir segurança alimentar e sustentabilidade no contexto das mudanças climáticas. As mesas redondas contaram com a participação das chefias das unidades da Embrapa no Nordeste, incluindo a diretora Ana Euler (DINT), reforçando o compromisso institucional com o bioma.
Inovação, indústria e negócios de impacto
A Federação das Indústrias do Estado do Ceará (FIEC), por meio do Núcleo ESG-FIEC, marca presença ativa na COP30. A gestora do núcleo, Alcileia Farias, acompanhou a primeira semana da conferência tanto na Blue Zone, espaço dedicado às negociações e debates técnicos entre governos e instituições, quanto na Green Zone, voltada à sociedade civil, inovação e sustentabilidade.
“Estive presente nas duas zonas da COP30, acompanhando painéis internacionais de grande impacto sobre transição energética, justiça climática e inovação para a economia verde. O desenvolvimento sustentável exige uma transição energética justa, uma produção mais responsável e um consumo mais consciente”, destacou Alcileia.
Dois projetos desenvolvidos pela Associação Caatinga, com coordenação técnica da VBio e apoio da FIEC, foram selecionados para integrar a SB COP – COP30 de Negócios Sustentáveis, iniciativa liderada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) para fortalecer o protagonismo do setor privado na agenda climática global. Os projetos escolhidos Restaura Caatinga e Carnaúba Sustentável apresentam soluções escaláveis de restauração ecológica e fortalecimento da bioeconomia em um dos biomas mais ameaçados e menos protegidos do planeta.
As experiências bem-sucedidas da Região da Ibiapaba, promovidas pelo Sebrae/CE, também ganham destaque na conferência como referências de inovação e sustentabilidade na gestão pública. As iniciativas integram um catálogo nacional com boas práticas dos programas Prêmio Sebrae Prefeitura Empreendedora (PSPE), Cidade Empreendedora e Territórios Empreendedores, abordando ações de adaptação e resiliência às mudanças climáticas.
Cúpula dos povos e dos movimentos sociais
A abertura da Cúpula dos Povos, realizada na Universidade Federal do Pará (UFPA) na quarta-feira (12), foi um dos momentos mais simbólicos da agenda paralela à COP30. A presença do ministro Guilherme Boulos reforçou o caráter popular do encontro, que ele definiu como essencial para que vozes historicamente silenciadas sejam ouvidas. Em seu discurso, destacou que apenas com mobilização social as decisões das COPs se tornam reais: “Os movimentos sociais são os verdadeiros protagonistas do enfrentamento à crise climática”.
O Ceará também chegou forte à Cúpula. De 21 a 23 de agosto, Fortaleza sediou o II Seminário Cúpula dos Povos Nordeste, debatendo os impactos da transição energética e das mudanças climáticas sobre territórios indígenas, quilombolas, pescadores artesanais, periferias urbanas e comunidades rurais. Em Belém, a Associação Caatinga representa o semiárido, defendendo a centralidade do bioma nas soluções climáticas. “É fundamental termos representações da Caatinga neste evento mundial, para mostrar ao Brasil e ao mundo a importância desse bioma”, afirma Otávio Fernandes, analista da instituição.
Outro destaque é o Instituto Terramar, parte de uma delegação com mais de 30 organizações nordestinas. A entidade denuncia conflitos gerados por grandes projetos energéticos e tecnológicos, como o data center da empresa chinesa ByteDance que impacta o povo Anacé em Caucaia. “Estamos levando as vozes da zona costeira e do Nordeste para que relatem o que vivem e apresentem suas respostas às emergências climáticas”, reforça Andréa Camurça, coordenadora de incidência política do Terramar.
O Engajamundo, rede nacional dedicada à incidência climática, participa oficialmente da Cúpula dos Povos na COP30 com representação da cearense Bianca Santos, ponto focal da organização no estado e atuante nas pautas de juventude, justiça climática e participação popular. “Estou acompanhando debates sobre transição energética justa e sobre a instalação de data centers no Ceará. Em agosto participei do evento “Greenwashing na transição energética: o caso dos data centers”, realizado pelo Idec e pelo Instituto Terramar, com a presença do Cacique Roberto Ytaysaba, do povo Anacé. É a minha primeira COP e estou muito feliz em representar a juventude cearense e acompanhar de perto as iniciativas e articulações que acontecem nesse espaço”, afirma.
Desafios e próximos passos
A presença cearense na COP30 evidencia um estado que consegue articular governo, universidades, setor produtivo e movimentos sociais em torno de uma agenda climática ampla e diversa. São apresentadas tecnologias agrícolas, iniciativas de restauração da Caatinga, políticas urbanas de adaptação, ações de justiça climática e denúncias de conflitos socioambientais que já afetam diretamente comunidades rurais, costeiras e urbanas.
Mais do que ocupar espaços na conferência, o Ceará demonstrou ter capacidade técnica e mobilização social para influenciar debates globais. No entanto, o impacto dessa participação dependerá do que acontecer após o retorno de Belém. O desafio agora é transformar inventários, projetos, programas e compromissos firmados durante a conferência em ações permanentes capazes de fortalecer a proteção ambiental, reduzir desigualdades e promover desenvolvimento sustentável nos territórios.A questão que fica e que deve orientar os próximos passos é direta: garantir que o protagonismo na COP30 se traduza em transformação real nos territórios cearenses e nacionais.
Sara Café, é graduada em Comunicação Social/Jornalismo, especialista em assessoria de comunicação e formação em fotografia. Atua na área de inovação e impacto social através de trabalhos de jornalismo, redação e produção de conteúdo, mídias sociais, assessoria de imprensa e coberturas fotográficas. Bolsista de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação no Laboratório de Inovação do SUS no Ceará (2021) e do Observatório de Educação Permanente em Saúde (2022), projetos da Escola de Saúde Pública do Ceará. Produz entrevistas e matérias jornalísticas especializadas para o hub de negócios TrendsCE. Voluntária e Diretora de Comunicação do Instituto Verdeluz (gestão 2019 a 2022) e membra da Rede Brasileira de Jornalistas e Comunicadores de Ciência (RedeComCiência), da Rede Narrativas e integrante da Rede Linguagem Simples Brasil.
Sara faz parte da Rede Impacta Nordeste.